Quarta 1 de Maio de 2024

Juventude

UM BREVE BALANÇO DO EVENTO REALIZADO NA UNESP DE MARÍLIA

20 anos da derrubada do Muro de Berlim

03 Dec 2009 | Fustiguemos a carroça da história. À esquerda, à esquerda, à esquerda! Em frente, à conquista dos Oceanos! Tendes canhões em vossos navios de aço. Já esquecestes como os fazer falar? Que a coroa abra uma goela quadrangular, que o leão britânico ruja que importa? A comuna está em marcha E manterá a vitória! À esquerda, à esquerda, à esquerda! (Maiakovski, À esquerda – Aos marinheiros russos, 1918).   |   comentários

No dia 10 de novembro de 2009, a Revista Aurora, coordenada por estudantes da Pós-graduação em Ciências Sociais da Unesp-Marilia promoveu um debate sobre os vinte anos da derrubada do muro de Berlim ocorrida em novembro de 1989. O muro que fora construído em 1961 dividia a cidade: a capital da República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) e a República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental). A divisão gerou uma série de conflitos, enfrentamentos, prisões e mortes durante todo o período da “guerra fria”. Depois disso veio a restauração capitalista, com a decorrente reunificação imperialista e o restabelecimento do mundo “unipolar”.

A partir de tal análise a mesa propunha criar um espaço para análise e balanço crítico dos processos que culminaram na derrubada do muro de Berlim em 1989. Destacando desde a revolução de outubro de 1917 na Rússia, em que, nas palavras do poeta Maiakovski, o proletariado russo fustigou a carroça da história, bem como o período da longa noite obscura que foi o stalinismo, e também, por fim a desagregação da URSS. Por fim, propunha-se ainda, refletir sobre a atualidade da proposta socialista frente um mundo ainda fundado sobre a desigualdade sócio-material. Estavam presentes no debate cerca de 60 estudantes, também um jornal da cidade publicou uma matéria sobre o debate.

Compunha a mesa Edison Salles, estudante do programa de pós-graduação em Ciências Sociais pela PUC/SP e também dirigente da Ler-qi, o professor de Ciências Políticas da Unesp/Marilia e dirigente nacional do PCB Antônio Carlos Mazzeo, juntamente com professor de Ciências Políticas Marcos Tadeu Del Roio da mesma instituição e ex-dirigente estadual do PCB.

Edison Salles começara sua exposição com uma questão “Que tipo de regime havia na Alemanha Oriental (RDA)?” (a intervenção de Salles pode ser conferida no endereço: http://iskrarevista.blogspot.com/2009_11_01_archive.html). A partir daí o palestrante convidado aprofundou a análise com um balaço critico sobre o desenvolvimento do stalinismo na URSS, destacando além das ações contra-revolucionárias dos PCs pelo mundo até a derrubada do muro de Berlin. Nas palavras de Salles: "Como sabemos, o stalinismo, ou a burocracia stalinista que governava a URSS (e mais tarde dominou os PCs em todo o mundo) consolidou-se no poder a partir da derrota da revolução mundial, cujo ascenso mais vigoroso se deu na esteira do triunfo bolchevique na Rússia em 1917. Não é possível aqui nos determos nesse processo, mas para que tenhamos uma idéia basta afirmar que em toda a Europa central a guerra levou à queda dos velhos impérios e à ação revolucionária das massas: na Hungria chegaram a tomar o poder em 1919, na Bulgária e na Romênia chegou-se muito perto disso... Porém é na Alemanha que o destino da revolução mundial se jogava, e somente nesse país abriram-se processos revolucionários profundos em 1918-1919 e de novo em 1923 (além da famosa ação ultra-esquerdista de março de 1921, que não deixa de ser um sintoma da situação de conjunto). É fácil ver que um novo triunfo nesses países daria uma força invencível para que a revolução seguisse avançando rumo ao Oeste e também no mundo semicolonial".

A partir da morte de Lênin e da perseguição iniciada contra os revolucionários russos foi-se minando a potencialidade do movimento de massas iniciado em 1917. Em vez de um autogoverno operário em busca da emancipação humana, consolidou-se uma casta burocrática que se apartava dos interesses do proletariado daquele país. Esta desencadeou, nas palavras de Edison “campanhas caluniosas delirantes de perseguição à Oposição de Esquerda, que cresceram durante a segunda metade dos anos 1920, se transformassem em perseguição generalizada às massas e aos fuzilamentos em massa nos anos 1930”.

Tal argumentação ganha enorme relevo quando refletimos sobre os processos sócio-político a partir da URSS, como as perseguições políticas, prisões em massa e assassinatos cometidos sobre a égide do stalinismo, basta lembrarmos dos traumatizantes “processos de Moscou”, e do “relatório Khrushchev”, onde são denunciadas, além do “culto a personalidade”, as ondas de perseguições, trabalhos forçados e assassinatos por via estatal. (Parte destes crimes são denunciados por Vitor Serge no livro “O ano 1 da revolução russa”, reeditado em 2007 pela Boitempo. O Relatório apresentado por Nikita Khrushchev no XX congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) em 24/25 de fevereiro de 1956 pode ser encontrado (versão em inglês) no endereço: http://www.marxists.org/archive/khrushchev/1956/02/24.htm).

