Sábado 18 de Maio de 2024

Internacional

Para Chirac, o tiro saiu pela culatra

Terremoto político no coração da Europa

15 Jun 2005   |   comentários

Depois de uma intensa e exaustiva propaganda estatal e midiática de grande envergadura a favor do “sim” , levada a cabo pela maioria do establishment político e sindical francês de direita e de centro-esquerda, o “não” acabou ganhando. Ainda que tenha sido um “não” heterogêneo, tanto do ponto de vista social como político ’ devido a que chamavam a rechaçar a constituição desde a extrema direita até a esquerda política e sindical, incluindo os trotskistas da Lutte Ouvrière, da LCR e do PT, além de ex-ministros social-democratas ’ o voto negativo tem fortes características operárias e populares. O “não” ganhou graças ao voto e ao apoio do eleitorado tradicional da centro-esquerda e da esquerda. “A França do ´não”™ e a França do desemprego são as mesmas” , era o título do Le Monde do dia seguinte. Segundo certas pesquisas, 80% dos operários e 67% dos empregados votaram pela negativa. O “não” foi visto pela juventude e pelos trabalhadores como uma ferramenta, tanto para rechaçar em bloco este projeto constitucional anti-operário e anti-popular, como para sancionar o odiado governo de Raffarin, Chirac e a Europa do capital com sua constituição abertamente neoliberal.

Chirac, a direita governamental e o Partido Socialista ficaram muito debilitados. Esta enorme pancada eleitoral deu um golpe em toda a classe política francesa.

Debilitou o presidente da república Jaques Chirac, que fica, no mínimo, na defensiva política até as eleições presidenciais de 2007, inclusive alguns analistas o descrevem como um morto político. Sua decisão de substituir o rechaçado primeiro-ministro Jean Pierre Raffarin pelo binómio Villepin-Sarkozy é uma solução de compromisso instável desenhada para evitar a divisão da direita governamental, entre a política gaullista clássica do primeiro e o caráter abertamente liberal do segundo. Entretanto, não somente o partido do governo sai golpeado do referendo, mas também é esse o caso da principal oposição, o Partido Socialista.

Enquanto a cúpula do partido chamou a acompanhar o “sim” , a maioria dos votantes socialistas optou pelo não, uma vez que o secretário geral fracassou em impor a disciplina aos defensores do não dentro deste partido.

O referendo mostrou um partido socialista profundamente dividido e com falta de liderança. Fabius, a principal referência do “não” dos socialistas, fortalecido pelo resultado do referendo, aspira encabeçar este partido. Porém sua fama de social-liberal, torna impensável uma regeneração esquerdista do PS sob sua direção.

O resultado da consulta significa um salto na crise dos mecanismos de representação democrático-burgueses, o que alguns cientistas políticos chamam o crescente abismo entre a “França legal” , a do establishment político, e a “França real” . Isto no marco de uma crise económica que se manifesta em um crescimento raquítico; crise social que se expressa no aumento do desemprego que chega a mais de 10%; e uma crise cultural e de identidade frente às mudanças que vêm ocorrendo na Europa nos últimos anos, como a incorporação dos países de Europa do Leste. Todos estes elementos, junto ao fracasso do establishment político em sua empreitada central que é a construção européia, abrem uma enorme brecha entre os de cima e os de baixo, que constituem os primeiros sintomas de uma tendência à crise orgânica em um dos países chave da União Européia. Em outras palavras, o ódio da população explorada e oprimida da França contra seus governantes abre um período de debilidade da classe dominante que pode ser utilizado pelo movimento de massas para passar à ofensiva.

Um golpe na unidade burguesa da Europa

O “não” francês à constituição européia, repetido com uma maior porcentagem em seguida na Holanda, deixa no ar o futuro da Europa unificada. A importância do que estava em jogo era clara para os principais dirigentes europeus, como o socialista Zapatero, o chanceler alemão Schroeder e até o presidente polonês, que não por acaso participaram e fizeram campanha a favor do “sim” na França. A derrota deste é também sua derrota. Pior ainda, o eixo franco-alemão, motor da construção européia, entra em uma fase crítica: divididos frente à constituição e com seus líderes em uma queda livre eleitoral, levarão tempo para recompor sua “insubstituível” aliança. Por sua vez, o referendo francês deixa mal localizado o presidente espanhol, José Luis Zapatero, que depois da virada eleitoral do 11de março tinha se somado entusiasticamente ao eixo franco-alemão.

