Sábado 27 de Abril de 2024

Internacional

CÚPULA DAS AMÉRICAS

Entre a crise e a submissão

26 Apr 2009   |   comentários

De 17 a 19 de abril 33 chefes de Estados americanos,com exceção de Cuba, se reuniram em Puerto España (capital de Trinidad e Tobago) para receber o presidente Obama na expectativa de que esta reunião abrisse uma “nova etapa nas relações entre os EUA e a América Latina” . O fato de que Obama iria colocar as diretrizes de sua política para o continente e a importância que Cuba teve antes e durante a Cúpula lhe deram a maior relevância. Entretanto, apesar das congratulações mútuas, os resultados da Cúpula não antecipam nada bom para os trabalhadores e os povos da região. Em primeiro lugar, o clima de “cordialidade e otimismo” não pode ocultar que esta se dá num contexto internacional de pesadelo, marcado pela profundidade da crise económica mundial de dimensões históricas; e pelo declínio da hegemonia imperialista dos EUA, agravada pela crise económica que aumenta as contradições inter-estatais e faz cada vez mais difícil a gestão do mundo por Washington. Ambos os processos estão tendo um enorme impacto desestabilizador na América Latina. Isso explica a ansiedade dos distintos governos para escutar o que Obama diria em termos políticos e económicos, fazer-lhe pedidos e distender as relações.

O “bom vizinho” Obama e a agenda imperialista para América Latina

“Estou aqui para abrir um novo capítulo” , disse Obama na abertura da Cúpula. Como parte de sua política de “lavar a cara” do imperialismo norte-americano, Obama apresentou a si mesmo como “um sócio a mais” : “Mostramos que não há nem grandes nem pequenos sócios na América, só companheiros comprometidos em avançar numa agenda comum com objetivos comuns” . Esta viragem a uma política de “bom vizinho” contrasta com o “unilateralismo” da era Bush, que levou a uma série de fracassos económicos (ALCA), políticos (queda de seus mais fiéis agentes regionais ou a negativa latino-americana em apoiar a guerra do Iraque) e diplomáticos (como o mal estar na IV Cúpula em Mar Del Plata).

Obama busca compensar a perda de autoridade norte-americana ao sul do Rio Grande, melhorar a imagem dos EUA, restabelecer as relações com os governos da área e distender as situações mais conflituosas, como com Cuba, Venezuela e Bolívia com o objetivo de recompor a capacidade norte-americana de exercer hegemonia sobre a região.
Este é um problema estratégico para Washington (ainda que América Latina jogue um papel secundário em sua política exterior). Este necessita recuperar o controle da periferia que historicamente considerou seu “pátio traseiro” para enfrentar em melhores condições os desafios à hegemonia global norte-americana, como a rivalidade com os principais imperialismos europeus e o Japão, assim como a China e a Rússia, que aumentaram a presença económica e laços políticos na América Latina.

Trata-se de perseguir o mesmo “interesse nacional” norte-americano por outros meios. A “luta contra o narcotráfico” , a “segurança hemisférica” , a “segurança energética” , e o impulso aos biocombustíveis e outros temas que seguirão na agenda latino-americana dos EUA sob Obama.

A permanência de altos funcionários de Bush como Thomas Shannon a frente dos assuntos da região ou a nomeação do Gral.(R) James Jones, amigo do republicano John McCain como Secretario Nacional de Segurança, ambos presentes na Cúpula, ilustram o grau de continuidade.

O novo de Obama é deixar para trás o fracassado “unilateralismo” e mudar o tom e o estilo na diplomacia, com uma postura de diálogo (o que não significa que os EUA aceitem rediscutir as decisões e políticas fundamentais), apoiando-se em “sócios privilegiados” em nível regional e usando mais os mecanismos multilaterais para obter consensos.

O tema Cuba e o giro de Washington

“A política que tivemos durante 50 anos não funcionou da maneira que esperávamos. O povo cubano não é livre” , declarou Obama contestando a disposição dos presidentes latino-americanos de terminar com o bloqueio. A polêmica sobre a reincorporação de Cuba foi uma de suas chaves.

Obama também disse que “creio que podemos mover as relações entre os EUA e Cuba numa nova direção” . Já antes da Cúpula, sua secretária de Estado, Hillary Clinton, havia elogiado a “abertura de Raul Castro ao diálogo” , que havia dito estar disposto “a discutir todos os temas com os EUA: direitos humanos, liberdade de imprensa, presos políticos” . Miguel Insulza, secretário geral da OEA antecipou que propunha derrubar as sanções de 1962 contra Cuba . Lula já promoveu a integração de Cuba ao Grupo do Rio e outros encontros.

