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Nacional

Crise do "neoliberalismo lulista"

25 Aug 2005 | Em menos de um mês, caíram alguns dos principais ministros de Lula – entre os quais está seu histórico braço direito José Dirceu –, foram destituídos de seus cargos os principais dirigentes da cúpula do PT e o Presidente da CUT assumiu o cargo de Ministro do Trabalho. Recentemente, renunciou a seu mandato no parlamento o Presidente do PL de José Alencar, e até agora ninguém pode prever os desdobramentos da crise, sendo que a popularidade de Lula recentemente começou a cair nas pesquisas. Ao mesmo tempo, Lula e o governo seguem com uma alta aprovação popular e predomina a passividade na classe trabalhadora e no povo pobre da cidade e do campo. Para analisar a complexidade da crise que está em curso no Brasil, é necessário buscar o que está por trás dos escândalos de corrupção, ainda que estes sejam os principais detonadores e catalisadores do processo e estejam permanentemente atribuindo a ele uma dinâmica indefinida. É necessário buscar essas explicações nos elementos mais estruturais – tanto de caráter econômico como político – que levaram Lula e o PT ao governo do país e que continuam atuando no cenário nacional.   |   comentários

Uma expressão das crises da hegemonia neoliberal na América Latina

Durante os oito anos do governo FHC, por diversas vezes vieram à tona escândalos de corrupção, como por exemplo em torno às trocas de favores que permearam as privatizações ou na votacao da lei que permitiu a reeleição para presidente en 1998. Mas neste momento a aliança de partidos que compunha o governo (PSDB-PFL-PMDB) estava assentada sobre o mini-boom da economia norte-americana de meados da década de 1990 e nos êxitos dos primeiros anos do Plano Real. Isto garantiu ao capital financeiro internacional o controle dos conflitos entre as distintas frações da burguesia e uma ampla base de sustentação no Congresso.

Entretanto, com as crises económicas que atingiram os países asiáticos a partir de 1997, o default russo e a recessão nos EUA de 2000 a 2002, desagregou-se o bloco que girava em torno de FHC. A primeira demonstração mais evidente dessa desagregação se deu quando este bloco nao foi capaz de acordar uma candidatura comum para a sucessão presidencial de 2002.

As crises da hegemonia neoliberal têm sido um aspecto comum a distintos países da região, como pudemos observar na Argentina em 2001, quando o vice-presidente Chacho Alvares renuncia por escândalos de corrupção envolvendo a implementação da reforma trabalhista nesse país e quando as disputas entre as distintas frações burguesas ao redor de uma saída para a depressão económica se polarizam.

Desde que chegou ao governo, Lula, de forma ainda mais intensa do que FHC, para atrair o capital financeiro internacional, tem implementado brutais ajustes fiscais, ajustes monetários e reformas constitucionais extremamente anti-populares.

Ao manter as taxas de juros mais altas do mundo, ao cortar cada vez mais as verbas para infra-estrutura e gastos sociais como educação, saúde ou reforma agrária, ao implementar ataques como as refomas da previdência ou trabalhista, Lula tem menos capacidade para administrar as crises que se desenvolvem nas “alturas” , com uma base de sustentação no Congresso relativamente mais débil do que a que sempre teve FHC, e aponta para fortes en-frentamentos com sua base social de sustentação na classe operária e nos movimentos populares.

As contradições do transformismo petista

O transformismo é um conceito que o marxismo utiliza para explicar o processo de assimilação de direções das classes subalternas pelas classes dominantes. O PT, na medida em que surgiu do ascenso operário da década de 1980 ’ o principal de toda a história da classe trabalhadora brasileira ’ é uma importante expressão deste fenómeno.

Desde que Lula assumiu o governo em 2002, o PT deixou de ser a ala esquerda do regime de domínio e passou a ser o principal implementador e garantidor dos planos neoliberais. Ao fazer isto, assumiu todas as conseqüências não só das medidas anti-populares e entreguistas, mas também da administração do complexo esquema de corrupção mafiosa com o qual funciona o regime político brasileiro.

Mas o envolvimento explícito do PT em milionários esquemas de corrupção tem significado uma sacudida histórica na relação deste partido com as massas, pois caiu a máscara “ética e moral” que era uma de suas principais bandeiras.

Entre os pilares de sustentação do PT, o que se mantém forte é o poder de contenção da luta de classes que exerce através da relação orgânica que tem com as direções das principais organizações do movimento de massas. As direções da CUT, do MST e da UNE, com sua política de “pressionar o governo para que vá a esquerda” , têm impedido um ascenso de massas generalizado contra os ataques neoliberais e a corrupção do governo Lula.

Entretanto, a gravidade da atual crise política, combinada com as características cada vez mais direitistas do governo, tem desenvolvido novas e fortes contradições para estas direções, agravadas pela integração do presidente da CUT, Luís Marinho, ao Ministério do Trabalho.

