Sábado 4 de Maio de 2024

Juventude

BOLETIM ESPECIAL CALOURADA 2012

Um primeiro balanço e perspectivas da luta em curso na USP

27 Feb 2012   |   comentários



Mais um ano começa na USP. Milhares de novos estudantes entram na universidade que é não somente a mais disputada no vestibular, mas também a mais mobilizada do país. É uma excelente oportunidade para que cada novo estudante possa entender o porquê e descobrir a realidade que a mídia, o tucanato e a casta de burocratas que detém o poder na universidade nunca vão dizer. Coloca-se uma grande oportunidade para somar forças à difícil luta que há anos vem sendo travada na USP em defesa da universidade pública, levada a frente por estudantes, junto aos trabalhadores e um setor de professores que se enfrentam com a ditadura de Rodas. Coloca-se a possibilidade de ser parte da luta que segue aberta contra a polícia na universidade, que mostra como a universidade não é uma ilha, pois aqui também ela cumpre o mesmo papel reacionário que cumpre no Pinheirinho, na chamada “Cracolândia” e em cada lugar onde há luta. Mais que isso, coloca-se a possibilidade de ser parte de um movimento de milhares de jovens que se coloca de pé e mostra que, no Brasil que o lulismo tenta apresentar como o “país do futuro” e do crescimento econômico, há uma juventude que não fica passiva vendo a roda da história girar no Egito, na Grécia, no Estado Espanhol, nos EUA, no Chile, e também quer ser sujeito da transformação pela qual está passando o mundo frente à crise capitalista.

A luta do ano passado na USP deixou conquistas muito importantes do ponto de vista do fortalecimento da mobilização, - que tinha como eixo central a luta pelo Fora PM da USP e pelo fim do convênio USP-PM - e que são uma grande base para seguir a luta neste ano e construir uma greve que seja capaz de conquistar as nossas demandas. Fizemos duas ocupações e construímos uma greve que, apesar de não terem sido fortes o suficiente para vencer, geraram um movimento de milhares e milhares de estudantes, que se organizaram num comando de greve com delegados eleitos na base, que junto aos trabalhadores da USP e seu combativo sindicato, o Sintusp, e de um setor de professores e intelectuais, foram capazes de desgastar Rodas e a burocracia acadêmica, e de gerar um repúdio de massas na USP à PM, ao convênio e a Rodas. Apesar disso, a reitoria seguiu avançando de maneira decidida na repressão, inclusive nas férias, aproveitando o esvaziamento da universidade, e impôs derrotas táticas para o movimento com sua enorme ofensiva repressiva para tentar calar o movimento pela força. Somado a isso, a reitoria vem com uma política, apoiada no aumento conjuntural da economia que impacta positivamente no orçamento da universidade, de fazer concessões econômicas a trabalhadores e professores para levá-los à passividade frente aos ataques e tentar impedir a unidade dos três setores contra a reitoria e o governo do estado. Mas há um importante setor que segue resistindo nas três categorias, com um apoio de massa dos estudantes, principalmente nas faculdades que têm mais tradição de luta, e de milhares de trabalhadores da USP que têm uma ampla tradição de luta. Em síntese, a luta em defesa da universidade pública e contra o projeto privatista de universidade ocorre há anos, está em momentos decisivos e teve no ano passado mais uma batalha muito importante.

Vejamos quais foram os principais aspectos que envolveram essa luta que segue em curso e os desafios que nós, da Juventude às Ruas (composta por militantes da Liga Estratégia Revolucionária e independentes), consideramos os mais importantes e para os quais chamamos a todos a enfrentar conjuntamente conosco como parte da luta por um movimento estudantil massivo, anti-burocrático, aliado aos trabalhadores, que lute para derrotar os ataques e passar à ofensiva na luta por uma universidade a serviço dos trabalhadores e do povo pobre, e, como diziam os estudantes do maio francês, passar “do questionamento da universidade de classes ao questionamento da sociedade de classes”.