A este respeito, um artigo do jornal argentino Clarín dizia: “A normalização da situação cubana (...) simboliza a parte que diz respeito às mudanças internacionais e o primeiro passo de uma nova geopolítica hemisférica (...) pela primeira vez em meio século, Washington retrocede sobre uma histórica disciplina anti-castrista e se encaminha para somar Cuba sob a mesma luz na qual mantém suas relações com outras experiências comunistas como a China e o Vietnã” .
Obama faz um gesto como autorizar viagens e remessas de familiares de cubanos à Ilha, além de suas declarações posteriores, mas não mudou nada do criminoso bloqueio e coloca condições como a reivindicação de “libertação de presos políticos” e “sinais de abertura” . A nova administração democrata está abandonando a política de impor a queda direta do regime castrista, como havia sido com os republicanos, e girando em direção a uma via mais gradual como a única realista para obter a destruição das conquistas remanescentes da revolução e consumar até o final a restauração capitalista e sua semicolonização.

De fato, a Cúpula mostra que está se tateando o terreno para ensaiar mudanças e é possível que se abra um processo de negociações.

Rediscutindo o “sistema interamericano”

O debate sobre Cuba está relacionado a um problema mais geral: o redesenho das relações de subordinação semicolonial ao imperialismo, pois após longos anos em que se arrasta uma crise da ordem semicolonial regional, os EUA já não podem impor suas decisões de qualquer maneira, como nos velhos tempos. Todos buscam uma nova relação que sem implicar o alinhamento automático com os EUA permita administrar as crises e problemas regionais e manter a “governabilidade” ante os ventos de tormenta.

Um analista chama a atenção sobre que: “O mais importante e menos discutido desta cúpula são as profundas divergências políticas que hoje separam os governos latino-americanos ” . Com efeito, a dispersão oscila entre posições que vão do maior alinhamento com os EUA até as políticas económicas neoliberais (México, Colómbia ou Chile) ao pólo de corte nacionalista (Venezuela ou Bolívia) além de fricções e conflitos bilaterais de distintas ordens .

A chegada da recessão começa a desestabilizar todas as relações e aumenta a possibilidade de novas crises políticas ’ como mostra o México ’ e todos buscam preservar a “estabilidade regional” atualizando e legitimando mecanismos de gestão, contenção ou ainda intervenção internacional.

Obama identifica o Brasil como sócio privilegiado na difícil tarefa de recompor a ordem regional. Também localiza como aliados preferenciais ao México (por sua proximidade geográfica e como sócio do NAFTA) e Colómbia (país estrategicamente importante e firme aliado de Washington), enquanto a Argentina segue relegada. Obama e Lula prepararam a Cúpula em consulta permanente e o papel da diplomacia do Itamarati foi chave no tema de Cuba, além de gerenciar a aproximação entre Obama e Chávez, e ainda interceder pela Argentina. Desta forma na Cúpula, o Brasil obteve maior reconhecimento norte-americano em seu papel como “interlocutor privilegiado” e “líder regional” , apoiando-se numa estratégia ativa para aglutinar a América do Sul em torno de suas principais iniciativas económicas, políticas e de segurança, tarefa difícil dados os próprios problemas do Brasil e as tensões que esta projeção desperta entre seus vizinhos.

A distensão com a Venezuela e a Bolívia

“Preparamos a artilharia que levamos à Cúpula” , Chávez havia dito antes do encontro da ALBA, que rechaçou antecipadamente a declaração de Puerto España por não falar da crise económica global e excluir Cuba. Porém, desembarcou na Cúpula com uma efusiva saudação a Obama, presenteando-o com As veias abertas da América Latina (como se sua leitura fosse mudar o estadista a cargo da administração imperialista). O gesto foi bem recebido por Obama, que ante um pedido de Evo Morales declarou: “Quero ser muito claro: me oponho absolutamente a qualquer tentativa de derrubar violentamente um governo democraticamente eleito. Esta não é a política de nosso governo (...)” . O clima de diálogo também se estendeu à Venezuela e à Bolívia, dois países com os quais a tensão havia chegado à suspensão das relações diplomáticas com Washington.

Chávez apresenta isso como “um triunfo da revolução” , mas a busca de uma aproximação com os EUA reflete seu curso cada vez mais “moderado” e mina o terreno sob seu posicionamento como líder de uma “alternativa bolivariana” , pois na ausência de verdadeiros atos anti-imperialistas e pode começar a se debilitar aos olhos latino-americanos, ao mesmo tempo em que o fortalecimento do Brasil tira espaço para suas aspirações “geopolíticas” regionais. É que o vendaval da crise obriga a todos a se recolocar o tema das relações com os EUA.

Esta dinâmica aponta a desmascarar a inconsistência de um “bolivarianismo” que não rompe com o imperialismo nem com as classes dominantes locais.

