Quarta 1 de Maio de 2024

Internacional

Bolívia: a guerra do estanho em Huanuni

10 Oct 2006   |   comentários

A partir do dia 05 de outubro os mineiros estatais do estanho de Huanuni ’ próximo à cidade de Oruro ’ resistiram e derrotaram depois de dois dias de violentíssimos enfrentamentos a provocação montada pelos cooperativistas mineiros (privados). Esta agressão foi alentada pelo governo de Evo Morales (MAS) pelo então Ministro da Mineração Walter Villarroel, ele mesmo dirigente e empresário-cooperativista mineiro.

O objetivo dos cooperativistas era se apoderar do Posokoni e de parte das instalações da Empresa Minera Huanuni que está sob controle da entidade estatal COMIBOL (Corporación Minera de Bolívia). O propósito dos cooperativistas está mais que claro: passar a mãos privadas a jazida de estanho mais rica do país, apagar do mapa a existência de controle social dos mineiros de Huanuni, e assegurar-se de que o Estado não volte a exercer a exploração da mineração.

O saldo final da chamada “guerra do estanho” , segundo distintos meios, é de centenas de casas destruídas, 20 mortos, mais de meia centena de feridos e graves danos à infra-estrutura da mina.

A motivação desta agressão dos cooperativistas é que dias atrás os mineiros de Huanuni junto a setores de desempregados e camponeses, através de sua luta haviam conseguido impor ao governo do MAS um convênio que entre outros pontos incluía a criação de 1500 postos de trabalho na mina para os desempregados da região, e o compromisso de financiamento por parte do Estado para o desenvolvimento deste projeto; em momentos que o preço do estanho no mercado internacional encontra-se numa importante alta.

Este triunfo foi possível graças à aliança operário-camponesa em nível local, e pós um limite à ofensiva que os cooperativistas mineiros ’ alentados pelo governo ’ vinham desferindo contra setores mineiros de propriedade estatal como Caracoles e Colquiri.

Ao mesmo tempo, este triunfo se opunha à política do governo de Evo Morales que enche a boca falando de “nacionalização” e “recuperação” dos recursos naturais, enquanto no campo da mineração sustenta uma política privatista e de aliança com as transnacionais como se mostra com as tentativas de licitação para a exploração do ferro e magnésio do monte El Mutún em Santa Cruz; que segundo distintos estudos representa a maior reserva mundial destes minerais.

O convênio conquistado pelos mineiros e a comunidade de Huanuni mostrava o caminho para lutar por uma verdadeira nacionalização da mineração e lhe dar uma saída de fundo ao problema do desemprego.

É por isso que os mineiros assalariados têm conseguido a solidariedade não só da sua comunidade, como também de outros trabalhadores mineiros, estudantes e setores populares de Oruro. A Central Obrera Boliviana (COB) marchou pelas ruas de La Paz em solidariedade com Huanuni e suas demandas.

É neste marco que os empresários disfarçados de “cooperativistas” e o governo alentaram e usaram como “bucha de canhão” os setores mais baixos e pobres dos cooperativistas para montar a sua agressão e, além de tentar se apoderar das instalações da mina, impor uma dura derrota àqueles que sem sombra de dúvidas são alguns dos setores operários mais avançados da Bolívia, como são os mineiros de Huanuni.

Nacionalização

Os trabalhadores de Huanuni têm marcado o caminho não só para defender e desenvolver esta empresa hoje nacionalizada, senão para refundar a COMIBOL e nacionalizar toda a indústria mineira, pondo assim ao serviço da industrialização e os interesses dos trabalhadores e do povo os grandes recursos minerais da Bolívia. É necessário desenvolver até o final a luta pela administração direta dos trabalhadores, sob controle da assembléia e com representantes revogáveis de acordo com a decisão da mesma.

A indústria mineira nacionalizada manejaria o monopólio da comercialização e exportação de minerais, o que permitiria reativa rapidamente a COMIBOL e liberaria os pequenos mineiros e cooperativistas pobres do controle dos bancos e das grandes empresas. Um plano assim asseguraria trabalho genuíno para todos, assim como a exploração racional e planificada dos recursos minerais em interesse da classe trabalhadora e do povo. Permitiria também dotar de assistência técnica e os cooperativistas humildes, que trabalham por conta própria, que verão suas necessidades básicas satisfeitas e os que se oferecerá a oportunidade de se somarem voluntariamente à produção nacionalizada, como trabalhadores e técnicos em melhores condições de trabalho e de vida do que contam hoje.

Evo se desgasta ante as massas e começa a perder aliados

Apesar dos gestos e discursos populistas, as medidas do governo de Evo Morales têm buscado ganhar a confiança da classe dominante, canalizando as expectativas populares a uma Constituinte pactuada com a direita, como mostrou a discussão do regulamente onde os “cívicos” terminaram impondo muitas de suas demandas. Por outro lado, a “nacionalização” dos hidrocarbonetos terminou se diluindo ante a resistência das petroleiras, enquanto a lei de terras não avança. A “política de autocontrole” do cultivo de coca já custou três mortos em Yungas e Vandiola.

Ante este cenário o governo se desgasta frente as massas e começa a perder aliados e sustentação pela direita (como os cooperativistas) e pela esquerda (entre setores de trabalhadores). Frente ao giro direitista do governo, os operários de Huanuni mostram outro caminho.

(As grandes mobilizações do dia 10 de outubro em La Paz e Oruro, encabeçadas pela COB, as CODes (Central Obrera Departamental) e os mineiros, ratificaram sua solidariedade com os mineiros de Huanuni. Mas mostraram algo mais: que um importante setor de trabalhadores pode fazer uma rápida experiência com as promessas reformistas do MAS, e girar à esquerda, remarcando o caminho que se abriu há três anos com o heróico levantamento de outubro.

Para entender melhor

Cooperativistas: existem na Bolívia 524 cooperativas com cerca de 63.000 afiliados. Estão agrupadas na Federación Nacional de Cooperativistas Mineras (Fencomin). Deste agrupamento era sócio principal o agora ex ministro da mineração Villarroel quem deu seu apoio a Evo Morales nas últimas eleições em troca de benefícios para seu setor. Antes este setor havia apoiado os ex-presidentes Sánchez de Loasada e Carlos Mesa. A camada dirigente de FENCOMIN está formada por pequenos e médios empresários que exploram a assalariados e estão ligados por múltiplos laços ao grande capital nacional e às transnacionais mineiras. Um dos impulsos para o crescimento quantitativo das cooperativas mineiras foi a implementação do Decreto Supremo 21060 em 1985, com o qual se inaugurou a política neoliberal na Bolívia, através do qual cerca de 20 mil mineiros que trabalham para o Estado perderam suas fontes de emprego.

Mineiros assalariados de Huanuni: em meados de 2002 os mineiros de Huanuni apoiados pelo povo de Oruro mediante paralisações cívicas, marchas e bloqueios conseguiram colocar a empresa sob controle e administração da entidade estatal COMIBOL contra as tentativas da transnacional inglesa Allied Deals de quebra-la de maneira fraudulenta. Os trabalhadores mineiros do distrito tiveram uma importante presença no levantamento de Outubro de 2003. Pelo seu papel político representam no imaginário social a tradição de luta dos mineiros bolivianos.

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

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