O que está em jogo na luta em curso na USP

Muito tem se dito acerca da truculência da PM no campus e, em torno disso, aparecem propostas de uma polícia mais humana ou de mudanças no convênio USP-PM. No entanto, a função social da polícia não é proteger a população. Trata-se do braço armado da classe dominante para garantir sua propriedade e seus interesses. Na USP, esses interesses se demonstram pela via de um projeto privatista de educação.

O reitor-interventor Rodas, segundo colocado na eleição - ela mesma restrita ao antidemocrático Conselho Universitário (C.O.) - e nomeado arbitrariamente por José Serra, representando os projetos da burguesia na USP, veio para manter e aprofundar a privatização da educação e a precarização do trabalho. No ensino, a verba não é dividida sob o critério de uma universidade pública e que, portanto, deveria se voltar às necessidades da população, mas sob os interesses das grandes empresas que entram na universidade através das fundações privadas e das ligações que têm com a casta de professores titulares que compõe o Conselho Universitário oligárquico. Aliado a isso, o filtro social do vestibular deixa de fora da universidade pública a maioria da juventude, oriunda da classe trabalhadora, e consequentemente a juventude negra; e os poucos que passam por essa etapa são repelidos da universidade pelas precárias condições de permanência estudantil, falta de moradia ou auxílio para todos, levando muitos a abandonar a faculdade. No entanto, não são apenas as condições de estudo que são afetadas. Por exemplo, em abril de 2011 estourou o conflito que escancarou a semi-escravidão existente na USP pela via do trabalho terceirizado. Centenas de trabalhadoras de limpeza da empresa União entraram em greve por seus salários e seus direitos atrasados, evidenciando a rotina de exploração, assédio moral, e por vezes sexual, nos corredores da universidade que consta nos rankings das melhores do mundo.

A polícia, portanto, é uma ferramenta para manter a USP a serviço da elite. A reitoria da USP já vinha em uma ofensiva de repressão com dezenas de processos contra estudantes e trabalhadores por se mobilizarem politicamente, em base a um decreto da ditadura, de 1972, que ainda vigora na USP, que coloca como infrações passíveis de expulsão os ‘’atentados à moral e aos bons costumes’’ e ‘’manifestações de cunho político e racial’’. Talvez a reitoria racista da USP, uma universidade da qual uma ínfima porcentagem dos estudantes é negra, considere o Núcleo de Consciência Negra como uma ‘’manifestação racial’’, e por isso os expulsou do local onde funciona. Também é crime na USP lutar por moradia, e portanto por condições para se manter na universidade, como demonstra a existência de processos e agora 12 novas prisões políticas e 6 expulsões de estudantes por militarem por permanência estudantil na Moradia Retomada. Não bastasse, o SINTUSP, sindicato combativo e aliado histórico do movimento estudantil, teve um de seus diretores, Brandão, demitido inconstitucionalmente em 2008 e todo o restante da diretoria do sindicato é processada pela USP.

Em 2011 o estudante Felipe Ramos Paiva morreu assassinado no estacionamento da FEA, tragédia que foi usada de forma oportunista pela reitoria como pretexto para colocar a PM ostensivamente dentro do campus. Numa universidade fechada ao conjunto da população, numa metrópole que concentra as contradições do “Brasil potência” das enchentes, da miséria e do trabalho precário, a ideologia da segurança aparece para legitimar a repressão e a PM, que estava na USP no momento do crime e nada fez para evitar o assassinato. O que a presença ostensiva da polícia fez na USP não foi “proteger", foi abordar estudantes por ‘’olhar feio’’, caminhar pelos corredores abordando professores, estudantes e trabalhadores, intimidar a entrada da população da favela São Remo que utiliza serviços oferecidos pela universidade. A prisão de 73 estudantes e trabalhadores que se colocaram em luta contra tantas arbitrariedades e por um projeto distinto de universidade se dá nesses marcos, assim como a prisão de outros 12 que viviam na Moradia Retomada. A agressão do estudante negro Nicolas no espaço do DCE durante as férias demonstra que, além de politicamente repressora, a polícia é racista. Com a presença da PM na USP não foi impedida uma criminosa tentativa, também nas férias e logo após o sindicato se colocar na defesa de Nicolas, de explosão do Sintusp abrindo o gás do fogão, na verdade, estranhamente provocada por alguém que não arrombou a porta e revirou uma sala com documentos do sindicato sem roubar nada – ao contrário, tudo aponta para a conclusão de que a própria polícia esteja envolvida no atentado.

