Sexta 3 de Maio de 2024

Debates

Entrevista com Mara da Corrente Operária do ABC

08 Aug 2007 | No Jornal Palavra Operária de maio deste ano publicamos uma entrevista com Mara do Hip Hop, militante da Corrente Operária do ABC, em que abordava as principais diferenças da Corrente Operária com o PSOL. Publicamos a seguir uma nova entrevista recente, após a ruptura dos companheiros com este partido.   |   comentários

Há algumas semanas a Corrente Operária declarou sua ruptura com o PSOL. Quais as conclusões que os levaram a romper com este partido?
Nossa entrada no PSOL, quando nos separamos da LER-QI pelo que entendemos como uma diferença tática naquele momento, deu-se por entendermos que o processo de rupturas com o PT que se desenvolvia passava no campo político pela formação do PSOL. Já tínhamos divergências com o projeto político da direção do PSOL, que nunca ocultamos. Na verdade, com todos os trabalhadores e jovens com quem discutimos ao longo desse período, sempre expressamos nossas diferenças e a necessidade de um balanço profundo sobre o que foi o PT e sua política de conciliação de classes, e a partir daí avançar para construir uma ferramenta política dos trabalhadores, que expressasse de fato a independência de classe. A partir da experiência que tivemos como uma corrente do PSOL, podemos dizer convictamente que em todos os aspectos o PSOL não é um partido da classe trabalhadora. Em primeiro lugar, o PSOL constituiu-se como um partido pequeno-burguês por sua direção, em que os parlamentares pronunciam-se, votam e agem como bem entendem, de modo que o partido não pode ser visto pelos trabalhadores como um passo de superação do PT: isso porque é um partido que sequer defende as demandas dos trabalhadores em confronto aos patrões. Em segundo lugar, o programa “anti neoliberal” do PSOL é na verdade um programa reformista com elementos de adaptação ao desenvolvimentismo burguês contra os monopólios, ou seja, o programa do PSOL não é de independência de classe. Como estratégia, o PSOL definitivamente não se constrói como um partido para tomar o poder, mas sim como um partido que busca ser a ala esquerda do regime democrático burguês.

Você pode aprofundar sobre essa crítica ao programa anti-neoliberal do PSOL?
Nós dizemos que o programa anti-neoliberal do PSOL não é um programa anti-capitalista. O programa de redução de juros e de exigência de uma mudança da política económica contra o “capital financeiro” significam nada mais do que a busca incessante pelo diálogo com o setor “produtivo” , desenvolvimentista, da burguesia. Como conseqüência, as demandas da classe trabalhadora são abandonadas na prática. É o que se demonstrou na votação dos parlamentares do PSOL a favor do Super Simples, no fim de 2006, aprovando um ataque contra os trabalhadores com essa lei que o próprio Lula afirmou ser a primeira parte da Reforma Trabalhista. O PSOL demonstrou, exatamente, a opção em favor das pequenas e médias empresas contra os trabalhadores. A mudança na política económica que Heloísa Helena tanto defendeu na campanha eleitoral mantém a exploração capitalista, alimentando a farsa de que o crescimento económico vai gerar automaticamente benefícios para os trabalhadores, enquanto gera na verdade maiores lucros para os patrões.

Depois de tanto ser adiado, o PSOL realizou o seu I Congresso em junho. Qual a avaliação que vocês fazem do Congresso?
O Congresso confirmou a orientação política e programática que o PSOL já vem expressando em sua atuação. “Por uma outra política económica” é o principal eixo programático do partido e defendido pelas diversas correntes internas. O “bloco político social” que o PSOL defende construir é um bloco poli-classista, em que cabem setores da burguesia nacional que não sejam monopolistas. Até o PT em seu início defendia um partido sem general e sem patrão, mas o PSOL busca patrões que estejam também em defesa de uma “outra política económica” para unir forças. Se não bastasse, o bloco social e político que defende o MÊS (corrente interna do PSOL da deputada Luciana Genro), por exemplo, tem por objetivo alcançar até setores da polícia que, segundo eles, têm demonstrado sua insatisfação com o modelo neoliberal. Para nós é uma questão de princípio, que a polícia não é parte do proletariado, mas sim um instrumento da burguesia para defender a propriedade privada e o Estado burguês.

