Quinta 16 de Maio de 2024

Internacional

ZANON: FÁBRICA SEM PATRÕES

ENTREVISTA COM RAUL GODOY

12 Feb 2009   |   comentários

É com este espírito que Raul Godoy chega ao Brasil como delegado da gestão operária de Zanón e do Sindicato Ceramista de Neuquén para participar e apoiar a campanha contra a demissão de Claudionor Brandão, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP) e dirigente da Liga Estratégia Revolucionária (LER-QI). Também aproveitará para difundir a campanha internacional pela expropriação definitiva de Zanón e em defesa da gestão operária. Nestes próximos dias, Godoy participará de várias atividades e debates com estudantes e trabalhadores em várias universidades e na Casa Socialista da Vila Madalena. Abaixo reproduzimos a entrevista que Raul Godoy cedeu a este Suplemento do Jornal Palavra Operária em seu primeiro dia no Brasil:

Palavra Operária: Você foi votado pelo Sindicato Ceramista de Neuquén para vir ao Brasil apoiar a campanha contra a demissão de Brandão...

Raul Godoy: Sim, consideramos a defesa do companheiro Brandão uma batalha muito importante a se dar, já que esta demissão contra um dirigente classista e com tradição de luta é um alerta a todos os trabalhadores e ao conjunto das organizações combativas que enfrentam as patronais e os governos. Com este ataque ao companheiro querem amedrontar e disciplinar os trabalhadores e as organizações para que aceitem passivamente a imposição das demissões e as retiradas de direitos. Isto é fundamental nesta situação de crise económica internacional, em que os grandes empresários e os governos tentam descarregá-la contra os trabalhadores com demissões e suspensões. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que 50 milhões de pessoas ficarão desempregadas em todo mundo em 2009. Por isso é importante defender cada posto de luta, cada posto de trabalho, frente a crise que se está desenvolvendo.
Nosso Sindicato Ceramista de Neuquén é um sindicato classista que considera que os trabalhadores não têm fronteiras. Portanto, este é nosso lugar de luta e viemos a dizer PRESENTE.

PO: A crise económica de 2001 na Argentina deu origem ao fenómeno de fábricas ocupadas, sendo Zanón seu principal símbolo. Hoje passamos por uma crise económica internacional, onde fábricas serão fechadas e dezenas de milhões de empregos deixarão de existir, qual o significado da luta de Zanón?

RG: A luta de Zanón foi uma resposta classista frente a uma crise capitalista que estourou em 2001 na Argentina com o fechamento de milhares de fábricas. Mas a primeira resposta massiva a deram os trabalhadores desempregados, organizando-se sob a reivindicação de TRABALHO PARA TODOS junto aos piqueteiros. E no interior das fábricas, o reflexo de milhões de companheiros sobre as ruas lutando por um subsídio, nos levou a tomar a decisão de dar uma luta dentro da fábrica, evitando o seu fechamento. Foi um processo que não fizemos sozinhos, senão que nos juntamos na luta com os companheiros desempregados que exigiam trabalho e com os estudantes que lutavam por seus direitos. Ou seja, foi uma luta que enfileirou a estes distintos setores ao redor dos operários de Zanón. Isso foi o que popularizou a consigna ZANON É DO POVO, APOIO AOS OPERÃ RIOS, que foi levantada por milhares nas ruas de Neuquén que viram em Zanón operários decididos por buscar uma resposta operária à crise.
Nossa luta nunca foi uma luta corporativa, senão que incorporamos as demandas de distintos setores como a dos companheiros desempregados que lutavam por trabalho, levantando a consigna: POR UM PLANO DE OBRAS PÚBLICAS QUE GERE TRABALHO GENUà NO E CONSTRUA AS MORADIAS PARA AS FAMà LIAS QUE VIVEM EM CASAS PRECà RIAS. Não só recebemos apoio, senão que compartilhamos uma luta comum. Com os estudantes e os professores universitários levantamos juntos a demanda de EDUCAÇÃO PÚBLICA, LAICA E GRATUITA que levou a firmar-se um convenio institucional de colaboração mútua para a gestão operária que estava nascendo. A tudo isso juntamos numa organização que foi a COORDENADORIA REGIONAL DO ALTO VALE, onde confluímos trabalhadores de fábricas, funcionários públicos, docentes, organizações de desempregados, estudantes e partidos de esquerda. Era uma frente única de organizações com um programa comum.

PO: Frente a esta descomunal crise onde se fala de milhões de desempregados, qual é o ensinamento que deixa Zanón?

