Segunda 29 de Abril de 2024

Internacional

ESTADOS UNIDOS

Ao fim da era Bush

02 Jun 2008   |   comentários

Com apenas três estados pendentes para
realizar suas eleições primárias ’ Dakota do
Sul, Montana e Puerto Rico ’ a corrida
presidencial do Partido Democrata parece
ter se definido a favor de Barack Obama.
Até o momento conseguiu a maioria dos
delegados nas eleições primárias e caucus,
e também dos chamados “super-delegados”
’ senadores, ex-presidentes, e figuras do
establishment do partido que têm poder de
veto sobre o “voto popular” e que compõem
aproximadamente 20% da Convenção
democrata que nomeará a fórmula
presidencial.

Apesar de haver uma forte campanha
para que Hillary Clinton se retire da corrida,
já que se aprofunda a divisão interna do
Partido Democrata, a senadora por Nova
York se nega a renunciar a sua candidatura.
Segundo a maioria dos analistas, as razões
de Hillary seriam ganhar o “voto popular”
nas três primárias que restam e estar melhor
posicionada como a única candidata que
pode ganhar a eleição de novembro frente
ao republicano John McCain, e conservar a
cota de poder dentro do partido que
compartilha com seu marido, o expresidente
Bill Clinton, e ficar como uma
carta de reserva no caso de uma possível
presidência de Obama.

Já o candidato oficialista John McCain
não conseguiu até agora reverter a sensação
de necessidade de mudança após 8 anos de
poder republicano. Sua campanha carrega a
herança da decadência da presidência de
Bush. Segundo as últimas pesquisas do
Gallup cerca de 67% de norte-americanos
desaprovam o presidente Bush. Quando a
medição é por partidos, só 33% têm uma
visão favorável do Partido Republicano,
contra 52% que são simpáticos ao Partido
Democrata (CBS News, 28 de abril de
2008). Estas cifras são as mais baixas para
um presidente desde que Richard Nixon
teve que renunciar em 1974 em meio ao
escândalo de Watergate [1].

É muito cedo para descartar queMcCain
consiga o apoio eleitoral dos setores mais
conservadores dos democratas, os que em
1980 deram o triunfo a Reagan. Porém, a
vitória republicana parece cada vez menos
provável. Enquanto que nos países da União
Européia a direita conservadora ganhou 9
das últimas 10 eleições, tudo indicaria que
os EUA estariam expressando uma
tendência inversa, empurrada pelos
sintomas do início da recessão económica,
o desastre das guerras do Iraque e do
Afeganistão e a desilusão com as políticas
dos neoconservadores. Esta expectativa de
mudança alimenta a ilusão de que um
governo democrata possa devolver algo da
ajuda estatal aos setores sociais mais
vulneráveis e terminar com a sangria da
ocupação do Iraque.

Bush e a decadência do império

O certo é que qualquer um que vença as
eleições presidenciais terá que lidar com
uma pesada herança. No terreno interno o
estouro da bolha imobiliária e a recessão
económica estão levando a que os norteamericanos
percam suas casas, empregos,
consumo, e mesmo à pobreza.
No plano externo, a deterioração da
posição norte-americana no mundo parece
não ter fim: a guerra do Iraque e do
Afeganistão, a crise no Oriente Médio, a
subida dos preços de petróleo e a
emergência de atores regionais que
desafiam o domínio norte-americano, são os
signos que tem levado um setor importante
do establishment político a apoiar Obama
como expressão de mudança.

A estratégia neoconservadora de
conquistar um “novo século americano”
através da guerra preventiva e o
unilateralismo fracassou completamente. A
guerra e a ocupação do Iraque que
redesenharia o mapa do Oriente Médio em
favor dos interesses dos EUAe seus aliados,
principalmente o Estado de Israel, teve
conseqüências desastrosas, debilitando
ainda mais sua posição no mundo. Ao
contrário do efeito buscado, fortaleceu um
dos principais inimigos dos EUAna região,
o regime teocrático do Irã, que se tornou
uma peça chave para manter a estabilidade
no Iraque. A invasão a outros povos e a
política imperialista agressiva levou o anti
norteamericanismo a seus pontos mais atos
não só no Oriente Médio, como também na
América Latina.

