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Mulher

MULHER

Patriarcado, capitalismo e socialismo

06 Apr 2008 | Nos dias 6 e 7 de março, Andrea D’Atri, dirigente do PTS e integrante da agrupação Pan y Rosas, participou de um fórum no CIM de Caracas (Venezuela) para discutir a relação entre patriarcado, capitalismo e socialismo. Integraram a mesa a ativista norte-americana Selma James da Global Women Strike (Greve Mundial de Mulheres), Rosalind Boyd fundadora da revista canadense Labour, Capital and Society e a socióloga feminista Jessi Blanco, professora da UCV e diretora da revista MATEA da Venezuela. Abaixo, reproduzimos as palavras de Andrea D’Atri.   |   comentários

A opressão das mulheres é anterior ao surgimento do capitalismo e inclusive sobreviveu nos estados onde se instaurou a ditadura do proletariado. Isto levou a sustentação de distintas posições que consideramos equivocadas. Por um lado, a idéia de que se o patriarcado, que mantém a opressão de cerca de metade da humanidade, não surgiu com o capitalismo, então a luta das mulheres por sua emancipação não se encaixa na esfera da luta de classes. Por outro lado, a idéia de que se nos países chamados “socialistas” ainda persistia a opressão das mulheres, ficava claro então que o marxismo era “cego ao sexo” e que as mulheres nada podiam esperar da revolução social. Quero abrir uma reflexão sobre estas questões.

Vejamos primeiramente o que diz respeito ao capitalismo. É certo que a opressão das mulheres não surge com o capitalismo. Sua origem pode situar-se com a aparição da propriedade privada e a divisão da sociedade em classes. Entretanto, o capitalismo soube conservar a estrutura patriarcal e milenar da família e com ela, a manutenção de uma submissão das mulheres, para usá-la em seu benefício.

Hoje, atacar o coração do capitalismo que se sustenta na superexploração de milhões de seres humanos para garantir os lucros exorbitantes de um punhado de parasitas, obriga a colocar no centro da questão a opressão das mulheres. E porquê?

A nível internacional, as mulheres proporcionam dois terços das horas trabalhadas e recebem apenas 10% da soma dos salários do mundo todo. As mulheres assalariadas recebem salários que oscilam entre 40% e 80% do salário dos homens. Na avançada União Européia, a taxa de desemprego feminino é 30% superior a dos homens. Na à frica, 75% dos trabalhos agrícolas é realizado por mulheres, que recebem menos de 10% dos créditos destinados aos pequenos camponeses. As zonas francas em todo o mundo empregam 43 milhões de pessoas, das quais mais de 80% são mulheres entre 14 e 28 anos, cuja média de vida trabalhista ’ pelas péssimas condições de trabalho ’ não supera os sete anos. Atualmente, para cada cinco famílias no mundo existe uma casa constituída por uma mulher solteira com filhos.

Quem pode acreditar que num mundo como este que descrevemos é possível adquirir lenta e evolutivamente os direitos à igualdade? Estes números aterrorizantes nos diferenciam bastante de outros tantos milhões de homens também jogados na miséria, e nos diferenciam mais ainda das poucas mulheres e homens que pertencem a essa minoria de 225 famílias que concentram a mesma riqueza concentrada em metade da humanidade.

E também, quem pode acreditar que um mundo como este que descrevemos pode transformar-se com a revolução individual dos valores da diferença, com a criação e o exercício de uma contracultura não patriarcal reproduzida nas margens do sistema?

O regime democrático burguês é a máscara da ditadura do capital. Não existe democracia no mundo, nem a mais radical, nem a mais pluralista delas que, sem tocar a propriedade privada dos meios de produção, consiga eliminar estas profundas desigualdades que pesam nas costas das mulheres.

E se hoje em dia, nos países imperialistas, cada vez mais atividades antes assumidas no seio do lar, tem-se convertido em serviços feitos por terceiros (empresas privadas, serviços públicos, etc), no mundo semicolonial, muitos produtos e serviços antes feitos pelo Estado tem sido reassumidos pelo trabalho doméstico a partir das privatizações (o desmantelamento e deteriorização dos serviços públicos) caindo nas costas das mulheres.

Segundo um informe de 1995 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o trabalho doméstico não remunerado aumentava quase a metade do PIB mundial e este trabalho, como sabemos, recai quase em 99% nas mulheres e nas crianças, que constituem 70% dos 1300 milhões de pobres do planeta. Essa enorme massa de trabalho gratuito beneficia de forma direta aos membros da família que se valem dele para alimentar-se, vestir-se, etc. Mas indiretamente, permite que os salários dos trabalhadores não represente nem sequer o equivalente a quantidade de trabalho socialmente necessário para produzir e reproduzir sua força de trabalho.

Grande parte deste “custo de manutenção” da classe trabalhadora mundial, o absorvem as mulheres, condenadas a realizar as tarefas domésticas que o patriarcado estabeleceu como “naturais” para elas. O capitalismo tem retomado os prejuízos patriarcais para converter as mulheres, como disse Flora Tristán, nas proletárias do proletário.