A PM, pois, está a serviço de um projeto e de uma classe. A ideologia da “segurança” existe para legitimar a repressão estrutural à pobreza em um país de enorme desigualdade. Não existe segurança sob o regime de miséria do capitalismo, sem educação, moradia, emprego, saúde, que são as verdadeiras ameaças à vida da maioria da população.

Uma luta que avançou na auto-organização que é necessário retomar e fortalecer para massificar o movimento

A luta USP do ano passado explodiu no dia 27 de outubro, a partir da truculência da PM com 3 estudantes que estariam fumando maconha na FFLCH. Centenas de estudantes se rebelaram, colocaram a PM para fora, organizaram uma assembleia e votaram a ocupação da diretoria da FFLCH, contra a vontade do PSOL (DCE) e do PSTU. A partir daí a luta só se intensificou. Em poucos dias, na FFLCH havia um apoio massivo e em amplos setores da USP. É então convocada uma assembleia geral com mais de 1000 estudantes, na qual o PSOL e o PSTU querem acabar com a luta e com a ocupação da FFLCH. Baseando-se em setores conservadores e burocratizando a assembleia, votam o fim da ocupação e, frente a centenas de estudantes que queriam seguir a luta e votar a ocupação da reitoria, o PSOL e o PSTU implodem a assembléia para impedir qualquer votação, com o claro interesse de seguir o calendário das eleições estudantis. Os estudantes se rebelam, não aceitam, seguem a assembleia e votam a ocupação da reitoria. A universidade fica polarizada, cursos votam apoio a ocupação, outros contra, o movimento se divide com uma campanha do PSOL e do PSTU de difamação da ocupação – inclusive com declarações e notas públicas denunciando as organizações políticas que estavam na ocupação, entregando para a repressão e fornecendo citações para a imprensa deslegitimar a mobilização diante da opinião pública, facilitando a repressão. A reitoria, frente à divisão do movimento, invade a universidade com um enorme aparato militar e prende 73 lutadores que estavam no momento na ocupação. Mas ao contrário do que esperava a reitoria, o movimento se expande, e numa assembleia com milhares de estudantes é votada a greve e, por proposta da Juventude Às Ruas a construção de um comando de greve com delegados eleitos na base, uma votação histórica no movimento estudantil do país, seguindo o exemplo do que há de mais avançado no movimento estudantil internacionalmente. São eleitos mais de 120 delegados a partir das assembleias de base, sendo 1 para cada 20 estudantes em assembleia, mandatados democraticamente e revogáveis. Assim, os estudantes assumiram em suas mãos a greve de forma anti-burocrática, para que nada senão as suas posições devidamente representadas dirijam os rumos da greve, em detrimento ou de uma corrente política hegemônica que decide pela base via entidades estudantis (como faz o PSOL, e o PSTU se adapta – ver polêmica de estratégias neste mesmo jornal) e de políticas vanguardistas que tendem a desconsiderar as posições dos estudantes nos cursos (MNN, PCO e autonomistas).

Como explicamos, a luta não terminou. Durante as férias o comando perdeu sua vinculação com as assembléias de curso e agora é necessário seguir com o comando de greve submetido às assembleias e aos cursos, ampliando a participação com a eleição de novos delegados que representem verdadeiramente as posições dos estudantes em assembleia. Para nós, a política correta é colocar todo peso na construção das assembléias de curso antes da assembléia geral dos estudantes que está marcada para o dia 8/3, pois somente assim podemos retomar uma greve que seja forte e efetiva para barrar os ataques e passar à ofensiva. Para isso, será necessário combater também a política do PSOL e do PSTU que será de boicotar a calourada unificada, o comando e só dar peso para as eleições estudantis, uma vez mais incorrendo no erro de transformar as entidades estudantis no objetivo mais importante, inclusive secundarizando a tarefa de impulsionar a luta e o comando, repetindo os erros que cometeram ano passado. Isso não significa dar as costas para as eleições estudantis, por isso, construímos no ano passado a chapa “27 de outubro” para o DCE, junto ao MNN, outras organizações e dezenas de independentes combativos, e chamamos os calouros a retomar a sua construção conosco, mas nunca colocando a tática da participação nas eleições à frente da necessidade de impulsionar a luta e a auto-organização.