A volta ao “multilateralismo” ?

As usinas ideológicas do imperialismo
discutem publicamente se haveria chegado
ao fim da “era norte-americana” . Neste
sentido, Richard Haas, diretor do Council on
Foreign Relations num artigo publicado na
revista Foreign Affairs, coloca que o
“momento unipolar” do domínio inquestionável
foi um breve tempo histórico de não
mais de 15 anos que ficou para trás e que o
mundo se dirige claramente a um sistema
“não polar” , no qual os Estados Unidos já
não têm força para dirigir e controlar as
entidades estatais e não-estatais entre as que
se distribuiu o poder mundial. Segundo esta
influente figura da política exterior, ainda
que os Estados Unidos conserve certa
fortaleza ’ ser a maior economia nacional
do mundo, contar com o orçamento militar
mais elevado, e ser o principal centro de
poder ’ isso “não deveria ocultar a
declinação relativa da posição dos Estados
Unidos no mundo e junto com a sua
declinação relativa no poder, uma
declinação absoluta em sua influência e
independência” . Esta declinação tem sua
base no retrocesso não só político como do
peso económico dos Estados Unidos. Como
coloca Haas “Aporção norte-americana nas
importações globais caiu a 15%. Ainda que
o PIB norte-americano represente mais de
25% do total mundial, esta porcentagem
declinará no tempo dada a diferença real e
projetada da taxa de crescimento dos
Estados Unidos e dos gigantes asiáticos e
outros países, grande parte dos quais está
crescendo a uma taxa duas ou três vezes
maior que a dos Estados Unidos” . A isso se
somariam outros indícios de perda de
domínio económico, como por exemplo “o
incremento dos fundos soberanos de países
como China, Kuwait, Rússia, Arábia
Saudita e os Emirados à rabes Unidos” e a
“debilidade do dólar contra o euro e a libra
britânica” [2].

Esta “não polaridade” se expressa na
emergência de novos atores e potências
regionais que têm maior margem de
manobra política e se opõem abertamente a
Bush, como por exemplo Hugo Chávez na
América Latina, ou Putin na Rússia e sua
zona de influência, além do Irã. O fracasso
neoconservador explica que grande parte
da classe dominante e da elite política
apóie Obama em uma tentativa de mudar o
rosto dos EUA no mundo e recuperar o
terreno perdido em base a uma estratégia
“multi-lateral” .

Não casualmente entre seus assessores
de política internacional se encontra o ex-
Assessor de Segurança Nacional do presidente
Jimmy Carter, Zbigniew Brezinski.
Isso tem distintas leituras. Ainda que a
situação não seja comparável com a derrota
norte-americana na guerra do Vietnã que
marcou a presidência de Carter, é evidente
que se espera que a próxima presidência
administre uma herança muito difícil e
enfrente desafios importantes. Por sua vez,
indica que se espera uma mudança de
política que permita ganhar aliados para
uma saída mais decorosa do Iraque,
desativar alguns conflitos agudos no Oriente
Médio, recuperar protagonismo naAmérica
Latina e por esta via recriar as condições
favoráveis ao domínio norte-americano.

A visita do ex-presidente Carter aos
territórios ocupados e sua reunião com
dirigentes do Hamas foram interpretados
como mostra do que seria uma nova política
exterior. No mesmo sentido vão as
declarações de Obama de que se fosse eleito
presidente mudaria a política para Cuba,
flexibilizando o bloqueio, teria uma linha de
negociação com o regime iraniano e uma
política de diálogo com Hugo Chávez, entre
outras.

