Sexta 26 de Abril de 2024

Movimento Operário

Greves na França: Lutas eletrizadas percorrem a França

05 Jul 2004   |   comentários

Quinta-feira, 24 de junho, quinta jornada de ação para os trabalhadores da EDF e GDF (empresas públicas francesas de eletricidade e gás) em três meses. Hoje os trabalhadores em luta ocuparam 23 centros nevrálgicos de ambas as empresas (centrais térmicas, centros de fornecimento de eletrecidade, de armazenamento de gás, etc). Enquanto isso, outros grevistas levavam a cabo, ilegalmente, ações batizadas de “Robin Hood” , ligando a luz e o gás para as famílias pobres que não podem pagar as contas, ou rebaixando as tarifas nos bairros populares. Ao mesmo tempo, cortam a eletricidade das grandes empresas, da casa dos políticos ou patrões que despedem os trabalhadores, etc.

Por que tanta raiva e radicalidade? Os trabalhadores lutam contra o plano do governo Raffarin de privatização a médio prazo das empresas públicas em áreas de livre competitividade, apregoado pelas instâncias económicas da União Européia, o que desembocará em uma piora das condições de trabalho dos empregados da EDF e GDF, além de um aumento das tarifas para os usuários.

Após o plebiscito de Chirac, em maio de 2002, e da derrota do movimento dos estatais em maio e junho do ano passado em defesa de seu sistema de aposentadorias, a patronal francesa e seu governo pretendiam se valer de uma correlação de força social favorável para aprofundar os ataques. As burguesias da Europa têm que implementar tais ataques para reduzir o custo do trabalho e aumentar a sua produtividade relativa no marco da luta que está levando contra os blocos imperialistas antagónicos, principalmente os EUA e o Japão. Neste marco, a burguesia francesa advoga em favor da da reforma da Previdência Social ’ que o governo atual está aprovando ’, do Código do Trabalho e da privatização da maioria das empresas do setor público. Mas isso se deu sem levar em conta o resultado das últimas eleições regionais e européias, dos quais sairam deslegitimados eleitoralmente Raffarin e Chirac, e também sem levar em conta a determinação e combatividade dos trabalhadores de EGD e GDF.

Em outubro de 2002, em janeiro de 2003 e em abril deste ano, os trabalhadores da EDF e GDF já haviam protagonizado movimentos massivos para demonstrar sua oposição frente a qualquer reforma governamental. Entretanto, com jornadas de ações isoladas pela burocracia sindical para pressionar o governo e negociar o nível de adesão às paralizações diminuiu bastante no curso das últimas semanas. Mas, ao mesmo tempo, a partir de 7 de junho, uma vanguarda de trabalhadores começou a encabeçar ações radicalizadas inéditas na história recente das lutas dos trabalhadores franceses. O governo, com a ajuda indireta das direções conciliadoras, conseguiu desgastar um pouco o movimento. Entretanto, o que não póde fazer foi acabar com o movimento de conjunto, e sobretudo com uma vanguarda radicalizada que goza de um apoio evidente junto à opinião pública. Para tratar de dar uma saída para a crise atual o ministro da Economia Sarkozy teve que intervir para deixar uma porta aberta para a burocracia cegetista, centrando como eixo da reforma a mudança dos estatutos das empresas ’ que deixariam de ser empresas públicas para se transformarem em sociedades anónimas ’ e já não a abertura de seu capital. Ao mesmo tempo, o Premiê Raffarin se encarregava de ameaçar os grevistas que promovessem ações radicalizadas e ilegais, para melhor aliciar o maioria dos trabalhadores da EDF e GDF que atualmente segue a linha das direções sindicais.

Apesar de tudo, as lutas eletrizadas que precorrem o país e a combatividade que expressam as mesmas poderiam abrir um novo ciclo da luta de classes na França? O certo é que por ora duas categorias são bem conscientes da potencialidade do que está sendo protagonizado pelo movimento. Por um lado, os grevistas de EDF e GDF demonstram com a sua luta qual é a classe que maneja os recursos da produção e dos serviços e que tipo de serviços públicos podem tornar reais, isto é, um serviço de classe, para as classes populares e feito e dirigido pelos mesmos trabalhadores. Isto é o que mais assusta o governo e a burguesia. Por outro lado a burocracia sindical ’ e em particular a CGT, hegemónica até o momento na EDF e GDF ’ teme também a insatisfação operária que se expressa nas ações autónomas que levam adiante os grevistas radicalizados. A vanguarda da EDF e da GDF reiterou, inúmeras vezes durante marchas de protesto, que faz falta um movimento de conjunto, com um chamado a uma greve geral por tempo indeterminado para que o governo realmente retroceda. Isso é precisamente o que quer impedir a burocracia sindical: “nosso trabalho, ressalta Le Digou, um alto responsável da CGT, é canalizar a tensão social em direção a objetivos que não estejam fora de alcance” . Em outras palavras, “canalizamos para melhor negociar, como já fizemos no passado com as aposentadorias dos estatais, e como estamos fazendo agora com a reforma da Previdência Social” .