O caos no qual entrou a União Européia se manifesta na queda do Euro, que reflete o nervosismo dos mercados frente à incerteza que se abre na direção política do velho continente. As futuras ampliações a países do Leste, como a Turquia, ficam em suspenso, ao mesmo tempo em que é provável que endureçam as condições para os países recentemente incorporados da Europa Oriental como a República Tcheca ou a Polónia. Neste cenário podem aparecer novas brechas e choques entre os países europeus que defenderão seus interesses mais encarniçadamente como na futura discussão do orçamento comunitário, aumentando a divisão. Vários jornais sérios já dizem que começa uma luta entre Chirac, que tentará se recompor fazendo demagogia contra “o liberal” Barroso, atual presidente da Comissão Européia, e em perspectiva contra Tony Blair, que como explicamos em La Verdad Obrera 163 (ver no site www.pts.org.ar) obteve uma vitória apertada nas últimas eleições na Grã Bretanha. Para completar esse quadro, a “eurocética” Grã Bretanha ficará com a presidência da União nos próximos seis meses.

Em última instância a crise política aberta no coração de Europa significa um duro golpe às aspirações contra-hegemónicas da burguesia européia e de seus governos frente à supremacia ainda indiscutível dos Estados Unidos.

Por uma política operária independente

Em vez de aproveitar esta oportunidade para levantar uma política de classe verdadeiramente, como poderia ter sido um voto classista e internacionalista pelos Estados Unidos Socialistas da Europa, a esquerda “trotskista” francesa chamou a votar “não” , localizando-se passivamente ’ no caso da Lutte Ouvrière ’ ou ativamente ’ no caso da LCR ’ a reboque dos partidários do “não” antiliberal entre os quais os que iam na linha de frente eram ex-ministros de Jospin como Buffet (PC) ou Mélenchon (PS) ou ainda o ex-primeiro ministro e ex-ministro da Economia Laurent Fabius. A vanguarda operária e juvenil que protagonizou lutas como as de fevereiro e março, podia encaminhar-se nesta perspectiva, evitando a canalização de sua energia em direção ao terreno do voto “não” .

Agora, frente à profundidade da crise aberta, a LCR se prepara para aprofundar esta unidade com a dissidência do PS e com a direção do PC buscando constituir partidos amplos anticapitalistas, que significam diluir e liquidar um programa e uma opção de classe atrás de uma frente anti-neoliberal com figurões que caem dos aparatos reformistas, que eventualmente serão futuros componentes de projetos de governo de “esquerda plural” como o que prepara na Itália o Refundação Comunista com relação a Olivo.

Frente a esta lógica neo-reformista ou reformista de esquerda se torna mais urgente do que nunca a necessidade de uma política operária independente que permita aos trabalhadores e ao povo aproveitar a debilidade de seus inimigos de classe. É necessário lutar pela máxima unidade entre trabalhadores do setor privado e do setor público, unidade esboçada durante os meses precedentes, e lutar antiburocraticamente para coordenar as lutas por baixo como tentaram fazer os secundaristas e, no nível da fábrica, os operários da Citroën-Aulnay. Esta será a premissa necessária para começar a construir uma relação de forças favorável para começar a pór em xeque os planos governamentais de Villepin tanto como as eventuais alternativas de esquerda de figurões do PS ou de Buffet. É imprescindível avançar na constituição de um verdadeiro partido revolucionário que levante uma alternativa de classe contra a Europa do capital, contra os velhos Estados nacionais e as saídas chauvinistas e pelos Estados Unidos Socialistas da Europa. Somente uma política deste tipo pode permitir sair do beco sem saída ao qual levam tanto a política do PC, defendendo renegociar o tratado pela Constituição, como a esquerda “trotskista” francesa reclamando a “refundação social e democrática” da Europa. Trata-se, isto sim, de destruir a reacionária UE erguendo a bandeira dos Estados Unidos Socialistas da Europa, uma luta ligada ao combate contra as patronais e os governos de cada país europeu e que só pode ser efetiva se unifica os trabalhadores dos países imperialistas do velho continente com seus irmãos proletários dos países semicoloniais ou em processo de semicolonização recentemente integrados do Leste da Europa.

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