A eleição de Lula em 2002 expressou um giro à esquerda das massas em relação à ofensiva neoliberal da década de 1990. Desde então, esse giro nao se reverteu, mas está contido pelas ilusões e expectativas depositadas em Lula. Para defender o governo, as direcões petistas são obrigadas a levar em consideração essa psicologia das massas no seu discurso. Por isso inventaram a conspiraçao de um golpe de direita inexistente contra o governo, e exigem que Lula deixe de ser neoliberal. Essa política tem se mostrado eficaz no imediato, mas estrategicamente apresenta fortes contradições, pois cria um clima de enfrentamento de classes antagónico à estratégia historicamente conciliadora do PT e entra em confronto com o giro à direita que Lula está dando para responder à crise, acelerando a experiência das massas com suas direções.

Os processos de reorganização política e sindical que vinham se desenvolvendo desde que Lula e o PT se converteram ao neoliberalismo podem dar um novo salto no próximo período, com uma nova onda de rupturas com o PT que tende a ocorrer logo após as eleições internas para os cargos diretivos desse partido em 18 de setembro, além de uma grande discussão que atravessa a CUT e que abre a possibilidade da ruptura de um novo setor da ala esquerda da central.

O ciclo precário de crescimento económico

Aparentemente, não existe uma relação mais direta entre a atual crise política e a economia, pois esta última não sofreu mudanças abruptas com os recentes acontecimentos. Pelo contrário, enquanto a crise se agrava, a economia continua expressando vários indicadores positivos, ainda que a vinda do Secretário do Tesouro norte-americano John Snow ao Brasil e as recentes análises dos organismos financeiros no meio da crise demonstre preocupação do imperialismo com relação às perspectivas futuras e pode estar antecipando um declínio do fluxo de capitais internacionais para o país a médio e longo prazo.

A manutenção dos indicadores económicos positivos conjulturalmente tem ajudado o governo a administrar os conflitos com os sectores descontentes da burguesia e alimentar as ilusões de mudanças nas classes subalternas. Entretanto, o cenário internacional que foi a base para o ciclo de recuperação atual começa a mostrar sinais de mudança. Os EUA aumentam suas taxas de juros para conter sua inflação, o que tende a diminuir o fluxo de capitais internacionais para o país. E a forçada valorização do real com relação ao dólar, o aumento dos custos dos insumos e pesticidas agrícolas e as secas nas regiões sul e centro-oeste do país, que atingem os principais produtos da pauta de exportações, tendem a alterar a dinâmica destas.

No marco deste ciclo precário de recuperaçao económica vivido desde 2004, o governo em nada conseguiu diminuir a dívida pública do país. Pelo contrário, esta dívida vem crescendo apesar dos sucessivos pagamentos de juros e amortizações. Este fator coloca concretamente a possibilidade de que, na medida em que se revertam as condições económicas internacionais que hoje sustentam o ciclo de crescimento, esteja colocado novamente um cenário de crise como o que tomou conta da economia em 2002 e 2003.

Caráter da crise e situação da luta de classes

Foram contradições de caráter mais estrutural, em vários aspectos semelhantes às que se desenvolvem no Brasil nos últimos anos, que fizeram vir à tona uma crise orgânica na Argentina en 2001, ou também em outros países da região, como Bolívia e Equador.

Crise orgânica é um conceito utilizado pelos marxistas para expressar a existência de uma desigualdade entre a dinâmica de crises entre as frações burguesas e o funcionamento das instituições do regime de domínio, por um lado e, por outro lado, a dinâmica da luta de classes, o grau de organização e a subjetividade das classes subalternas. Ou seja, que existe uma crise de hegemonia nas classes dominantes, motorizada pelas contradições mais estruturais tanto no ámbito da economia como no âmbito da política e na psicología das massas, mas que não existe uma situação revolucionária motorizada pela radicalização política do movimento de massas.

Porém, no Brasil nao se desenvolveu uma crise orgânica aberta como na Argentina, Bolívia ou Equador, e nem tampouco abriram-se aqui situações revolucionárias como as que estes países viveram nos últimos anos. O que tem impedido que venha à tona no Brasil uma crise deste tipo é o transformismo petista, que tem outorgado ao PT um papel de contenção e administração das contradições mais estruturais do desgaste da ofensiva neoliberal.

Neste sentido, a crise de hegemonia no Brasil nao é aberta, explícita, em pleno desenvolvimento, e sim está contida, sufocada pelo governo petista, e por isto se expressa de forma distorcida na queda de alguns dos ministros mais próximos de Lula e da cúpula do PT, ao mesmo tempo em que o governo e principalmente Lula mantêm uma enorme popularidade e a economía expressa importantes indicadores positivos. Isto é o que explica como uma crise da magnitude da que está em curso no Brasil, sobre a qual dificilmente podemos definir como terminará, desenvolva-se sem radicalizaçao política ou ações independentes do movimento de massas. Ou seja, é uma crise orgânica latente combinada com uma situação não revolucionária.

Entretanto, o PT está sendo brutalmente corroído na execução deste papel. Este acelerado desgaste do PT é o que estabelece uma ponte de ligação entre as crises “nas alturas” e a passividade “dos de baixo” , pois enquanto no imediato define uma situação não revolucionária, estrategicamente aponta para fenómenos superiores da luta de classes, ainda que os indicadores que temos até agora não nos permitam identificar os ritmos em que se dará este processo.

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