Frente aos burocratas sindicais conciliadores desta índole os grevistas de maio e junho de 2003, filiados à CFDT ’ sindicato que colaborou abertamente com o governo naquela ocasião ’, tiraram conclusões e em certas zonas um terço dos filiados passou para a CGT, que havia adotado um discurso mais radical. O que teme a CGT, que se prepara para negociar com o governo, é que se reproduza este mesmo processo e que a vanguarda passe para a SUD, um sindicato de menor importância, mas com um perfil combativo. Neste marco, tanto a radicalização das ações encabeçadas pela vanguarda, com seu rechaço frente a qualquer compromisso com o governo, são sintomáticos de certo sentimento incipientemente antiburocrático que caracterizaram as últimas lutas operárias na Europa, como, por exemplo, na Alemanha contra a Agenda 2010 na GrãBretanha durante toda a luta dos trabalhadores dos correios em outubro de 2003 e, sobretudo, na Itália, com as lutas dos trabalhadores dos transportes públicos da Alitalia, e mais recentemente da Fiat Melfi.

Entretanto, os partidos que se proclamavam revolucionários na França, em especial Lutte Ouvriére (LO) e a Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR), que tiveram mais de um milhão de votos nas últimas eleições regionais e mais de quatrocentos mil nas européias, teriam que tirar conclusões daquele processo. Se os trabalhadores rompem com as suas velhas direções somente para se filiar a um sindicato de perfil mais combativo, mas nem mais nem menos reformista que a velha CGT ou Force Ouvriére, representará um beco sem saída, em longo prazo. LO e LCR teriam que lutar pela unificação da totalidade dos sindicatos contra a atomização sindical, da qual tira proveito a patronal para firmar acordos e convênios com organizações minoritárias e impor estes ao conjunto de trabalhadores de uma categoria.

A LCR e a LO teriam que orientar este incipiente rechaço contra as políticas mais conciliadoras das direções sindicais na direção de uma verdadeira política nacional de lutas antiburocráticas, para retomar o controle dos sindicatos e expulsar os dirigentes burocráticos ’ os melhores aliados da burguesia.

Os eletricistas e gasistas demonstram com a sua luta qual é a potencialidade da classe operária que controla os recursos da economia. Com seu rechaço a qualquer compromisso com o governo, que só poderia levar a uma derrota em médio prazo, a vangurada dos grevistas destaca que além das ações radicalizadas que leva adiante é central forjar um movimento de conjunto para colocar em xeque o governo. Para além dos resultados imediatos do movimento atual, para assentar as bases de futuras lutas vitoriosas e intervir eficazmente na relação de forças na França e em escala européia entre a patronal e a classe trabalhadora, o movimento grevístico da EDF e GDF mostra a necessidade de forjar instituições da classe operária que sobrevivam aos vaievens momentâneos da luta de classes. Isso que dizer que é necessário retomar o controle dos sindicatos, expulsando a burocracia ’ seja ela quem for ’ e se autoorganizar pela base unificando todos os setores em luta e as camadas populares.

“Tous ensemble!” (“todos juntos” ), diziam os grevistas da EDF e GDF, enquanto ocupavam as instalações nesta manhã e formavam piquetes. “Todos juntos!” , gritavam, retomando a consigna de novembro e dezembro de 1995. É necessário unir todos os que lutam, mas também esta unidade combativa deve perdurar depois, no terreno da luta e da expressão política dos trabalhadores.

ÚLTIMO MOMENTO

Em 29 de junho, a Assembléia Nacional francesa aprovou, com os votos contrários dos socialistas e comunistas, o projeto de lei que transforma as empresas de gás e eletricidade em sociedades anónimas, onde 70% estará nas mãos do estado (diferente do projeto original, que era 50%). A coordenação federal dos sindicatos (CFDT, CFTC, CGT e FO) anunciou que continuará a luta com suas medidas radicalizadas e manifestações em eventos como a tradicional corrida de ciclismo “Tour de France” .

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