Na Venezuela, Chavez está formando o PSUV, um partido policlassista, que o PSOL apóia...
Exato. Inclusive correntes do PSOL que têm grupos na Venezuela como o MES estão chamando a filiação ao PSUV, o partido que Chavez quer construir com os empresários justamente para ter mais controle sobre o movimento de massas. A posição do PSOL frente a governos como Evo Morales e Hugo Chavez tem sido de capitulações sucessivas. As chamadas nacionalizações de Chavez com pagamento aos empresários e os planos de Evo Morales de constituir uma burguesia andina são embelezados pelo PSOL justamente porque o programa anti-neoliberal que o partido defende pode ser aplicado em acordo com setores da burguesia “nacionalista” ou “desenvolvimentista” . É o que o PSOL chama de “nacionalismo revolucionário” . Em outras palavras, o proletariado desses países deve ficar a reboque dos governos que estão em acordo com parte das burguesias nacionais. Hugo Chavez tornou-se um ícone na América Latina sendo um obstáculo para o avanço da ação independente dos trabalhadores e das massas. Tem que ser uma tarefa dos revolucionários combater todas as ilusões em mediações reformistas e burguesas, como é o chavismo. Estamos de acordo com o chamado que os companheiros da FT fazem a outras correntes que se mantiveram numa posição independente ao chavismo, como a LIT (organização internacional que o PSTU integra) e o CRCI (do PO argentino), a impulsionar uma campanha internacional contra as falsas nacionalizações, defendendo a nacionalização sem indenização de todas as indústrias estratégicas, sob controle e gestão operária; por um partido operário independente, contra o policlassista PSUV proposto por Chavez; e pela perspectiva de um governo operário, camponês e do povo pobre contra a farsa do chamado socialismo do século XXI.

Sobre a necessidade de um partido da classe trabalhadora, após essa experiência no PSOL, o que vocês da Corrente Operária opinam?É preciso que os trabalhadores nesse país rompam as ilusões de que a miséria do capitalismo pode se resolver em conciliação com os patrões, essa maldita ilusão que o PT semeou. Os setores de esquerda deveriam estar discutindo hoje que partido o proletariado brasileiro necessita construir, deveria ser uma discussão impulsionada a partir da Conlutas, da Intersindical; os trabalhadores não podem seguir discutindo as questões sindicais e permanecer alheios às questões políticas nacionais e internacionais que dizem respeito ao futuro da nossa classe. Nós defendemos a construção de um partido para que os trabalhadores em aliança com o povo pobre imponham sua libertação, onde os trabalhadores assumam seu papel político na realidade nacional. Nós estaríamos nesse partido lutando para que adotasse um programa revolucionário, para que o proletariado avance para expropriar a burguesia desde as fábricas até o Estado.

Recentemente, viajou uma delegação da Conlutas para o Haiti. O que você opina sobre essa ação?
A retirada das tropas do Haiti é uma bandeira que toda a esquerda deve levantar firmemente. As tropas da MINUSTAH, liderada pelas tropas enviadas por Lula, estão a serviço de conter as manifestações dos haitianos, que se levantaram contra a situação de miséria que vivem em seu país, saqueado pelo imperialismo como demonstra a escandalosa dívida externa, que até hoje o Haiti continua pagando. Mas o que mais chamou atenção nessa visita organizada pelo PSTU ao Haiti foi a entrega da carta ao povo do Haiti para o presidente do país, René Preval. Afinal de contas, a solidariedade ao povo haitiano deveria ser dirigida aos trabalhadores e ao povo haitiano e não ao presidente. Devemos ser solidários a este povo massacrado, mas o que o PSTU fez foi entregar uma carta que diz “estamos com vocês” justamente ao presidente que é capacho do imperialismo, que defende a manutenção das tropas no país que matam civis ’ entre jovens, mulheres, crianças ’ em nome dessa suja estabilização do país. René Preval anda de mãos dadas com o imperialismo e por isso tem também suas mãos sujas de sangue. É em acordo com Preval que as maquiladoras estão se instalando no Haiti para explorar uma mão de obra semi-escrava no país mais pobre do continente. Apoiar a luta dos trabalhadores haitianos e das massas desempregadas e oprimidas desse país passa necessariamente por desmascarar e combater abertamente governos como o de Préval. Sem isso não se pode apontar para, de fato, defender a auto-determinação do povo haitiano.

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