Sábado 27 de Abril de 2024

Gênero e Sexualidade

EM BELO HORIZONTE, NA FAFICH - UFMG

Importante Lançamento do Livro "A Precarização Tem Rosto de Mulher"

13 May 2013   |   comentários

No dia 9 de maio, cerca de 40 pessoas participaram de um importante debate na FAFICH-UFMG, organizado pelo grupo de mulheres Pão e Rosas juntamente à Juventude às Ruas: o lançamento da 2ª edição do livro A Precarização Tem Rosto de Mulher, que trata da luta de centenas de trabalhadoras terceirizadas da limpeza da USP. Contou com uma mesa composta por Diana Assunção – organizadora do livro, diretora do SINTUSP e militante do Pão e Rosas – e Flávia Vale – professora da rede estadual de MG que, durante o conflito retratado do livro, era parte dos estudantes da USP que lutaram ao lado das trabalhadoras terceirizadas, e militante da LER-QI. O debate tratou não apenas de apresentar o livro, mas também abrir uma importante discussão a respeito da opressão da mulher, que caminha diretamente ligada à exploração da classe trabalhadora.

Diana abriu a discussão dizendo como a situação daquelas centenas de mulheres é um pequeno retrato da condição de vida dos setores mais explorados do país, onde as mulheres, sobretudo as negras, são maioria. É necessário pensar a relação entre opressão e exploração. “Podemos dizer que se a opressão é anterior ao capitalismo, este modo de produção se apropria das formas de opressão, ou seja, das maneiras de subjugar um grupo social à outro, com o objetivo de aperfeiçoar a sua dominação de classe”, explicou, e complementou dizendo que é por isso que “a precarização tem rosto de mulher”, pois quem mais sofre com a miséria são as mulheres, consequência da combinação entre opressão e exploração.

Seguiu explicando o conceito de dupla jornada de trabalho, com o trabalho fora de casa e a obrigação da mulher de arcar com os trabalhos domésticos; e como as mulheres, historicamente, foram linha de frente de importantes greves e até mesmo processos revolucionários. O livro trata justamente de um processo de luta onde as mulheres foram linha de frente e, em meio a luta de classes, enfrentaram as contradições da própria opressão. A atuação de um sindicato combativo como o Sintusp (diferente do sindicato pelego que as representava) e o resgate dos métodos de organização da classe operária como assembleias e eleição de representantes na base, assim como dos métodos de luta, como greves, piquetes, ocupações, foram fundamentais para a auto-organização dessas mulheres.

Diana retratou como a consciência de classe dessas mulheres trabalhadoras foi avançando junto ao avanço da luta, passando de exigir apenas seus salários atrasados, a exigir a efetivação de todos terceirizados, sem necessidade de concurso público, e passando a responsabilizar a reitoria da USP. “Este avanço da consciência de classe não tinha limites e não podia se restringir ao ambiente do trabalho. Invadia também as relações dentro das casas. Silvana disse, então, que na luta contra seu patrão, aprendeu que não podia ter um patrão dentro de casa”, retratou Diana, mostrando como ao contrário de inimigo, Silvana enxergou em seu marido um companheiro trabalhador, que dividia com ela a mesma fileira da classe operária, e que deveria entender que a relação de opressão que mantinha com ela só servia para dividir ainda mais a classe operária e fortalecer a classe dominante.

Concluiu, sobre o avanço da consciência de classe dessas mulheres e transformação que essa luta trouxe às suas vidas, rompendo com amarras e opressões cotidianas, dizendo que “qual não foi nossa surpresa quando uma trabalhadora, depois de semanas em greve, dizia que já não sonhava mais com a louça, a limpeza a as roupas... agora sonhava com a assembleia, a greve, os estudantes apoiando” – fala essa que emocionou parte dos que atentamente assistiam ao debate.

Para finalizar, Diana retomou que muitas feministas comemoraram a eleição de uma mulher à presidência, enquanto milhares de mulheres trabalhadoras, pobres e negras continuavam relegadas aos piores cargos e seguiam morrendo devido aos inúmeros abortos clandestinos realizados no Brasil. Além de não dizerem que ela representa o partido que se orgulha em dizer que, em seu governo, os banqueiros nunca lucraram tanto. Diana colocou que esses feminismos, que dão às costas às trabalhadoras terceirizadas como as retratadas no livro “são feminismos que consideram que a luta das mulheres se dará pela aliança entre todas as mulheres na luta contra o homem e seu machismo. Mas como podemos pensar na aliança entre, por exemplo, Hilary Clinton e as meninas bombardeadas por ela no Iraque? Como podemos pensar na aliança entre Margareth Thatcher e as milhões de trabalhadoras que tiveram seus direitos retirados por elas? É uma utopia reacionária”. Continuou dizendo que “Também há feminismos que buscam espaços institucionais e governamentais, que consideram que será pela via de reformas na sociedade capitalista que as mulheres conquistarão sua emancipação. Mas como é possível liberdade para as mulheres em um mundo baseado na exploração e na desigualdade social? Outra utopia reacionária”.