Dentro de um balanço, é necessário identificar os erros do movimento. Na nossa opinião, um deles é que a partir da assembléia que o PSOL e o PSTU implodiram, dividindo e enfraquecendo o movimento para impôr de modo burocrático sua posição, e que acabou por votar a ocupação da reitoria - uma medida ofensiva contra inimigos mais fortes, com o movimento enfraquecido por responsabilidade do PSOL e PSTU, que polarizou toda a universidade, era fundamental uma política de se ligar organicamente a base dos cursos e não tratar a ocupação como um fim em si mesmo (como o MNN e o PCO, com o argumento de que gerava “instabilidade” sem se importar que o movimento havia se dividido profundamente e perdido apoio de setores da base), levantando uma política de auto-organização desde antes e combatendo a política de difamação do movimento por parte do PSOL e PSTU. Mas não bastava a denúncia, era necessária uma política de exigência de impulsionar novamente assembleias em comum para definir os rumos da mobilização. Além disso, opinamos que após uma semana, em que a ocupação ganhou apoio em alguns cursos, mas não rompeu o cerco na opinião pública, na última assembleia antes da invasão da PM, teria sido mais correto um recuo tático organizado, desocupando a reitoria e votando uma ofensiva na base dos cursos para organizar a greve e um comando com delegados. Nós, da Juventude Às Ruas, que víamos que a ocupação não era um fim em si mesmo, e lutamos pra que ela não se isolasse da base dos cursos, também superestimamos suas forças nesse momento, não defendendo a desocupação, que teria evitado a prisão de 73 companheirxs.

O desafio de impulsionar uma grande campanha contra a repressão ligada à democratização da universidade

Desde a prisão dos 73 estudantes na reitoria, dizíamos que era preciso colocar sua defesa em primeiro lugar, pois se esse ataque passasse, a reitoria estaria em melhores condições para punir os demais processados, e o governo para reprimir os movimentos de moradia, por terra, e dos trabalhadores. Os acontecimentos desses meses, infelizmente, confirmaram o que prevíamos. Não tivemos apenas 73 presos políticos, também temos 6 expulsos, 12 outros estudantes presos na luta por permanência estudantil, trabalhadores processados e ameaçados de demissão por se mobilizarem e uma tentativa de atentado contra a sede do SINTUSP. Esses fatos escancaram qual é a política não apenas da reitoria da USP, mas do governo do estado, para os que lutam ou que atrapalham o andamento dos projetos a serviço da burguesia. Contra isso devemos levantar uma ampla campanha democrática contra a repressão, que deve retomar com todo peso a luta para colocar a PM para fora da USP e pelo fim do convênio USP-PM, construindo uma ampla frente única, superando todo tipo de sectarismo que há entre setores vanguardistas contra uma forte política para intelectuais, professores, etc, e também a política mesquinha do PSTU, e principalmente do PSOL, de não defender os perseguidos políticos (talvez porque não há nenhum deles?), pois é um problema de princípio a unificação de todos contra a repressão numa campanha consequente, pois está em jogo a defesa da universidade e dos lutadores. Nós seguiremos defendendo incondicionalmente qualquer lutador atacado apesar das nossas diferenças políticas.

