Segunda 6 de Maio de 2024

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Argentina e Bolívia

05 Jan 2011   |   comentários

Os jornais deram “boas vindas” a 2011 inundando suas páginas com balanços e perspectivas muito previsíveis. A imprensa oficialista fanática festejando as “conquistas” da gestão kirchnerista e colocando o dedo na ferida na debilidade e fragmentação dos partidos da oposição burguesa. De outro lado, Clarín e La Nación jogando faísca na divisão das fileiras kirchneristas, ressaltando as aspirações de Scioli (o mais pejotista dos “K”) à presidência e lançando dúvidas sobre se novo Secretário de Meio Ambiente, e indescritível Juan José Mussi, será eficaz para manter poder dos prefeitos frente ao poderoso chefe de Buenos Aires (Macri). Ambos setores concordam que o direitista Mauricio Macri, ainda aliado do Peronismo Federal, seria um dos que mais pode se alçar para enfrentar Cristina Kirchner nos próximos comícios. Por outro lado, a aliança entre o radicalismo alfonsinista e os socialistas de Binner é a outra “opção” posicionada para competir na disputa presidencial.

Porém, muitos poucos levaram em conta os recentes acontecimentos na Bolívia para refletir sobre as contradições e o “fim de ciclo” dos governos progressistas, que tem o kirchnerismo como um de seus expoentes. Toda a atenção midiática mirou ao Brasil e a posse de Dilma Roussef como “a meca” que se aspiraria. Brasil representa de algum modo o que o establishment quer de CFK: “um governo mais institucional”, um governo burguês “normal”. Porém, a cada vez mais patente possibilidade de desvalorização do Real, mais que um alicerce à “normalização burguesa” do gobierno de CFK, abre um panorama de complicações para a economia local que pode conspirar contra o otimismo do crescimento argentino.

O que mostra a Bolivia?

O “gasolinazo” neoliberal que Evo Morales pretendia descarregar sobre o movimento de massas foi impedido por una formidável reação operária, camponesa e popular que em dois dias tomou as ruas e ameaçou repetir os cenários de insurgência de um passado ainda recente e incluiu, ainda, o enfrentamento aberto com as “obedientes” direções vendidas dos sindicatos e dos “movimentos sociais”.
“Morte ao gasoLINERAzo”, gritou o povo inflamado, fazendo um jogo de palavras denunciando um dos promotores do ajuste: o vice presidente Álvaro García Linera. E Evo Morales teve que retroceder frente à ação de massas, que marcou um limite claro a seu giro à direita.

É evidente que Bolívia está em um novo período político onde as ilusões populares no “governo dos movimentos sociais” estão questionadas. Ficou claro que a nação explorada e oprimida não está disposta a permitir que “coloquem a mão em seu bolso”. Como resposta, Evo Morales tenta se relocalizar com o lema zapatista de “mandar obedecendo”, e o vice presidente trata de explicar a obrigada retirada do “gasolinerazo” como resultado de “escutar o povo”, quando apenas alguns dias antes acusava a emergência dos explorados de ser funcional à direita. Um argumento utilizado quase ao mesmo tempo pelo kirchnerismo para insultar os trabalhadores imigrantes sem teto, os terceirizados e a militância trotskista.

Os governos do “desvio”

Os acontecimentos na Bolívia ajudam a pensar a dinâmica da situação política da Argentina. Tanto o governo “K” que chegou ao poder em 2003, como o que ocupou o “Palacio Quemado” logo das eleições de dezembro de 2005 na Bolívia, tiveram que avaliar a correlação de forças que as massas populares haviam deixado sobre grandes rebeliões. O desvio das forças sociais que terminaram com o domínio das políticas abertamente neoliberais foi concretizado por promessas de reformas democráticas e sociais e a cooptacão de dirigentes populares que permitiram passivizar o movimento de massas. Precisamente quando o establishment fala em imitar o “progressismo” brasileiro, esquece que nesse país não houve rebelião popular e a direção sindical da CUT pode ser cooptada ao programa do “progresismo” continuísta de Lula, enquanto que na Argentina –e na Bolívia- as direções sindicais e dos movimentos sociais foram obrigadas a cumprir um papel de “contenção”, o que explica seu excessivo peso (a contragosto dos capitalistas) na política nacional.

