Sábado 18 de Maio de 2024

Internacional

Cai mais um presidente na América do Sul

Viva o levante do povo equatoriano!

15 May 2005   |   comentários

No dia 20 de abril, após duas semanas de manifestações massivas do que ficou conhecido como movimento dos “foragidos” , caiu o presidente do Equador, Lucio Gutiérrez, assumindo o vice Alfredo Palacio. Gutiérrez é o terceiro presidente equatoriano derrubado por manifestações populares em apenas oito anos. Em 1997, o então presidente Abdalá Bucaram, após uma onda de paralisações e mobilização foi deposto pelo Congresso. Em 2000, Jamil Mahuad foi derrubado por um verdadeiro levante camponês e popular, no qual Lucio Gutiérrez, como integrante das forças armadas, teve papel destacado.

Mas o Equador de forma alguma é uma exceção no continente. A América do Sul em dezesseis anos viu dez presidentes de sete países abandonarem antes do previsto seus mandatos, despontando como a região mais instável do planeta.

A diferença é que o governo de Gutiérrez fazia parte ’ da mesma forma que Lula, Kirchner na Argentina, e mais recentemente Tabaré Vazquez no Uruguai ’ de um conjunto de governos que foram eleitos com um discurso reformista, de contraposição à política dos governos neoliberais da década de 90, mas que depois de chegarem ao poder acabaram, em maior ou menor medida, alguns de forma descarada e outros de forma mais velada, dando continuidade às políticas neoliberais de seus antecessores. Será Gutiérrez somente o primeiro destes presidentes a cair, produto de grandes mobilizações que desmascarem seu caráter antipopular e pró-imperialista? Esperamos que sim.

As causas da crise

Apoiado na confiança conquistada entre os trabalhadores, indígenas e camponeses pobres no levante que derrubou o ex-presidente Jamil Mahuad em 2000, e com um discurso democrático e populista, Gutiérrez chegou à presidência três anos depois.

Porém, em meio às pressões de um país convulsionado, aos estragos da economia e aos partidos da velha oligarquia neoliberal, Gutiérrez girou rapidamente à direita adotando um programa abertamente pró-imperialista, aplicando os planos do FMI e mantendo a dolarização, negociando o Tratado de Livre Comércio com os EUA e apoiando o Plano Colómbia com a presença de tropas norte-americanas na Base de Manta.

Esta política neoliberal degradou extremamente sua base de apoio popular. Mas não foi suficiente para conformar entre a oligarquia equatoriana que lhe restou, uma base de apoio no Congresso, deixando assim seu governo frente a uma crise terminal.

Frente esta situação, Gutiérrez jogou sua última carta em um acordo com o Partido Roldosista Equatoriano (PRE) do odiado Abdalá Bucaram, quando em um “acordo político” e por meio de uma manobra no Congresso, em dezembro do ano passado, designou uma nova Corte Suprema de Justiça (CSJ), colocando como presidente da mesma Guillermo Castro do PRE. Este ato pelo qual se nomeava uma casta de juízes aliados do governo em acordo com o PRE foi repudiado pela oposição política, incluídos vários dos velhos partidos do regime que haviam ficado de fora da “divisão” de cargos, e pelo povo que o considerava um abuso do poder.

Em meio aos debates no parlamento para designar uma nova CSJ, há duas semanas o presidente da Corte Suprema anulou os processos em curso contra os ex-presidentes Abdalá Bucaram e Gustavo Noboa , ambos odiados pelas massas e com processos por fraude e corrupção que os havia levado a exilarem-se. O retorno ao país dos dois ex-presidentes foi a gota d”™água para o estouro da crise.

Três momentos na crise e o levante popular

1) As primeiras mobilizações

Entre 4 e 6 de abril, aconteceram as primeiras mobilizações em vários pontos do país, com epicentro em Quito, onde trabalhadores judiciais, estatais, docentes e estudantes protestaram, cercando o edifício da Corte Suprema e caminhando sobre o Congresso, enfrentando-se com a polícia. As marchas coincidiram com a concentração da Assembléia de Quito, comandada pelo Prefeito Paco Moncayo da Esquerda Democrática (ID) que, como as Assembléias de Guayaquil, encabeçada pelo prefeito Jaime Nebot do direitista Partido Social Cristão (PSC), a de Pichincha e outras regiões, estava planificando ações contra a Corte Suprema e de pressão sobre Lucio Gutiérrez.

Por sua vez, as organizações sociais e sindicais adiantaram que ocupariam edifícios públicos e chamariam a uma greve nacional se continuasse a indiferença do executivo com o regresso de Bucaram.