Ao mesmo tempo, a mobilização estudantil deve avançar em seu programa, não somente contra a repressão, mas contra o projeto a que ela serve. Neste debate necessário e urgente, defendemos que a apropriação do conhecimento não está desligada da estrutura de poder e de quem a dirige, assim como o acesso à universidade interfere no próprio conhecimento produzido. Assim, a luta para impor o Fora Rodas e uma Estatuinte Livre e Soberana que possa dissolver a camarilha que hoje é chamada de “Conselho Universitário”, dando passos para a conformação de um governo tripartite com maioria estudantil – expressando desta forma a maioria que existe na universidade, que são os estudantes – é uma condição necessária para que a universidade possa se colocar a serviço dos trabalhadores e do povo pobre, utilizando assim todo o conhecimento que é produzido a serviço destas necessidades e avançar para que o conhecimento passe a expressar estes avanços concretos de democratização, contra a influência das grandes empresas.

Essa luta se liga à defesa de uma verdadeira autonomia universitária. As classes dominantes não podem aceitar que exista um movimento estudantil que questione o papel da polícia nas favelas, que vote em suas assembleias gerais a efetivação dos terceirizados sem concurso publico com salários e direitos iguais aos efetivos, que apoie os métodos radicais de luta dos trabalhadores; não pode aceitar que exista um sindicato que faça greves e piquetes em defesa de mais verbas para a educação, pelo fim do vestibular para que o povo pobre possa entrar na universidade, contra medidas de cerceamento da atividade sindical e política na universidade e em defesa dos trabalhadores terceirizados; sobretudo, não podem aceitar a aliança de um sindicato não corporativo e um movimento estudantil não elitista na principal universidade do país, o que seria um "péssimo exemplo" para os trabalhadores e estudantes fora da universidade. É para impedir que essa aliança siga se desenvolvendo que a reitoria ataca a já frágil autonomia universitária. Mas não é só isso, a luta pela verdadeira autonomia universitária passa também pela ruptura da relação do ensino, pesquisa e extensão com os interesses dos capitalistas, para que se possa ter o desenvolvimento da ciência livre das amarras do capital e voltada para os interesses da população, apontando no sentido da construção de uma universidade a serviço dos trabalhadores e do povo pobre, partindo da visão da universidade e da sociedade dividida em classes, ligando a luta contra a ditadura dentro da USP, que tem Rodas e seu braço armado como inimigos mais visíveis, com a luta contra a sociedade capitalista dos monopólios, que só gera sofrimento para as massas de todo o mundo, como se expressa agora com a crise capitalista. Se no Brasil essa crise ainda não chegou, é apenas uma questão de tempo. Mesmo sem ela, já estamos vivendo a repressão aos que lutam, porque a burguesia está se preparando; cabe a nós fazer o mesmo, nos organizando não somente no movimento estudantil, mas construindo uma forte juventude revolucionária; é para essa perspectiva na USP e fora dela que te chamamos a conhecer e a construir a Juventude às Ruas, uma juventude composta por estudantes e trabalhadores que atua dentro e fora das universidades, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Nas universidades, estamos principalmente na USP, Unesp (Marília, Franca e Rio Claro), Unicamp, Fundação Santo André, PUC-SP, UFRJ e UFMG. Entre em contato e se quiser difunda este jornal.

As diferentes estratégias na luta dos estudantes da USP

Como se sabe, o movimento estudantil não é um todo homogêneo. Na USP, há não somente uma série de correntes políticas que têm distintas concepções de movimento estudantil e de como deve se dar cada luta, o que está ligado às concepções mais de fundo de cada organização, mas também uma série de estudantes independentes que, em parte concordam com as posições das correntes políticas, e em parte tem outras posições, alguns inclusive definindo-se como autonomistas. O debate político entre as posições é algo normal no movimento e, ao contrário do que muitas vezes se diz, são essenciais para fazer o movimento avançar, desde que a definição sobre os rumos do movimento esteja sempre nas mãos dos estudantes que democraticamente devem votar os passos a seguir.

A mídia tentou simplificar as posições da USP fazendo uma divisão entre “radicais” e “moderados”, que era não somente uma tentativa de isolar o movimento estudantil combativo, mas também não expressa as três estratégias fundamentalmente que estavam em disputa na luta da USP, além de que há uma ampla camada de independentes que não se alinha organicamente com nenhuma delas. Vejamos quais são estas três estratégias.