Na Bolívia, as reformas constitucionais permitiram reestabelecer o velho regime da “democracia pactada” e os partidos neoliberais – demolido pelos levantamentos de massas de 2003-2005- e almejar um Estado Plurinacional e a pseudo nacionalização dos recursos energéticos. Na Argentina o kirchnerismo resgatou o PJ como baluarte do velho regime de partidos e a burocracia sindical como base de contenção dos trabalhadores. A fortaleza relativa do kirchnerismo se baseou, mais que em tomar medidas de caráter estrutural, em aproveitar a conjuntura econômica favorável para alentar o consumo das classes médias , conceder paritárias e aumentos salariais controlados para os trabalhadores sindicalizados “em branco”, condenação a conta gotas a alguns genocidas e garantir às grandes patronais suas ganâncias extraordinárias e o status quo dos anos 90 em relação à precarização das condições de trabalho da classe trabalhadora.

As contradições estruturais afloram

Tanto o governo Kirchner como o de Evo tiveram como norte la reconstrução de uma burguesia nacional. No entanto, a penetração do capital extrangeiro na Argentina se deu de forma mais intensa, e na Bolívia a “nacionalização inteligente” resultou ser uma associação entre o Estado e as multinacionais petroleiras que acaba de demonstrar seu rotundo fracasso.

Ambos governos foram incapazes de dar respostas aos problemas estruturais a que são submetidos nossos povos e que demandam romper com a opressão imperialista, terminar com a expoliação dos recursos naturais e derrotar aos latifundiários e a grande burguesia agrária. Na Argentina acaba de ser denunciada a utilização de mão de obra escrava por parte da multinacional Nidera em San Pedro. É a forma aberrante com a qual as grandes patronais se beneficiam das vantagens competitivas de precarização e trabalho informal do modelo “K”.

Essas contradições estruturais afloram por duas razões. Na Bolívia, a queda da produção petroleira produto da falta de investimento dos “sócios” transnacionais do Estado plurinacional, colocou em evidência o fracasso da política de associação com o capital extrangeiro; e na Argentina pois o avanço dos setores mais explorados e oprimidos da classe trabalhadora e do povo pobre se atreveram à ação direta para fazer públicas suas demandas, como o direito à moradia que, por seu caráter estrutural, questionam o conjunto de tal “modelo”.

O governo Kirchner e a agenda da direita

O assassinato de Mariano Ferreyra pelas mãos de “bate-paus” da burocracia da União Ferroviária mostrou que o “modelo K” se baseia em que a milhões de trabalhadores são negados seus direitos trabalhistas mínimos: recebem a metade que seus companheiros efetivos e não podem nem se sindicalizar, para além de que, para garantir esta condição a milhares de trabalhadores, o governo e as patronais são abrigados a recorrer a uma burocracia empresarial e corrompida. Em Formosa a polícia provincial, junto a jagunços de latifundiários, assassinou dois integrantes da comunidade gom: Roberto López y Sixto Gómez. Assim ficou clara a falsa oposição do governo “nacional e popular” com a burguesia sojera e sua aliança com os barões feudais do peronismo provincial como Gildo Insfrán.

Poucos dias depois, a ocupação do Parque Indoamericano por parte de trabalhadores nativos e imigrantes sem teto levou ao assassinato, por parte do operativo conjunto da Federal e da Metropolitana, de Bernardo Salgueiro y Rosmary Chura Puña, deixando clara a cumplicidade do kirchnerismo com as máfias da Polícia Federal e que a cooptação da Associação das Mães da Praça de Maio transformou este símbolo de luta contra o genocídio em um gestor de projetos imobiliários a serviço do oficialismo.

A resultante frente à emergência desses setores mais explorados é a decisão do governo de Cristina Kirchner de tomar a agenda de segurança e restituição da ordem pública que exige a burguesia e que agita como bandeira própria a direita reacionária. A criação do Ministério de Segurança para responder… ao problema de moradia é uma versão “progre” desta ordem do dia.

Àqueles que acusam aos explorados e à extrema esquerda de serem funcionais à “razão golpista” (Horacio González dixit), para cobrir o giro à direita do governo, vale esclarecer que o assassinato dos lutadores, a perseguição a ativistas, a prisão de Roberto Martino, a condenação à ação direta e a mobilização popular são produtos genuíno deste governo “progressista”.

Desde o PTS chamamos a estender e desenvolver cada vez mais a organização do sindicalismo de base classista como fazemos na Kraft, em Zanon e em muitas outras fábricas, entre os trabalhadores terceirizados ferroviários, para expulsar a burocracia dos sindicatos e transformá-los em organizações de luta dos trabalhadores. Chamamos os setores mais avançados da classe operária e da juventude a defender ativamente os sem teto, como mostramos marchando até Soldati para repudiar a ação de bandas fascistas e a militarização da polícia kirchnerista. Nos propomos a organizar um poderoso partido revolucionário da classe operária, que lute contra os governos capitalistas (sejam “progressistas” ou reacionários), na perspectiva de um governo das maiorias exploradas, um governo dos trabalhadores e do povo pobre.

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