Frente a este cenário e diante da possibilidade de serem atropelados pelas mobilizações, todos os partidos da oposição moderaram seu discurso. De um dia para o outro, deixaram de pedir a renúncia de Gutiérrez e desarticularam os chamados para um paralisação cívica no dia 13 de abril.

2) Uma tentativa fracassada de encerrar a crise

Os partidos da oposição que começavam a ficar desprestigiados frente às massas trataram de buscar uma solução pactuada com o oficialismo. Entretanto, nas ruas de Quito começaram a se realizar auto-convocatórias de um conteúdo social mais heterogêneo, para repudiar o governo e a Corte Suprema; entre 10.000 e 15.000 pessoas se manifestaram pelas ruas nas noites da quinta-feira 14 e sexta-feira, 15. Na própria sexta-feira, ao não encontrar nenhuma solução para a crise , Lucio Gutiérrez aparece em cadeia nacional decretando a dissolução da Corte Suprema e declarando o estado de emergência em Quito e Pichincha, dando o poder às Forças Armadas para reprimir as mobilizações. Apesar das ameaças, as mobilizações se mantiveram em grande parte da capital desafiando o estado de sitio que teve que ser levantado pelo próprio Gutiérrez apenas 19 horas depois de tê-lo declarado.

A tensão social se agudizava e nas ruas junto ao grito de “Fora Gutiérrez” começou se a escutar “Que se vayan todos” [que vão todos embora], obrigando os partidos a pactuarem uma saída no domingo, dia 17, quando tentaram encerrar a crise aceitando a destituição da corte suprema, porém deixando Gutiérrez no poder e evitando pronunciar-se sobre as sentenças que permitiram a volta de Bucaram e Noboa ao país.

3) A queda de Gutiérrez

Esta resolução parcial da crise, sem resolver os pontos mais irritantes para as massas, não apenas não tirou de cena as mobilizações, mas as fortaleceu configurando um verdadeiro levante popular com forte participação das classes médias e dos pobres urbanos, junto aos estatais, docentes, estudantes e com o apoio político das organizações camponesas e indígenas.

Na noite de 19 de abril, as mobilizações se multiplicaram, chegando a mais de 40.000 manifestantes na capital que se enfrentaram com a polícia deixando dezenas de feridos e um jornalista morto, agudizando a crise ao máximo.

A jornada da quarta-feira, dia 20, foi decisiva, o governo debilitado armou sua própria força de choque que se enfrentou com os manifestantes, encontrando pela primeira vez uma resposta por parte dos manifestantes, com os estudantes que atuaram como o setor mais radicalizado sofrendo um saldo de dois mortos e centenas de feridos. Pela tarde as Forças Armadas retiraram o apoio a Gutiérrez e os partidos da oposição, reunidos em um edifício próximo ao Congresso, cercado de manifestantes que pediam “Que se vayan todos” , se viram obrigados a jogar a última carta, destituindo Gutiérrez e dando o poder ao vice-presidente Alfredo Palacio.

A designação de Palacio e sua posse horas depois gabando-se de seu “antipartidarismo” (assim como Carlos Mesa na Bolívia, se portava como um funcionário “independente” ) e prometendo governar para o povo, com um discurso demagógico, acalmou momentaneamente os ânimos.

Entretanto seu futuro é incerto e será preciso seguir de perto os acontecimentos. Segundo [o jornal] La Nación de 22/04 “Analistas políticos especulavam ontem que a dúvidas dos EUA e da OEA (em apoiar Palacio) poderia ter relação com a posse do novo gabinete, integrado por alguns nomes polêmicos. Marcando uma diferença com seu antecessor, Palacio designou como novo ministro de Interior Mauricio Gándara, reconhecido por suas posições contrárias aos EUA e ao Plano Colómbia.

“A grande expectativa aqui é o que fará o novo funcionário com a base militar de Manta (próxima do Pacífico) onde os EUA têm autorização para realizar operações antidrogas, incluindo as do Plano Colómbia.”

Oito anos, três presidentes derrubados e muitas traições

Durante os últimos oito anos os trabalhadores, camponeses, indígenas e o povo equatoriano deram demonstrações de sobra de disposição para a luta contra os governos e as políticas neoliberais, chegando a derrubar três presidentes. O fizeram com as mobilizações que debilitaram ao extremo Bucaram em 1997, lutando depois contra seu sucessor Fabián Alarcón, derrubando Jamil Mahuad em 2000, mobilizando-se contra Noboa e finalmente derrubando Gutiérrez. Ao contrário, suas direções sempre mostraram uma política e uma estratégia conciliadoras com a burguesia, permitindo sempre que estes tomem a iniciativa política, levando estas lutas à derrota.