Mesmo com as amarras impostas pelos PCs a resistência revolucionária continua

Mas, Salles também destacou que o proletariado mundial não se calou frente ao stalinismo, os trabalhadores continuaram a se organizar, lutaram contra as burocracias stalinistas pactuadas com as burguesias e o patronato mundo a fora. "Berlim 1953, Hungria e Polônia 1956; Polônia e Tchecoslováquia 1968; Polônia 1980. Todos esses processos, e sobretudo os da Hungria e o de Berlim, foram processos em que a centralidade e a iniciativa operária comprovaram a acuidade do programa da IV Internacional (Programa de Transição) sobre o caráter e as reivindicações daquilo que Trotsky chamou de “revolução política” (e cujo alcance ultrapassa e muito as reformas “políticas”, diga-se para evitar falsas discussões) para os países dominados pelo stalinismo".

Ora, a defensiva stalinista insiste, pelo menos desde a década de 1930, na argumentação de que não se tinha condições objetivas para fazer avançar as lutas proletárias pelo mundo, e que a alternativa era a aliança com setores da “burguesia progressista”, ao invés de trabalhar pela autoorganização do operariado, como fazia a oposição de esquerda. Mas não para por ai, sobre aos marcos do stalinismo, como destacou Salles, gerou-se uma série de processos que buscavam desmobilizar e desarmar a classe operária em âmbito mundial em favor da burguesia e do patronato.

"A história demonstrou, pelo contrário, que a vitória daquelas revoluções, ajudadas por novos triunfos revolucionários nos países de economia avançada, era a única forma de defender o socialismo e evitar a restauração. Mais ainda, a história mostrou que os verdadeiros restauracionistas se encontravam apenas entre os burocratas, e isso se viu no Leste, na URSS, na China (e hoje se vê em Cuba). Os mesmos chefes, que não hesitaram em afogar em sangue as reivindicações democráticas e socialistas das massas, foram os que cederam aos imperialistas e abriram as portas para que os produtos capitalistas minassem por dentro os regimes apodrecidos e as economias estagnadas. Foram os mesmos que depois se apressaram para apropriar-se dos despojos da economia planificada, dando origem ao capitalismo mafioso que se instaurou após fins dos anos 1980".

Salles concordara que é correto falar de “derrubada” e não simplesmente “queda” do Muro, destacando que em 1989 as massas saíram às ruas e sua ação ajudou a pôr fim aos regimes do mal chamado “socialismo real”. Porém enfatizou um aspecto importante, que “por mais que se estude os processos, não se encontram sinais de que houvesse uma clara intencionalidade naquelas ações no sentido de restaurar a propriedade privada capitalista”.

Sabemos que a derrubada do muro trouxe no bojo a restauração capitalista com a implantação do neoliberalismo com considerável aprofundamento da subsunção da classe operária aos imperativos capitalista, somado a reestruturação produtiva expandiu-se o total de desempregados pelo mundo, e com a expansão do exército industrial de reserva precarizou-se ainda mais as condições de vida da classe trabalhadora em nível mundial.

Assim, o palestrante Edison Salles destacou ainda que fica desta forma um “agudo contraste entre aqueles processos abertos em 1989, processos populares, sem direção clara e sem auto-organização efetiva das massas, e os processos citados anteriormente, como a revolução húngara de 1956; ao contrário desta, o 1989 nos diversos países (e mesmo na China, onde foi sufocado pela burocracia e nem por isso a restauração foi menos impiedosa) não possuiu qualquer centralidade operária, e muito menos tendências soviéticas desenvolvidas”. Com a análise feita por Edison Salles ficou explícito o entrave colocado pelo stalinismo ao movimento operário, bem como ficou claro que a restauração capitalista acabou por favorecer em nível burguesia mundial, e distanciou o proletariado dos processos de luta pela emancipação humana, com intensificação dos processos de estranhamento humano.

Marcos Tadeu Del Roio deteve-se sobre os processos abertos na década de 1970 em diante (parte da base de sua intervenção pode ser conferida no endereço: http://www.unesp.br/aci/debate/imperio_roio.php). Desta forma, não comentou o papel dos PCs com a luta operária em escala mundial, também não analisou os processos de Moscou ou os crimes de Stalin. Inicialmente concentrou-se na argumentação de que com a consolidação da URSS e da bipolaridade mundial formou-se dois impérios, definido por ele como:

"O império liberal do Ocidente, nucleado nos EUA, por um lado, e o império socialista do Oriente, por outro, cada qual com suas características e natureza próprias: o império do Ocidente regido pelo processo de acumulação capitalista imperialista e o império do Oriente regido pela acumulação não-capitalista do capital, sob forma de um socialismo de Estado (um não-socialismo)".

Segundo Marcos Tadeu Del Roio o império do Oriente (URSS) teria entrado em crise a partir de 1970 com a completa exaustão do regime a partir de 1980. Para Del Roio “A estagnação econômica na URSS e no conjunto dos Estados denominados como socialista deveu-se a incapacidade de incorporar produtividade e aos gastos enormes em armamentos para fazer frente aos EUA e seus satélites europeus”.

