Sexta 3 de Maio de 2024

Debates

PCO: chavismo envergonhado

16 Aug 2007   |   comentários

No texto “liberal-trotskismo” , publicado pelo PCO para discutir contra nossas posições acerca da não renovação pelo governo Chavez da concessão à rede de Televisão RCTV, os autores afirmam corretamente que esta ação do governo Chavez provocou uma “confusão na esquerda” . Infelizmente, ao invés de ajudar a esquerda revolucionária a clarificar o debate e avançar numa resposta correta de como combater o governo burguês de Chavez, o PCO embaralha ainda mais a discussão política, mostrando que é parte desta esquerda confusa.

Em nossa última Conferencia Internacional da FT-CI, propusemos à LIT, ao POR boliviano e à CRCI, que é a organização internacional da qual faz parte o PCO, uma campanha unificada para ajudar o movimento de massas latino-americano a superar suas ilusões no chavismo e combater as posições das correntes que se reivindicam revolucionárias e trotskistas, como algumas correntes internas do PSOL, o MST argentino e em especial o trotskismo venezuelano, mas que desgraçadamente apóiam e reivindicam o governo burguês de Chavez e sua suposta “revolução bolivariana” . O PCO não nos respondeu acerca desta proposta e agora compreendemos por que não aceitou. É que, infelizmente, sua posição em relação à RCTV se aproxima à posição destes setores do trotskismo que apóiam o governo de Chavez, como vamos demonstrar neste texto. Para ocultar esta posição e se manter no espaço do trotskismo, colocando as demais correntes que nos reivindicamos dessa tradição a sua direita, o PCO chama a LER-QI de “liberal trotskista” e faz uma manobra para colocar a LIT e o PSTU no mesmo saco que o PSOL, quando na realidade estes corrigiram suas posições e adotaram uma política essencialmente correta.

Ao contrário do PCO, que não contesta um só dos múltiplos argumentos que nossa corrente desenvolveu nas suas declarações, vamos colocar os fundamentos que demonstram o erro da sua posição. O que fazemos para contribuir, na vanguarda operária e estudantil, à luta política contra o chavismo e as correntes chavistas latino-americanas.

Petróleo não é a mesma coisa que televisão

É emblemático o argumento do PCO, ao justificar que Chavez fechou somente a RCTV e se aliou a outros magnatas da telecomunicação: “quando no Brasil o povo lutou pela nacionalização do petróleo, não ocorreu a ninguém se colocar contra porque não seriam nacionalizados todos os setores energéticos” . Quando um governo burguês nacionalista estatiza algum setor estratégico da economia, atacando os interesses de grupos económicos imperialistas, cujo exemplo clássico deste tipo de medida foi a estatização do petróleo pelo governo Cardenas no México da década de 30, cabe aos revolucionários apoiar criticamente esta ação. Criticamente, por que lutamos contra o imperialismo não para que o estado burguês semicolonial administre a economia do país, mas sim para que numa semicolónia os trabalhadores o façam, derrotando o imperialismo e o próprio estado burguês. Por isso apoiamos criticamente este tipo de medida sem deixar de denunciar os seus limites -dado pelo caráter burguês de classe do estado- e lutar pelo controle operário sobre a empresa estatizada. Mas uma coisa é o estado burguês semicolonial controlar o petróleo do país, e outra bem distinta é que o estado controle os meios de comunicação, que serão utilizados para censurar os trabalhadores e estender seu domínio ideológico sobre as massas. Fazendo essa comparação, é evidente que o PCO desconsidera o caráter de estado e não entende ou não se interessa pelas liberdades democráticas do movimento de massas que são colocadas em jogo com essa medida.

Ao denunciarmos o governo Chavez, que ao mesmo tempo em que fecha a RCTV preserva um magnata das telecomunicações como Cisneros, não o fazemos por defender que o correto seria Chavez cortar a concessão de todos os canais de televisão, como propõe o PCO. O fazemos justamente para denunciar como a medida de Chavez é sim um ataque à liberdade de expressão, já que ele permite que um canal golpista como o de Cisneros siga funcionando, pois este agora se converteu num apoiador do governo, enquanto a RCTV se mantém opositora. O fazemos porque entendemos profundamente as lições de Trotsky, no sentido de não apoiar medidas bonapartistas que seguramente se voltarão contra o movimento de massas, mesmo que no início sejam dirigidas contra um setor burguês.

Liberdade de expressão e independência de classe

Para elaborar uma política que sirva para combater o monopólio das telecomunicações por um punhado de magnatas, buscamos nos apoiar nas lições deixadas por Trotsky quando afirma que “qualquer restrição da democracia na sociedade burguesa é, em última análise, invariavelmente dirigida contra o proletariado, assim como qualquer imposto que se imponha recai sobre os ombros da classe operária” [1].

A medida de Chavéz ajuda os trabalhadores venezuelanos na sua luta contra os golpistas e os magnatas das telecomunicações e deve ser apoiada? Se temos acordo com a definição de Trotsky, não. Apesar de apresentar as coisas de uma forma um tanto quanto mascarada, o PCO defende que devemos sim apoiar criticamente a medida de Chavez: “Não é necessário apoiar o programa, os objetivos e as intenções de Chávez para compreender que esta medida atinge um dos maiores e mais reacionários monopólios que existem no mundo hoje.”