O que há de real na divisão entre o que a imprensa chamava de “radicais” e “moderados”?

Em primeiro lugar, há um partido que segue a tradição petista tanto nacionalmente como no movimento estudantil, ainda que com um discurso mais de esquerda, que é o PSOL. Essa é a corrente que tem mais peso nas entidades do movimento estudantil da USP, sempre atua como freio nas mobilizações, sempre se coloca contra o desenvolvimento do movimento com o argumento de que “não há correlação de forças”, boicota a organização democrática dos estudantes para além das entidades, a radicalização nos métodos, e querem conseguir nas mesas de negociação o que supostamente é “possível”, que é sempre uma miséria, uma migalha. No ano passado, essa concepção se expressou no boicote desse partido ao comando de greve com delegados eleitos na base, na política de implodir a assembleia que acabou por votar a ocupação da reitoria, na adaptação completa ao senso comum pró “segurança pública” com a defesa de um “plano de segurança alternativo” por fora de questionar o caráter elitista e racista da USP e que não questiona o papel da polícia na universidade. Essa política teve uma das suas expressões mais deploráveis no dia 27 de Outubro, com o enfrentamento com a PM ocorrido na FFLCH. Enquanto centenas de estudantes, que nos orgulhamos de ter acompanhado, tentavam impedir a prisão de 3 colegas – em seguida se enfrentando com a repressão policial -, as gestões do DCE e da maioria dos CAs da FFLCH, dirigidas pelo PSOL, faziam um cordão humano para escoltá-los, em acordo com a direção da faculdade, até o carro que os levou para a delegacia, para em seguida se colocar contra a ocupação da Administração da FFLCH, que defendemos e foi aprovada pela maioria dos estudantes, e foi essencial para toda a mobilização, que eles não queriam que se desenvolvesse para realizar tranquilamente o calendário das eleições estudantis que é o que mais os interessa. É por isso que a definição de “moderados” para este partido condiz com a realidade.

Mas não é a toa que a imprensa (e amplos setores do movimento) coloca o PSTU como parte do bloco dos “moderados”. Apesar de que, em geral como partido, e também no movimento estudantil, sempre adotam um discurso mais de esquerda, na sua prática política tem grandes pontos de contato com o PSOL e na própria luta em curso foi assim. No 27 de outubro também foram contra a ocupação da FFLCH e nunca denunciaram o cordão humano do PSOL; juntos com o PSOL implodiram a assembléia que acabou por votar a ocupação da reitoria; também dão um peso estratégico para as entidades estudantis e historicamente não defenderam um comando de greve com delegados eleitos na base (ainda que na recente luta se relocalizaram pela força do movimento anti-burocrático); também se adaptam à defesa de um “plano de segurança alternativo” e sempre buscam alianças com o PSOL para as eleições estudantis como política permanente e se adaptam a eles em função disso. O PSOL e PSTU reproduzem o discurso de que a USP é insegura, e precisa de mais guarda universitária, mais “bem treinada”, que, na prática, sob essa estrutura de poder, seguiria controlada pela reitoria repressora, elitista e racista. É por estes elementos que o PSTU é colocado no bloco dos “moderados”: porque apesar do discurso mais de esquerda, não tem uma estratégia para a mobilização diferenciada do PSOL e se unificou com eles em muitas questões táticas (como sempre), por isso, se dedicam mil vezes mais a atacar o que eles chamam de “ultra” (onde incluem a Juventude às Ruas e a LER-QI) do que o PSOL, que é um freio ao movimento.

E os que a mídia chamou de “radicais” ou “ultras”?