A luta concreta pelos direitos das mulheres deve vir desde a perspectiva colocada no livro A Precarização Tem Rosto de Mulher, das mulheres que buscam a classe operária como aliada estratégica no combate às opressões, por ser essa a única classe capaz de subverter a ordem desta sociedade de exploração. Para isso, continua Diana, a ferramenta teórica que resgata o melhor da tradição das mulheres revolucionárias dos séculos XIX e XX, e que deve ser o guia para a ação, é o marxismo revolucionário. Parte disso é teorizar sobre processos como esse retratado no livro, para que os trabalhadores tirem as lições e não partam do zero em suas lutas, mas a façam a partir de uma perspectiva anti-capitalista, unificando estudantes, trabalhadores e professores. E também mostrar às mulheres trabalhadoras que deve-se questionar o Estado, que está a serviço da classe dominante, exigindo seus direitos como creches, restaurantes e lavanderias públicas, e também seu direito ao aborto legal, seguro e gratuito, negado devido aos inúmeros acordos entre o governo e a Igreja. Diana conclui dizendo “Por isso, o livro ‘A precarização tem rosto de mulher’ das Edições ISKRA e do grupo de mulheres Pão e Rosas é um livro militante. Não é pra ficar na estante ou nas bibliotecas apenas. É um livro pra luta, é um livro pra organização, é um convite a que todas e todos que lerem a sair da “rotina” do dia a dia, e tomar partido na luta contra a terceirização e a opressão”.

A partir da fala de Diana, Flávia buscou com sua intervenção expressar elementos da solidariedade dos estudantes à luta daquelas trabalhadoras e da aliança operário estudantil. Partiu de explicar que esses estudantes vêm de uma universidade que possui hoje um projeto claro de privatização e precarização. Mas essa não é uma realidade específica da USP, pois o que o governo PSDB faz abertamente em SP, o governo PT faz de maneira mascarada nas universidades federais. Em essência, ambos projetos são iguais: massificação do ensino privado, privatização e precarização do ensino público. Com a diferença que o PSDB sempre defendeu a privatização, enquanto o PT a faz disfarçada com uma “cara popular”. “A cada real do governo investido nas públicas, centenas são aplicados nas privadas” continuou Flávia, explicando também a necessidade da existência do vestibular, que deixa a maioria da juventude trabalhadora e negra fora da universidade, como um filtro de classe para a perpetuação do racismo e elitismo na universidade, ambos necessários para a implementação do projeto do governo de universidade.

Seguiu dizendo que as reitorias e setores privilegiados de professores eram os responsáveis pela aplicação desses projetos, fazendo convênios com fundações privadas, como a FUMP e FUNDEP e autorizando o trabalho semi-escravo através da terceirização dos serviços de limpeza e alimentação. E esse trabalho, realizado em sua maioria por mulheres negras, é parte da opressão às mulheres, necessária para a manutenção desse projeto elitista de universidade. Esse mesmo projeto, ao fechar os olhos a essas questões, permite a naturalização de opressões às mulheres a partir de professores, falta de moradia e creches, além de agressões homofóbicas e racistas. E as diretorias apenas se omitem frente à esses casos, como coloca Flávia dizendo que “essa administração universitária apenas mostra que não pode defender nenhum direito realmente democrático nem às estudantes nem às trabalhadoras. Essa é a universidade a serviço da burguesia e de seus interesses. Para esse projeto de universidade que precisa perpetuar o racismo e o elitismo para existir é funcional a manutenção da opressão também contra as mulheres.”

Foi contra todo esse projeto de Universidade que um setor de estudantes se colocou ao lado das valentes trabalhadoras terceirizadas da USP, que se levantaram contra todo tipo de opressão, exploração e humilhação, se enfrentando com a empresa e a reitoria. A partir disso, Flávia mostrou exemplos dos métodos de solidariedade e aliança entre os estudantes e àquelas trabalhadoras, que aos poucos foram confiando mais neles, e deixando transparecer inúmeros casos de opressão e humilhação que sofriam de seus chefes, situação essa que não deve ser diferente com as trabalhadoras terceirizadas da UFMG. "A luta em defesa das trabalhadoras e contra esse projeto de universidade tinha claro a necessidade da luta por outro projeto: por uma universidade a serviço dos trabalhadores e do povo."