Porém, não está garantido nem que os
EUA consigam uma cooperação maior de
outras potências, principalmente da União
Européia, em temas conflitivos que
requeiram um maior compromisso militar ou
que estalem contradições económicos
importantes entre as potências imperialistas,
pondo limites nesta
mudança multilateralista.

Recessão e “pseudo-populismo”

Ainda que possam passar alguns meses
até que se anuncie oficialmente, ninguém
põem em dúvida que a economia norteamericana
está em recessão. Com a crise das
hipotecas em cidades majoritariamente
operárias como Detroit, milhares já tiveram
que abandonar suas moradias. Para o ano de
2009 se estima que 2 milhões de famílias
perderão suas casas.

Da quebra de bancos e do mercado
imobiliário, a crise já golpeia o mercado de
trabalho. Até o momento a taxa de
desemprego subiu de 4,4% em março de
2007 a 5,1% em março de 2008.

O salário real caiu entre 0,7 e 1% em
abril, o sétimo mês consecutivo em que o
salário é superado pela inflação [3]. A queda
maior é no salário semanal, dado que as
patronais vêm cortando as horas de trabalho.
Segundo um informe do Departamento de
Trabalho, citado pelo jornal The New York
Times em março deste ano havia ao redor de
5 milhões de trabalhadores em condições de
emprego de meio-período, seja porque não
conseguem trabalho em tempo integral ou
porque as empresas decidiram cortar o
horário e o salário. O informe assinala que
“a última vez que este índice avançou em
um terreno negativo foi em fevereiro de
2001, quando a economia estava às portas
da recessão. Uma queda similar se deu em
agosto de 1990, um mês antes do que se
demonstrou como uma desaceleração ainda
mais severa” [4].

Frente a estes democratas, primeiro
Clinton e em seguida Obama, adotaram um
programa para atrair o voto operário e dos
setores de menor renda. Isso, como a revisão
parcial dos tratados de livre comércio, são
algumas das medidas que apareceram na
campanha para disputar o voto dos
trabalhadores. Inclusive Obama fez estes
anúncios na porta da fábrica GeneralMotors
em Janesville, ante uma importante
audiência operária em fevereiro. Mas o que
a imprensa observa com preocupação e
nomeia de “populismo” ou inclusive “guerra
de classes” (sic), não são mais que algumas
medidas mínimas como por exemplo a
suspensão das execuções de hipotecas por
90 dias, a criação de um fundo para
devedores hipotecários, a reversão da
política impositiva de Bush, a extensão dos
benefícios de saúde e educação e um
investimento estatal de 60 bilhões nos
próximos anos para obras de infra-estrutura.

Este plano está muito longe das
pretensões “keynesianas” do New Deal dos
anos de Roosevelt, e menos ainda põe em
questão os fabulosos lucros das corporações
norte-americanas. O próprio Obama
desalentou estas expectativas reivindicando
Ronald Reagan, nada menos quem derrotou
o proletariado e lançou a ofensiva neoliberal
cujas conseqüências ainda hoje pesam sobre
os trabalhadores norte-americanos. Se
restava alguma dúvida, bastaria ver a lista
dos doadores a campanha de Obama, cujos
fundos superam não só os de Clinton como
também a campanha de McCain entre os
quais se encontram importantes lobbistas e
firmas como Goldman Sachs e JP Morgan
Chase [5].

O “fenómeno Obama” : a ilusão progressista do mal menor

Barack Obama se localizou como o
“candidato da mudança” e despertou a
simpatia não só da comunidade afroamericana,
como também de milhares de
jovens entre 18 e 29 anos, em sua grande
maioria ativistas do movimento anti-guerra
e pela defesa das liberdades democráticas
atacadas pelo governo de Bush.