Por isso, a classe trabalhadora que deseja libertar-se das cadeias da exploração não somente deve enfrentar o fetichismo da mercadoria. Também deve descobrir que, parafraseando Marx, não pode libertar-se quem oprime a outros. E que a luta pela emancipação das mulheres do jugo da opressão patriarcal não é uma causa a que se deva aderir por solidariedade. O trabalhador que compreenda esta pérfida equação entre a exploração da força de trabalho e a opressão das mulheres, fundada centralmente em seu trabalho remunerado, está dando um passo adiante no caminho de sua liberdade.

Porém haviamos falado, no príncipio, de outra questão que faz parte dos temas a debater neste fórum: o marxismo é cego ao sexo? Por acaso os chamados “países do socialismo real” não demonstraram que o patriarcado é implacável e eterno? Há aqui uma discussão muito interessante.

Dizia Stálin que com a tomada do poder, o socialismo estava consumado em suas nove décimas partes. E Trotsky, contestando esta teoria imbecil, dizia “A conquista do poder pelo proletariado não significa a coroação da revolução, senão simplesmente o seu início” . Por isso advertia sobre dezenas de problemas económicos, políticos, sociais e culturais que não se podiam resolver mecanicamente e que incluíam, entre outros, as relações entre homens e mulheres.

Que importância tem agora este debate? Tem a importância de tirar as lições desta experiência histórica quando, hoje em dia, voltamos a discutir a luta por uma sociedade socialista.

Se o socialismo já estava quase consumado, como dizia a burocracia stalinista, então não era necessária a participação ativa das trabalhadoras e dos trabalhadores na resolução de seus problemas. O primeiro passo, então, seria eliminar a auto-organização das massas, debilitando sua participação nas transformações revolucionárias.

Se o socialismo já estava consumado, o perigo da restauração é quase inexistente ou mínimo. Portanto, não existe um combate permanente contra as forças da reação internacionais que se expressam na sociedade de transição.

Se o socialismo já estava consumado, esta sociedade de transição com seus traços do passado (incluindo os preconceitos sexuais) é o modelo e não algo que tenha que se transformar de maneira revolucionária.

Se o socialismo já estava consumado, então, existiria uma homogeneidade social da classe trabalhadora que permitiria que pudesse ser representada por um partido único. Ou seja, se nega a existência de camadas diferentes de explorados, com interesses diferentes e com relações de desigualdade entre elas.

Se o socialismo já estava consumado, qualquer colocação crítico revolucionário poderia ser considerado um ataque contra-revolucionário de agentes da reação e do imperialismo.

Porém o socialismo não estava consumado. Se tratava de uma sociedade de transição, se tratava da ditadura do proletariado. E mesmo assim, a revolução socialista de 1917 conseguiu o direito ao aborto, a emancipação da tutela dos maridos, a igualdade entre união e matrimónio civil, salário para as mulheres sob licença por maternidade ou doença, etc. As barbaridades que depois fez o stalinismo não estavam escritas nas bandeiras da revolução de outubro. Em 1936 proibiu o aborto, outorgou medalhas às mulheres que tiveram mais de 10 filhos, perseguiu os homossexuais e as mulheres em situação de prostituição, enalteceu o modelo da família tradicional e a figura do Pai Stálin, lider indiscutível. E criou enormes diferenças sociais entre as mulheres esposas dos burocratas a as milhões de mulheres trabalhadoras. Para tudo isso foi necessário empreender uma contra-revolução e liquidar a geração que havia encabeçado a Revolução de Outubro, confinando-os nos campos de trabalho forçado, ao exílio ou fuzilando-os. As sociedades em transição implicam a luta viva entre as forças da revolução e as da contra-revolução. Uns podem não desejar passar por esta etapa dificil na construção do socialismo. Mas é inevitável.

Atualmente, as teorias da moda de democracia radical e pluralista nos dizem “para que atravessar esse perigo que pode nos levar ao totalitarismo?” . Para eles é melhor embelezar a democracia burguesa, que como dizemos, continua sendo a ditadura do capital. Outras teorias, escapando também desta dificil tarefa de atravessar a criação de um estado transicional, o estado operário, nos dizem que é melhor propor a autonomia. Uma teoria atual mas também tão velha como a dos socialistas utópicos, criticados em meados do século XIX não somente por Marx e Engels mas também por Flora Tristán, por pretender criar comunidades ideais à margem do sistema social e económico imperante a nível internacional.

Como dizia Trotsky em 1923, se realmente queremos transformar a vida, devemos enxergá-la através dos olhos das mulheres. Hoje, constituímos uma força vital da classe trabalhadora mundial, como nunca antes. E somos o setor mais explorado da classe, a enorme maioria dos milhões de pobres que habitam este planeta depredado pelo capitalismo. Extrair as lições da maior experiência revolucionária que teve a classe trabalhadora, se impõe como uma tarefa fundamental de todas e todos os que aspiramos a uma sociedade liberada definitivamente das cadeias da exploração e opressão que pesam duplamente sobre as mulheres.

Traduzido por Diana Assunção

Pan y Rosas é uma agrupação de mulheres impulsionada pelo Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) na Argentina

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