Chamar dessa forma era parte da política de isolar o movimento estudantil combativo que estava encabeçando a luta. Dentro desse bloco, colocavam desde a Juventude às Ruas e a LER-QI, passando pelo Movimento Negação da Negação, o PCO e um amplo setor de independentes, incluindo setores que se definem como autonomistas. Mas dentro deste bloco houve antes, durante e depois do conflito, duas estratégias para a luta e duas concepções de movimento estudantil. Por um lado, estão o MNN, o PCO e um setor autonomista que são a negação mecânica e infantil de parte dos piores problemas do PSOL (e do PSTU). Contra a passividade, defendem a ofensiva permanente, independentemente da correlação de forças ou se há apoio para elas ou não, dos estudantes que se envolvem nas “ações exemplares”, fazem um fetiche da radicalização nos métodos separado da política, ou seja, um “radicalismo” que tem “perna curta” porque é impossível arrancar conquistas efetivas e qualitativas sem um movimento massivo e ligado organicamente à base dos estudantes. Podem até conseguir satisfazer os anseios de alguns estudantes combativos que querem lutar seriamente, mas a negação da política de massificação, da necessidade de saber atuar em frente única com outros setores nas questões em que houver acordo (mantendo a liberdade de crítica para todos os que atuam em comum) e de um programa profundo de democratização da universidade, levará essa vanguarda a se descolar cada vez mais da base estudantil e as derrotas táticas repressivas que já vieram se implementando vão se aprofundar, avançando o projeto elitista de universidade e impedindo que conquistemos nossas demandas.

Entre os setores vanguardistas, se destaca a posição do MNN sobre a universidade e seu programa. Essa corrente não assume a posição adaptada do PSOL e do PSTU, defendendo mais guarda e segurança. Por outro lado, se coloca contra as demandas de democratização do acesso e do poder, como o fim do vestibular, a permanência estudantil, a assembleia estatuinte. Isso porque não se trataria de defender a universidade pública, nem lutar pra que esteja a serviço dos trabalhadores, mas sim destruí-la a favor do que eles chamam de “território livre”. Essa fraseologia veste, na verdade, um programa abstrato, que não arma a mobilização para golpear a universidade elitista e racista hoje existente e abrir espaço para que os trabalhadores possam ter acesso a ela, para que os que entram possam nela permanecer com permanência estudantil e para que o conhecimento nela produzido esteja a serviço da sociedade. Tudo isso para eles seria reformismo: o correto seria destruir tudo e erguer o “território livre”. Para nós se trata de uma adaptação (pela esquerda) ao elitismo da universidade.

Nós da Juventude às Ruas não somos “radicais” nem “ultras”, somos revolucionários que lutamos por um movimento massivo, anti-burocrático e combativo com uma estratégia para vencer

Durante o processo de luta, nossa corrente, composta por militantes da LER-QI e independentes, era identificada pela mídia como parte do bloco dos “radicais”, mas na verdade não somente tivemos uma política diferente das outras correntes, com as quais soubemos fazer frente única para fazer o movimento avançar, como ocorreu, mas temos concepções de fundo bastante diferentes que constituem uma estratégia distinta para a mobilização e para a universidade, como queremos aprofundar em mais alguns elementos de balanço e de perspectivas para além dos que já colocamos.