Obama buscará estender as expectativas
de “mudança” a outros setores que não
constituem tradicionalmente sua base de
afro-americanos, jovens e classe média
educada e de bom nível de renda. Com o
apoio de Richardson buscará lutar pelo voto
dos hispânicos despertando ilusões em que
um governo democrata freie as medidas
brutais e as deportações contra os imigrantes.
Para o amplo arco “progressista” que se
reclama herdeiro dos movimentos sociais ’
como o dos direitos civis da década de 1960
ou o movimento contra a guerra do Vietnã ’
a campanha pelo voto de Obama é a
continuidade destas lutas no terreno eleitoral.

Porém, estas ilusões levarão cedo ou
tarde a uma crise. Não só Obama não se
define como “progressista” e é parte da
maquina do Partido Democrata, como à
medida que se aproxima o momento de
fazer a campanha pela presidência tende
cada vez mais a abandonar a retórica de
“centro esquerda” e a girar mais ao centro
do espectro político, para atrair os votos dos
setores mais conservadores que não têm
confiança que poderá ser o chefe do império
norte-americano. Isso se mostra nos
incidentes com seu pastor, o reverendo
Wright cujo único “crime” foi denunciar o
racismo a sociedade norte-americana e o
preço das políticas imperialistas dos EUA.

Apesar das expectativas que desperta o
fato de pela primeira vez um afro-americano
ter a possibilidade certa de ser presidente
dos EUA, a realidade é que Obama não
representa os interesses dos trabalhadores,
dos negros empobrecidos, ou dos jovens que
aspiram a por fim à ocupação do Iraque.Ao
contrário, representa os interesses de um
setor dos capitalistas que considera que
desta vez os democratas defenderão melhor
os interesses do imperialismo norteamericano.

A estratégia do “mal menor” é o que
permitiu ao Partido Democrata atuar como
contenção das tendências progressistas e dos
trabalhadores e manter o regime do bipartidarismo
que gera ilusões de “mudança”
através da alternância no poder.

Mas também as expectativas frustradas
no marco das penúrias da crise económica
podem levar ao desenvolvimento de novos
processos políticos e sociais. Nestas
circunstâncias surgirá a necessidade de que
os trabalhadores norte-americanos rompam
com os partidos de seus exploradores,
conquistem sua independência política e
sejam capazes de construir uma poderosa
aliança dos oprimidos ’ desocupados,
latinos e negros ’ e os jovens que seja capaz
de enfrentar à burguesia e seu estado
imperialista.

Traduzido por Simone Ishibashi

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

[1Quase todas as pesquisas registram uma
desagregação da base republicana que perdeu a
unidade que Bush havia dado ao redor da “guerra
contra o terrorismo” , o conservadorismo social e a
reivindicação dos valores cristãos. John McCain
não póde até o momento dar coesão a esta base
conservadora. Isso se expressa em uma diminuição
da base republicana, à que se referem distintas
publicações, desde a revista The New Yorker.
Segundo o Pew Research Center for the People &
the Press neste momento se registra a porcentagem
mais baixa em 16 anos de pessoas que se autodefinem
como “republicanos” .

[2Richard N. Haas, The Age of Nonpolarity. Foreign
Affairs, maio/junho 2008. A mesma revista publica
um artigo do editor internacional da revista
Newsweek que tenta demonstrar que apesar de
existir esta realidade ao não existir rivais no ascenso
que questionem seriamente a hegemonia norteamericana,
como foi em seu momento os EUA em
relação á Grã-Bretanha, o que estaria debilitado
é o unilateralismo como tática política mas não o
domínio norte-americano como potência
hegemónica.

[3Wages fall behind inflation for seventh month,
Economic Policy Institute, 14 Maio de 2008

[4Workers get fewer hours, The New York Times,
18 de abril de 2008.

[5Há alguns anos Obama vem construindo sua
máquina eleitoral e financeira primeiro com firmas
de Illinois às quais fez favores como senador e com
lobbistas de Washington. Para um estudo detalhado
sobre o financiamento de Obama, ver The birth of a
Washington machine, K. Silverstein, Harper”™s
Magazine em www.harpers.org

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