Terça 7 de Maio de 2024

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ARGENTINA

ESMA: “Esse julgamento é um produto de uma luta de vários anos”

04 Nov 2011 | Entrevistamos Myriam Bregman, membro do CeProDH e Justiça Já e militante do PTS (Partido dos Trabalhadores Socialistas), que junto a Luis Bonomi é advogada do processo pelo assassinato de Rodolfo Walsh.   |   comentários

O Que significa para você este veredito?

Este julgamento chega depois de muitos anos de luta, sofreu todos as vicissitudes do que foram as leis de impunidade. Muitos dos fatos que aqui se julgam são fatos que inclusive foram julgados e analisados no Julgamento das Juntas e depois de 20 anos se reitera novamente. É uma causa que se iniciou em 2007 contra o prefeito Febrés e antes que terminasse, ele foi envenenado com cianureto no lugar onde estava detido, por isso, chegar a esta instância e conseguir condenações perpétuas para esses repressores, muitos deles simbólicos como Astiz, o Tigre Acosta, Pernías é para nós muito importante. Evidente que as absolvições nos deixam um sabor amargo, três no caso específico de Rodolfo Walsh e faz com que vejamos que é importante redobrarmos a luta para demonstrar que na ditadura participaram todos. Como esses mesmos repressores já disseram aqui, foi uma participação institucional. Apelaremos a essas absolvições, o mesmo faremos com sentenças como a de Azic, que foi condenado há 18 anos, por torturar um bebe recém-nascido de Carlos Lorskipanidse.

Depois do veredicto, o tribunal de um modo nomeia e reconhece a figura de genocídio gravitando neste julgamento. Como vocês receberam isso?

Todavia temos que esperar a decisão do tribunal, mas pelo decorrer de hoje já podemos dizer que o tribunal faz um reconhecimento de que os delitos cometidos na Argentina foram parte de um genocídio e que este genocídio aconteceu por motivos políticos. Isso é muito importante porque é parte do que nós estamos sustentando há muito tempo, com algumas conquistas parciais como as que obtivemos nas sentenças de La Plata, como outros a partir daquela primeira tentativa quase em solitário que fizemos no julgamento contra Etchecolatz. E agora que este tribunal fala em genocídio, mais além de que não enquadrou cada fato em particular, demonstra que instalamos um debate, que para nós não é um debate só jurídico porque o que queremos discutir é qual foi o processo político que se deu na Argentina entre o ano de ´76 e 83´.

Você comentou antes que houve também absolvições

As absolvições eram esperáveis e incríveis. Absolver Rolón, membro chave da ESMA, que o tempo inteiro reivindicou o feito, e que inclusive no meu caso particular me “aconselhou” que abandonasse meu discurso trotskista, que lhe faz rememorar 1917, e depois disse que com isso se conseguia poucos votos! Também Astiz me aconselhou que não continuasse defendendo o direito ao aborto, insólito!

Ou seja, gente que reivindica absolutamente o que fez, que tem conhecimento profundo dos fatos, que cala, que não diz o destino dos desaparecidos e que hoje ficou absolvido. A verdade é que cada vez que o tribunal proferia a palavra absolvido era como um silêncio que recorria a sala, porque ninguém podia acreditar que se tratava de Rolón, de García Velazco, de Coronel, os três assassinos de Rodolfo Walsh absolvidos! Coronel (que foi condenado pelo resto dos casos) que é um caso extremo, era membro do Exército e que atuou na ESMA (Escola de Suboficiais de Mecânica da Armada) e para que não fosse incriminado no caso Walsh disse que estava “perseguindo subversivos na fábrica Fate de San Fernando”. Tem uma naturalidade em reconhecer como atuavam na ditadura e a quem perseguiam, que embora neste caso seja mentira (já que efetivamente participou do assassinato de Walsh) é assombroso o argumento que utiliza. O caso de García Velazco tem uma conotação especial para Patricia Walsh, para os familiares e amigos porque é nada mais nem nada menos do que quem comandou o operativo de perseguição e seqüestro de Walsh.

Parece chamativo que do maior centro clandestinor do país, onde passaram 5.000 detidos desaparecidos, sejam nada mais que 18 os militares acusados

É que esse julgamento teve a particularidade de ser para 18 repressores, foi sofrendo cada vez mais fragmentações e não se julga a todos os genocidas que passaram pela ESMA, como na maioria desses julgamentos que se dão de forma absolutamente fragmentada. Neste momento não são muito mais de 60 os que estão processados no total pela causa ESMA; uns falam de “Mega causa”, mas isso não quer dizer “mega imputados”, porque são muito poucos, porque muitos desses imputados estão em liberdade, inclusive os que hoje foram condenados, muitos deles hoje voltaram para suas casas. Isso é notório. E também, como demonstramos no nosso discurso, a Armada participou de forma institucional, e de todos eles, a maior parte está impune, imaginem que apenas 60 foram processados. E muitos, 4.000 ainda hoje, a ponto de começar o terceiro governo kirchnerista, estão ocupando cargos. Assim que temos que seguir mobilizados para que não sejam somente18 os julgados, mas que se julgue o conjunto da instituição que participou na ditadura para lograr a total e definitiva condenação a todos pelo que são, genocidas.

Entrevista publicada no Jornal LA VERDAD OBRERA N°450, publicação do Partido dos Trabalhadores Socialistas - organização irmã da LER-QI na Argentina.

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