O PSOL, o PSTU e o PCO sempre se colocaram contra a auto-organização, ou seja, contra os comandos de greve com delegados eleitos na base, que sempre defendemos como corrente. O PSTU se relocalizou para não se opor ao movimento anti-burocrático. O MNN não fala da auto-organização, salvo em momentos ultra pontuais, mas nunca foi consequente na sua defesa, esteve contra a auto-organização em anos anteriores, e tampouco tem uma visão verdadeiramente democrática, como se expressou na política que teve para o comando de greve nas férias. Para retomar a luta e a greve nesse início de ano, era importante que a calourada fosse organizada pelos delegados em luta e pelos CAs, tal como foi feito, defendido por nós, e está correto. No entanto, nesse período a greve não se manteve, pois as disciplinas se encerraram. O erro que cometemos ao votar a continuidade da “greve” num período sem aulas – e portanto sem as assembleias – está em que um comando democrático depende do controle constante das assembleias (que podem revogar delegados que não estejam representando adequadamente os estudantes de seus cursos). Isso não teve piores consequências – até agora – porque com luta política dentro do comando, foi possível evitar com que se tomasse grandes medidas por fora de seu mandato (organizar a calourada). Ainda assim, um setor restrito, em particular o MNN, impôs pela via de comissões organizativas sua política à calourada em nome do comando. O caso mais grave é que a festa-protesto da calourada, uma medida de luta, seja garantida contratando trabalho terceirizado para limpeza, como defendeu o MNN; a segurança também será privada, contra tudo o que significou o avanço da luta contra a terceirização uma USP e toda tradição de movimento independente, que já fez enormes festivais sem polícia, nem segurança privada, velha conhecida nossa da USP, controlada por policiais – foi o que defenderam juntos o PSOL, PSTU e MNN, o que não surpreende, já que estão estrategicamente juntos no apoio às greves da PM por “melhores condições de trabalho”; a questão, também aqui, é a completa ausência da independência de classe. Devemos reverter o erro e seguir com o comando de greve submetido às assembleias e aos cursos, ampliando a participação com a eleição de novos delegados que representem verdadeiramente os estudantes.

A luta do movimento estudantil da USP tem de ser contra a presença da polícia e pela democratização da universidade. Também não podemos permitir que as decisões continuem sendo tomadas por uma burocracia de professores ligados a grandes empresas: temos de lutar pela dissolução do C.O. e do reitorado, e por uma estatuinte livre e soberana, com representação proporcional de estudantes, professores e funcionários. Somente com essa luta pela democratização radical da estrutura de poder na universidade, em aliança com os trabalhadores, e através da nossa autoorganização, será possível colocar a universidade a serviço, não dos lucros dos monopólios, mas das necessidades da classe trabalhadora e do povo pobre. Luta esta que só poderá ser efetiva com o fim do vestibular, um filtro racista e elitista.

Declaração de Marcelo Pablito e Diana Assunção

Como diretores do SINTUSP processados, e dirigentes da LER-QI, queremos dar as boas-vindas aos milhares de calouros que entram na USP. Para isso, no entanto, não podemos deixar de, em primeiro lugar, virar nossas atenções para as dezenas de milhares de jovens que acabam de ter seu acesso à universidade pública negado pelo vestibular. Esse é um dos principais exemplosdo elitismo do projeto de universidade que, já há muitos anos, os diferentes governos do estado, em nome dos grandes empresários paulistas, vêm, através da reitoria e da burocracia universitária, buscando aprofundar. Nós, da LER-QI, que integra a Juventude Às Ruas, nos orgulhamos de fazer parte do SINTUSP, pois esse sindicato vem sendo, ao lado do movimento estudantil, linha de frente na defesa dos interesses dos trabalhadores, e também da universidade pública. Foi assim em 2000, quando uma greve de mais de 50 dias das três categorias impediu a aprovação de um projeto de lei que previa a cobrança de mensalidades na USP, que agora volta com Rodas. Foram também as greves de estudantes e trabalhadores que garantiram o aumento de verbas; a reposição de parte significativa das perdas salariais de docentes e funcionários; a contratação de mais de 150 docentes para a FFLCH; a construção de um novo bloco para o CRUSP; a derrubada dos decretos de Serra contra a autonomia universitária. Há mais de uma década a reitoria vem impondo ataques, e somente graças ao movimento, e às greves da USP, que a imprensa tanto difama, ainda temos uma universidade pública. Mas ela segue sob ameaça, e nos últimos anos Rodas vem impondo medidas, ameaçando a organização política dos que resistem, e avançando sob a polarização da universidade. Por isso, para seguir defendendo a universidade, e poder passar à ofensiva, pela transformação da universidade, para que esteja a serviço dos trabalhadores e do povo pobre, chamamos todos a construir a Juventude Às Ruas, para atuar em cada mobilização para que ela seja vitoriosa, mas também, mais que isso, pra que sirva à construção de uma juventude revolucionária, ligada aos trabalhadores, que ajude a fazer com que sejam os capitalistas, e não nós, jovens e trabalhadores, a pagar por sua crise!

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