O custo político que tiveram que pagar organizações como a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), FENOCIN, a Frente Popular e o Movimento Popular Democrático (maoístas) por manter esta política de conciliação de classes, foi o descrédito frente a suas bases que hoje praticamente não respondem aos chamados de sus direções.

É necessário que os trabalhadores, camponeses e indígenas equatorianos se libertem da influência destas direções burocráticas e conciliadoras e lutem por uma alternativa independente e de classe.

As massas equatorianas acabam de repudiar o conjunto do regime, seus partidos e instituições e lutarem para que se vayan todos. Porém, o novo presidente Palacio foi eleito pelas costas do povo pelos partidos e políticos repudiados pela ampla maioria e agora prepara um governo que tentará frustrar suas expectativas.

Para evitar que se consume um novo engano, convocando uma assembléia constituinte adaptada ao regime ou eleições antecipadas, o povo equatoriano deve levar suas demandas até o final, já que não são os partidos deste regime putrefato nem o “independente” Palacio que resolverão suas aspirações democráticas. As massas devem lutar para que se vaya Palacio e se vayan todos e lutar por uma Assembléia Constituinte verdadeiramente livre e soberana que lhes permita refundar o país sobre novas bases, resolvendo as demandas mais sentidas do povo.

Os trabalhadores devem tomar em suas mãos e fazer suas estas demandas democráticas para poder hegemonizar uma aliança com a grande massa de camponeses e indígenas explorados (que são os atores centrais dos anteriores levantes), os estudantes e os pobres da cidade, já que esta é a única via para lutar conseqüentemente contra o imperialismo e pela expropriação radical da grande propriedade agrária, garantir plenos direitos de autodeterminação aos povos indígenas e assegurar a libertação nacional.

É fundamental que sejam os trabalhadores, camponeses pobres e indígenas equatorianos que dêem sua própria saída, colocando de pé formas democráticas de auto-organização, desenvolvendo-as na perspectiva de preparar o surgimento de organismos superiores de frente única das massas para a luta, e que sejam a base de um verdadeiro poder operário, camponês e popular.

Se faz mais urgente que nunca a necessidade de pór de pé um partido operário revolucionário que lute conseqüentemente por um governo das organizações dos trabalhadores, indígenas e camponeses pobres que comece a sentar as bases de uma nova sociedade.

A crise no Equador e o papel de Lula na América do Sul

Nos últimos dias a diplomacia brasileira se converteu em um dos alvos centrais dos protestos das massas equatorianas por ter concedido asilo político a Gutiérrez, um bandido que, depois de anos saqueando os trabalhadores e o povo equatorianos, suspeita-se que, na véspera de sua deposição, tenha retirado um milhão e meio de dólares dos cofres públicos do Equador.

Gutiérrez chegou a ficar escondido na embaixada brasileira em Quito, de onde não podia sair, pois esta estava cercada de manifestantes que exigiam de Lula que não lhe concedesse asilo e cantavam “Lula, Lula, Lula, devolve essa mula” . O novo governo, por pressão da população demorou dias até conceder o salvo-conduto para que Gutiérrez pudesse, na madrugada do dia 24, deixar o país rumo ao Brasil. Vergonhosamente, Gutiérrez saiu do Equador escoltado pela diplomacia brasileira e em um avião da Forças Armadas brasileiras a mando de Lula.

Esse fato escandaloso está em total consonância com o papel “pacificador” que Lula tem cumprido nos principais conflitos da luta de classes que têm se desenvolvido na América Latina nos últimos anos, servindo de “braço” do imperialismo na região para ajudar a construir saídas para as crises através do restabelecimento do controle da burguesia e de impedir o desenvolvimento de ações independentes do movimento de massas. Foi esse o papel que Lula cumpriu na formação do grupo “amigos da Venezuela” quando do golpe pró-imperialista perpetrado contra Chaves. Foi esse o papel que Lula cumpriu quando na Bolívia, em outubro de 2003, ajudou o vice-presidente Carlos Mesa a controlar a convulsiva situação em seu país depois que as massas derrubaram Sanchez de Losada. E é um papel ainda mais nefasto o que Lula cumpre hoje no Haiti, enviando tropas brasileiras para fazer o “serviço sujo” para o EUA naquele país.

Os trabalhadores e o povo brasileiros devem repudiar esse papel cumprido pelo governo Lula e se solidarizar com a luta dos trabalhadores e do povo dos outros países latino-americanos que se levantam contra seus governos capitalistas, antipopulares e servos do imperialismo.

Viva a luta do povo equatoriano!

Fora as tropas brasileiras do Haiti!

Por uma Federação das Repúblicas Socialistas da América Latina e do Caribe!

Adaptado do artigo de Juan Andrés Gallardo, publicado no jornal La Verdad Obrera n° 161, de 22 de abril de 2005

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