Com isso, Flávia partiu para finalizar sua intervenção reivindicando as lições muito atuais daquela luta, que são contadas no livro A Precarização Tem Rosto de Mulher. Todo o processo de luta trouxe grandes mudanças para a vida de muitas das trabalhadoras, e também dos estudantes que se solidarizaram ativamente à luta, pois marcou a história da USP. Mostra disso foi o processo de luta ocorrido em 2011. Esse novo processo trazia lições do processo anterior e, desta vez, a solidariedade estudantil veio de centenas, e não apenas dezenas. Isso é o que significa escolher um lado na universidade de classes. Na UFMG, os estudantes, principalmente as mulheres, devem dar os passos iniciais e “colocar-se como sujeito em seu dia-a-dia contra a naturalização da opressão na universidade. Contra esse projeto de universidade da privatização e da precarização que para existir precisa ser elitista e racista.”, como denunciou Flávia.

Na conclusão de sua intervenção colocou a perspectiva desde o Pão e Rosas de buscar novas experiências com novas mulheres na luta contra a opressão. E finalizou dizendo que “estamos num estado privilegiado no que se refere à potencialidade desse sujeito que é a classe operária. A classe operária da grande BH e Contagem que traz em sua história grandes exemplos de organização independente dos governos e da burguesia. Uma classe operária que lutou com seus métodos como greves, piquetes, ocupações de fábricas contra a ditadura; que lutou contra a carestia e por melhores condições de vida, questões que atingem em primeiro lugar as mulheres, negras e trabalhadoras. É com essa classe operária que hoje os estudantes que questionam o atual projeto tucano/petista de universidade devem se preparar para forjar sua aliança”.

Aberta as intervenções ao público, interviram Iaci Maria, militante do Pão e Rosas; Bernardo Andrade, estudante de Filosofia na UFMG e militante da Juventude às Ruas; e Firminia, da secretaria de mulheres do PSTU.

Iaci mostrou que o atual projeto de Universidade vem desde um projeto mundial, que desde a Europa privatizou o ensino, o que endividou centenas de estudantes. Hoje, a realidade em meio ao 6º ano da crise econômico, é de cerca de 50% da juventude espanhola desempregada e endividada, e conhecida como os “ni-ni”: nem estudantes, nem trabalhadores. A mobilização gerada a partir disto se deu em meio a uma série de mobilizações na Europa, Oriente Médio e Norte da África, onde muitas dessas tinham as mulheres à frente. Concluiu que é nessas mulheres que devemos nos espelhar, que saíram às ruas pelos seus direitos, contra ditaduras e os ataques efeito da crise. Como as mulheres indianas, que reuniram milhares nas ruas da Índia contra os inúmeros casos de estupros coletivos.

Bernardo falou também da importância da solidariedade dos estudantes aos trabalhadores para assim combater todas as formas de opressão que se expressam dentro e fora da universidade, assim como combater o próprio projeto de universidade que se constrói em cima dessas opressões. Para isso, colocou a necessidade de se organizar a partir das entidades estudantis, construindo-as e cobrando, também ao D.A. Fafich, que sejam entidades militantes, atuando no dia-a-dia contra as opressões, assim como a necessidade da organização nacional a partir da ANEL, entidade antigovernista que deve tomar para si a luta dos trabalhadores terceirizados e sua efetivação.

Firminia saudou a atividade devido a importância do tema, denunciando o governo e seus ataques aos direitos das mulheres, como o Acordo Brasil-Vaticano e a Carta ao Povo de Deus assinada por Dilma em sua campanha presidencial, garantindo aos setores evangélicos que seu governo não legalizaria o aborto. Por fim, afirmou em nome da Juventude do PSTU que se colocariam a disposição de tocar juntamente na Universidade essa importante luta contra a opressão às mulheres, que se expressa fortemente na precarização do trabalho e na terceirização.

Ao fim da atividade, estudantes presentes reivindicaram a atividade e a importância e profundida da discussão ali colocada. Convidamos todas as mulheres presentes na atividade a conhecerem o grupo de mulheres Pão e Rosas e se organizar em torno de nossas ideias, pela aliança operário-estudantil, contra a opressão às mulheres dentro e fora da universidade!

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