Nesse sentido, Del Roio fala de duas crise que se desenvolveram na URSS, uma crise econômica e uma crise política, destacando que estas crises estavam entrelaçada. Além disso, a crise econômica teria sido acentuada pela crise política “O fracasso do governo Gorbachev ocorreu por conta da acentuação da crise de hegemonia, com a fragmentação política da burocracia. Enquanto Gorbachev se empenhava na passagem para o capitalismo monopolista de Estado (que vinha sendo bem sucedido na China), uma parte da burocracia preferiu persistir na defesa do socialismo de Estado, forma econômico-politica implantada nos anos 30”. Embora destaque que o regime social-politico sustentado na URSS não era propriamente socialista, seria interessante desenvolver a reflexão considerando o debate da relação do PC-URSS com a classe operária, tanto na Rússia como no mundo.

Antônio Carlos Mazzeo delegou a maior responsabilidade do fracasso da revolução internacional a própria organização do proletariado, sem fazer criticas a política social do PCUS, além disso, tomou a iniciativa de defender a atuação do PCs pelo mundo. Acrescentou ainda que Josef Stalin não era o único responsável pelo definhamento da revolução socialista na URSS, buscando valorizar seu papel na luta contra o fascismo. Mazzeo não conferiu centralidade às massas que lutaram contra o stalinismo em vários países do mundo. Além disso, defendeu como correta as ações dos chefes stalinistas, como o general Jaruzelski (Polônia), Erich Honecker (RDA), e em outro nível o próprio Prestes no Brasil.

A derrubada do muro significou uma vitoria para o proletariado mundial?

Para refletirmos sobre o significado da derrubada do muro podemos tomar pra análise quem impulsionou suas comemorações dos 20 anos. No dia 9 de novembro os representantes de governos imperialistas, entre eles Angela Merkel, Nicolas Sarkozy, Gordon Brown e Hillary Clinton, junto com outros convidados como o presidente russo Dimitri Medvedev, o último presidente soviético Mikhail Gorbachev e Lech Walesa, foram os protagonistas do que chamaram de “Festival da Liberdade”, em que os chefes do mundo capitalista decidiram celebrar o 20 aniversário da queda do muro de Berlim. Seus discursos estavam permeados de referências a esse acontecimento com a “abertura de uma nova época” de “liberdade e democracia”.

Cabe considerar que os mesmo celebram a derrubada do muro de Berlim, levantam diariamente novos muros e constroem campos de concentração contra os imigrantes dos países semicoloniais, a centenas de milhões que o capitalismo impõe condições precárias de sobrevivência. Ao mesmo tempo estes governantes, representantes da grande burguesia mundial, ‘dão sustentação’ à construção do muro com o que o Estado de Israel fecha em guetos o povo palestino.

Lembremos ainda que com a derrubada do muro abriu-se também uma nova temporada de “caça as bruxas”, um período de campanha com ofensiva ideológica e política contra o marxismo e os marxistas. Com isso veio também a absurda formulação de Fukuyama de fim da história. Para qualquer um que reivindique o marxismo a conjuntura tornou-se desfavorável e até mesmo opressiva. Frente a tal conjuntura parte importante da esquerda mundial caiu na desmoralização. Setores que até então compunham a intelligentsia marxista abriram mão do marxismo, ou então encastelaram-se nas universidades por meio de uma marxismo estéril, descomprometido com a intervenção e transformação radical da realidade social. Uma minoria espalhada pelo mundo continuou nos marcos do marxismo revolucionário, reivindicando-o como única filosofia que pode conduzir a emancipação humana.

A luta pela emancipação humana deve ser permanente

Hoje a economia mundial atravessa sua pior crise desde a Grande Depressão de 1929, gerada no coração do sistema, os Estados Unidos. Esta crise está novamente desnudando o caráter do capitalismo como um sistema de exploração e opressão, contrariando por fato os discursos ideológicos de seus apologistas. Enquanto os governos salvam da quebra, com dinheiro público, à elite financeira e aos grandes monopólios, que seguem fazendo seus grandes negócios a custo de aumentar consideravelmente a dívida estatal, milhões de pessoas são empurradas ao desemprego e à pobreza.

A 20 anos da derrubada do muro de Berlim, a crise econômica, as guerras, as convulsões sociais, depois de longas três décadas de retrocesso e ofensiva burguesa, a classe operária está recriando as condições para que a perspectiva da revolução social volte a ser colocada na luta dos explorados, superando os anos de reação ideológica e política que seguiram à restauração capitalista. Os processos decorridos na URSS não foram o fracasso da filosofia da práxis, nem do socialismo, bem porque o que imperava ali não era socialismo. Os marxistas revolucionários necessitam intensificar suas ações defendendo as tentativas de autoorganização operária, pautando o programa histórico do proletariado, como o controle operário com dissolução das classes sociais, abolição da propriedade privada e do Estado, para assim, novamente como dissera o poeta, ‘desatar o futuro, pois este não virá por si só’.

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