RG: A experiência de nossa luta toma novamente vitalidade, atualizando-se frente a esta crise que é muito mais profunda que as anteriores. É um exemplo existente e concreto, que se pode seguir, de que os trabalhadores somos capazes de dar passos efetivos dentro de uma resposta de classe à crise. Obviamente a saída de fundo é uma luta muito maior e muito mais profunda, mas não deixa de ser um grande exemplo de que as fábricas sem os patrões funcionam e que os trabalhadores podem organizar as fábricas não a serviço do lucro capitalista e sim das necessidades de nossa classe e a serviço dos setores populares. Para isso, há que romper com o rotineirismo e com o longo legado de anos e anos de neoliberalismo que fragmentou a classe operária entre ocupados e desempregados, efetivos e contratados, de agencia, terceirizados, que a maioria das direções oficiais dos sindicatos as tem convertido em naturais, provocando em nossas próprias fileiras a diferenciação entre operários de primeira e segunda categoria e, inclusive, operários que nem sequer possuem representação. Dito isso, a unidade das fileiras operárias é o primeiro passo, mas não podemos reduzi-la ao interior da fábrica. Há que extende-la para a população. Os trabalhadores têm que conseguir que o conjunto dos setores populares vejam em nós que há uma alternativa e que estamos dispostos a lutar por ela, só assim conseguiremos um apoio efetivo. Está claro que isso não se faz da noite para o dia, mas justamente para levar uma luta séria e com possibilidades este trabalho começa no dia de hoje e esse deve ser nosso norte. Porque esta crise transborda todos os marcos do sindicalismo e os conflitos tradicionais. Aqui a crise não é de uma empresa ou duas e sim do capitalismo de conjunto e isto é o que os trabalhadores tem que enfrentar. O programa não está feito para os dias de festa nem para os atos do Primeiro de Maio ou para usá-lo como plataforma eleitoral, é uma ferramenta essencial para orientar os trabalhadores em suas sacrificadas e heróicas lutas cotidianas. Desde esse ponto de vista o Programa de Transição escrito por León Trotsky em 1938, mostrou toda sua vigência em Zanón e o volta a fazer hoje ante uma nova crise capitalista. Porque o programa não é uma elaboração saída de uma cabeça iluminada, senão que é a materialização da experiência histórica de 160 anos de luta da classe operária internacional, que não podemos subestimar.

PO: Dissemos na apresentação que além de ser dirigente de Zanón e do Sindicato Ceramista de Neuquén, tem uma militância partidária no PTS da Argentina, organização irmã da LER-QI. Como é a relação de sua militância partidária com a militância sindical?

RG: Não se pode separar uma militância da outra. Elas vão de mãos dadas. E para mim foi fundamental o aporte das idéias trotskista e revolucionárias no processo de luta que levamos adiante junto aos operários de Zanón. Uma das características da democracia direta em Zanón e no Sindicato Ceramista de Neuquén é a liberdade de tendências. Isso é fundamental porque faz a verdadeira democracia direta. E é um caminho que temos transitado durante quase dez anos, desde a recuperação da Comissão Interna, junto a companheiros independentes e que nos últimos anos se incorporaram companheiros de outras correntes políticas.

PO: Quais foram os aportes do PTS em Zanon?

RG: Em primeiro lugar, o programa. Mas também foi fundamental a militância que o PTS levou para acompanhar e ser parte de todo o processo de Zanón. Seu papel na difusão em todas as estruturas de militância e em outras fábricas, não somente em todos os cantos do país como também internacionalmente a partir da FT, nossa experiência de luta e organização, suas conclusões, além de desenvolver todas as atividades solidárias. Estamos orgulhosos também, como parte deste processo, de haver colaborado para formar uma nova camada de dirigentes que despertam à vida política lutando por seus direitos e hoje abraçam a causa da revolução.

PO: Gostaria de acrescentar alguma coisa?

RG: Temos que nos preparar para respostas profundas. Já não se trata de um ataque pontual ou de uma reivindicação individual, se trata de uma crise que afetou o conjunto do povo oprimido. Lamentavelmente as burocracias sindicais nos entregam atados de pés e mão em cada negociação. As patronais avançam e os trabalhadores não podemos dar respostas de conjunto porque as burocracias nos dividem ou nos fazem lutar por programas burgueses, apoiando a setores e planos patronais. Por isso é fundamental lutar por um programa operário independente das patronais e dos governos. Impor nosso próprio método e nosso próprio programa. Considero fundamental a coordenação dos distintos setores de base e mandatos de assembléia. Nós trabalhadores temos que ser conscientes das forças que temos e recuperar a confiança nelas. Ser conscientes que somos a classe que move o país e gera todas as riquezas. Mas temos que superar os marcos das estruturas sindicais que permanecem impotentes frente uma crise desta magnitude.

Em definitivo, esta crise económica internacional, deixa as claras que o que não vai mais é o capitalismo. Não há saída possível, nem reforma possível dentro dos marcos deste sistema. Por isso os trabalhadores devemos abraçar as idéias que apontam a terminar com as causas profundas de nossas misérias e impor com a luta nosso próprio governo. E para isso necessitamos nos dotar de uma ferramenta que é um partido revolucionário de nossa classe.

Raul Godoy é dirigente de Zanón e do Sindicato Ceramista de Neuquén (Argentina), e dirigente do PTS da Argentina, organização irmã da LER-QI

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