Para escapar do inconveniente de ter que acusar o próprio Trotsky de liberalismo, o PCO tenta justificar sua posição de adaptação ao governo Chavez com o argumento inegável de que “as idéias do trotskismo eventualmente têm que levar em consideração as mudanças tecnológicas para serem concretas.” É certo, como afirma o PCO, que além da restrição financeira que impedem os trabalhadores de terem seus próprios jornais, no caso das televisões e das rádios existe um impeditivo jurídico para garantir o monopólio das telecomunicações, o que limita ainda mais a já restrita liberdade de expressão da democracia burguesa. Mas o que o PCO é incapaz de explicar é por que o fechamento de uma rede de televisão pelo governo Chavez ataca este monopólio. Na realidade, é uma medida que reforça o monopólio dos meios de telecomunicação pela burguesia que apóia ou é parte do governo de Chavéz -como o magnata Cisneros- reforçando o controle do estado burguês em geral sobre eles.

Quem deve expropriar os canais de televisão?

Em 2006, no México, os professores e o povo de Oaxaca, e não o PCO, ajudou a atualizar a teoria marxista ao tomar das mãos da burguesia as emissoras de rádio e televisão, demonstrando o inegável papel estratégico destes instrumentos para a luta revolucionária. Responderam à preocupação do PCO, mostrando de fato como os avanços tecnológicos nas telecomunicações, são uma grande ajuda quando são postas ao serviço da luta dos trabalhadores e o povo. Esse é o caminho que os trabalhadores e o povo de Oaxaca mostraram aos operários venezuelanos para combater o monopólio das telecomunicações, mas para isso será preciso ainda que superem suas ilusões no governo Chavéz.

Ao contrário do PCO, nossa organização internacional defende, junto com Trotsky que “Longe de ir atrás de medidas bonapartistas contra a liberdade de imprensa, ainda que seja contra um meio reacionário, a classe operária deve confiar somente nos seus métodos de luta e forjar seus espaços e instrumentos midiáticos conquistados pela sua própria luta e métodos de ação direta, como fizeram os trabalhadores e o povo de Oaxaca, colocando-os a serviço da sua luta, porque cedo ou tarde este tipo de medidas governamentais também se voltarão contra ela” [2]. Por sua vez o PCO afirma: “cabe à classe operária e sua vanguarda elaborar um programa onde conste a cassação de todas as concessões, tenham ou não apoiado um golpe militar e a levantar a reivindicação, que deve ser apoiada pela mobilização revolucionária das massas de distribuição democrática dos horários e das redes locais para as instituições representativas do povo.” Mas quem deve cassar as concessões? Essa é a questão fundamental que deve constar num programa operário independente.

Para o PCO não há nenhuma diferença entre as medidas tomadas por cima pelos representantes do nacionalismo burguês, que reforçam seu caráter bonapartista, em relação às mesmas medidas impostas pelas massas com sua luta e seus próprios métodos. O poder soviético, para enfrentar a contra-revolução que levantava a cabeça, tirou de circulação os jornais burgueses que funcionavam como ferramentas para a organização de um exército contra-revolucionário. Não podemos mais do que reivindicar esta medida e o direito do estado operário de se defender da contra-revolução baseado na democracia operária, inclusive restringindo a “liberdade de imprensa” para aqueles que a utilizam para organizar um exército contra-revolucionário. Coisa bem distinta é reconhecer o direito do estado burguês de cassar todas as concessões, o que criaria na realidade o monopólio estatal dos meios de comunicação, que seriam usados, sem dúvida, para calar a voz dos operários. Aliás, como já é feito hoje pelos canais estatais na Venezuela, que sequer divulgaram a paralisação dos trabalhadores do estado de Aragua em apoio à ocupação da fabrica Sanitários de Maracay, que foi reprimida pela polícia de Chavez. Isso deve bastar para fazer o PCO lembrar que um dos pilares do marxismo revolucionário é não esquecer que o estado se define pelo seu caráter de classe. Daí que a medida de Chavez é bonapartista enquanto a mesma medida imposta pelos bolcheviques era democrática revolucionaria.

A questão mais urgente hoje na Venezuela é levantar uma política que ajude os trabalhadores a avançar na sua independência de classe e superar suas ilusões no chavismo. Infelizmente, não só os trabalhadores estão iludidos com Chavez, como a própria esquerda que se reivindica trotskista também, com a diferença de que algumas correntes o fazem de forma aberta, descarada e outras em forma envergonhada como o PCO. Na Venezuela, o PRS chamou a votar em Chavéz e abriu negociações para participar do partido que este está criando, junto com setores empresariais, com o objetivo de controlar ainda mais o movimento de massas. Acreditamos que o PCO não compartilhe com esta política liquidacionista das organizações revolucionárias, no entanto, tanto o PCO quanto sua corrente internacional, chegaram a chamar o voto em Evo Morales na Bolívia. Os chamamos a rever as posições de apoio aos governos burgueses com demagogia de esquerda na América Latina e se somarem à campanha que propomos desde a Fração Trotskista para combater o chavismo, com os seguintes pontos fundamentais: 1) contra as falsas nacionalizações de Chavez, lutar pela nacionalização sem indenização de todas as indústrias estratégicas, sob controle e gestão operária; 2) lutar por um partido operário independente para que a classe operária comece a ter influência na vida política nacional contra todas as variantes do reformismo e do nacionalismo burguês; 3) a perspectiva de um governo operário, camponês e do povo pobre como única via real para dar passos à resolução das principais demandas operárias, camponesas e populares, contra toda a enganação do “socialismo do século XXI ” .

[1Trotsky, “Liberdade de imprensa e classe operária”

[2“Diante das medidas de Chavez contra a RCTV e as mobilizações da reação” , texto da JIR, organização da FT-CI na Venezuela.

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