A crise económica e os pedidos latino-americanos

Não faltaram motivos a Obama ao dizer que “ainda os mais vociferantes críticos dos Estados Unidos desejam estar seguros de que a economia norte-americana está trabalhando e crescendo novamente, neste sentido, as pessoas estão apoiando o êxito da América” . Todos esperavam algum sinal de que os EUA sairiam rapidamente de suas dificuldades e poderiam ajudar aos países da região.

Segundo a CEPAL, o PIB regional cairia 0,6% este ano. O Brasil perderia 1% e o México 2% de seu PIB. A Argentina está entrando em recessão. Os índices de exportações, atividade industrial, etc, caem num país atrás do outro. O ingresso de capital externo à região baixaria 80% em relação a 2008 e há indícios de fuga de capitais. As medidas protecionistas, as fortes desvalorizações, os intentos de aliviar a dependência do dólar mediante “swaps” (Brasil-Argentina, Argentina-China, etc) e os “pacotes de estímulo” (que somam 2% do PIB no Chile, México e Brasil, 1% na Bolívia, Venezuela e Argentina) estão se mostrando impotentes para evitar o aprofundamento da crise .

O presidente do México, Felipe Calderón, solicitou um “Plano Marshall” para a América Latina de 100 bilhões de dólares. Outros esperavam que se incluísse a região nos planos de “salvamento” discutidos no G20. Lula requer seguranças de que os EUA não caíram no “protecionismo” . Uribe e Alan García esperam a ratificação dos TLC pelo Congresso norte-americano e Tabaré Vázquez de acordos comerciais e preferências. Obama não se comprometeu com nada, só anunciou um fundo de 100 milhões de dólares para as microempresas.

Mas o que ficou claro é o retorno do FMI e outras instituições (como o BID) cuja missão é disciplinar os governos semicoloniais segundos os interesses do capital financeiro internacional. O fato do Brasil ter obtido uns votos a mais no Fundo por ter aportado com 4,5 bilhões de dólares não altera este papel. Em troca de que o imperialismo lhes dê alguma vantagem, os governos se preparam para aceitar condições antinacionais.

Depois da Cúpula

Manuel Zelaya, presidente de Honduras, disse que a “América Latina saiu com sua dignidade alta e os EUA também” . Entretanto se manteve o desacordo em temas fundamentais pelo qual não se firmou a declaração “para não entorpecer o bom clima do encontro e os avanços sobre Cuba (...). Para Obama (...) simplesmente ninguém quis arruinar a festa com debates pesados sobre as diferenças” .

Ainda que Chávez tenha lhe dado crédito ante as massas latino-americanas ao afirmar “Obama disse, prometeu, há que crer em Obama, há que ter boa fé daqui em diante” , o certo é que o governante democrata mostrou ter bem pouco a oferecer a América Latina.
Entretanto, Chávez, Evo Morales e outros não acharam necessário denunciar o Plano Colómbia, a exorbitante dívida externa, a ocupação do Haiti, e tantos outros temas que mostram que a submissão latino-americana aos interesses fundamentais dos EUA e ao imperialismo não foi questionada nesta Cúpula. Há dois meses um analista escrevia: “O resto do mundo muitas vezes se mostrou discordante com George W. Bush (...) Obama provavelmente será mais diplomático que seu antecessor, mas quiçá também seja mais exigente” . Esta advertência dirigida às grandes potências parece ainda mais válida para a semicolonial América Latina.

Ante uma crise de dimensões históricas como a atual, é mais que difícil que os EUA renunciem a defender os interesses vitais de suas transnacionais na região. Pelo contrário, há que esperar que em longo prazo busque exercer a maior pressão e agressividade na hora de impor a repartição dos custos da crise sobre os povos da região.

Fora o imperialismo da América Latina

Portanto, nada bom pode vir desta aplaudida “nova era de relacionamento entre os EUA e a América Latina” para os trabalhadores e povos da região que enfrentam a perspectiva de um salto na crise, nos ataques capitalistas e no saque imperialista.

À política de entendimento com Washington de progressistas e nacionalistas há que opor o programa de ruptura com o imperialismo, buscando a unidade na luta dos trabalhadores e camponeses de toda América Latina, e que a crise seja paga pelos capitalistas, latifundiários e pelo imperialismo, o que coloca sobre a mesa no marco da crise global as tarefas de libertação social e nacional. Nesta luta um aliado fundamental será o proletariado e as minorias oprimidas dos EUA, onde o forte contingente de trabalhadores imigrantes latinos constitui uma “ponte natural” para buscar a aliança do proletariado continental.
Não são as burguesias nacionais nem as forças nacionalistas e reformistas ligadas a estas que poderão consumá-las. É preciso que a classe operária tome em suas próprias mãos a luta continental contra o imperialismo.

A única forma de consumar a necessária unidade económica e política da região é construindo por via revolucionária uma Federação de Repúblicas Socialistas da América Latina.

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