Sábado 4 de Maio de 2024

Mulher

ACREDITAR NAS LEIS OU EM NOSSAS PRÓPRIAS FORÇAS?

O Estado e a violência contra a mulher

04 Dec 2008 | O debate sobre a violência contra a mulher, a cada dia se faz mais necessário. Isso porque a crise “econômica” que assola os países do mundo inteiro, também tem suas consequências na degradação e no aprofundamento da violência social. Não à toa, no último período, aumentaram os índices de estupro e de assassinatos de mulheres e meninas em todo o país. Só no Paraná, em 10 dias, 4 meninas foram estupradas e assassinadas. É preciso entender a serviço do quê está essa situação aterrorizante na qual se encontram as mulheres, sobretudo as pobres e as trabalhadoras.   |   comentários

Mal de muitas... problema de quem?

Todos os anos, 6 mil mulheres são morrem na América Latina em decorrência de abortos clandestinos. A cada 15 segundos uma mulher é espancada por um homem no Brasil. Por ano, 100 mulheres morrem no país vítimas de “violência doméstica” . Dentre as mulheres que sobrevivem, apenas 40% denunciam os agressores (sabendo que pra cada caso denunciado existem 3 que permanecem ocultos). Isso tudo sem dizer que 70% da população pobre são mulheres e crianças, e quase metade das trabalhadoras no Brasil estão precarizadas, terceirizadas ou ganhando menos do que os homens.

Mais do que um problema que pode ser considerado “individual” existe uma forte ligação entre este aterrorizante cenário de violência que nós mulheres sofremos, com um sistema que tem como fundamento a exploração de milhares de seres humanos em benefício de um punhado de parasitas capitalistas. Há quem acredite que essa violência contra as mulheres se reduz a determinados “setores sociais” , que seus executores devem ser considerados como “doentes” ou “loucos” , ou ainda, que as vítimas devem ter feito “algo” pra lhes ocorrer isso... mas o fato é que nenhum desses casos acontece isoladamente: essa violência acontece numa sociedade onde nós mulheres ocupamos um papel subordinado.

A existência da propriedade privada dos meios de produção, defendida através da violência pela classe dominante contra todos os explorados, condenou as mulheres a serem um grupo subordinado socialmente. O que nos difere biologicamente dos homens tem sido justificativa à responsabilidade pelo cuidado com os filhos e do lar - considerado nosso local por excelência - para fazermos de graça todo o serviço doméstico (alimentação, vestimenta, cuidado com filhos e idosos) socialmente necessário à reprodução da força de trabalho.

O trabalho doméstico, que representa 50% do PIB nacional, não é remunerado e contribui para aumentar os lucros dos capitalistas que, ao naturalizarem as tarefas domésticas nas costas das mulheres, se eximem de garantir creches, lavanderias e restaurantes comunitários que mantenham em condições de exploração seus assalariados. E então, quando precisam de mão-de-obra mais barata, somos recrutadas para o mercado de trabalho, ocupando postos precarizados, muitas vezes exercendo a mesma função de um homem por salários menores.
As formas de perpetuar essa ideologia são diversas: através da disseminação do machismo entre as fileiras da classe trabalhadora, com a mídia burguesa configurando uma imagem esteriotipada da mulher como um objeto sexual para desfrute de terceiros e também através da violência.

A violência contra as mulheres se origina, se sustenta, se justifica e se legitima na desigualdade socialmente construída entre os gêneros e entre as classes nesta sociedade de exploração. Entretanto, existem aqueles que insistem em tratar a violência como algo individual. Quantas vezes não ouvimos que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” ? Falar de “violência doméstica” é, na verdade, uma operação ideológica que quer nos fazer crer que se trata de um assunto privado, no qual ninguém deve se meter... Mas porque essa ideologia é funcional ao capitalismo?

As leis do Estado burguês

Para mostrar mais concretamente quais as consequências de enxergar a violência contra a mulher apenas de um ponto de vista “doméstico” ou “familiar” , voltemos a 2006, quando foi sancionada no Brasil, pelo presidente Lula, a chamada “Lei Maria da Penha” , que busca tornar o processo de punição aos homens mais rápido, pois prevê que os agressores sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada.

Maria da Penha foi uma mulher que lutou durante 20 anos para conseguir que seu marido fosse preso pelo fato de ter atirado nela e a deixado paraplérgica. Aí começa o primeiro absurdo. Vejamos: é necessário que uma mulher violentada e quase assassinada passe 20 anos clamando por justiça? Na democracia burguesa sim! O Governo Lula, pouco preocupado em se enfrentar com o problema da violência, se utilizou desse exemplo de situação a qual uma mulher é submetida, para fazer parecer que tem alguma preocupação com a situação das mulheres, e com isso, o Brasil aparece em 1º lugar na lista da ONU das leis mais “avançadas” da América Latina na luta contra a violência às mulheres. Não podemos deixar de lembrar também, já que não se trata de simples “coincidência” , o fato de que a ONU ao lado do governo Lula também diz que quer acabar com a violência no Haiti, e para isso mandaram suas Tropas numa “missão de estabilização e paz” no país, onde são esses soldados que estupram e assassinam as mulheres e meninas haitianas.

Devemos lembrar também que são os policiais (!!) que atendem as mulheres em situação de violência segundo a “Lei Maria da Penha” . A polícia é o aparelho repressor do Estado que defende a propriedade privada, e para isso assassina quem tiver que assassinar. Aqui é importante ressaltar que se a ONU diz que o Brasil está em 1º dentre as melhores leis contra a violência às mulheres, vale lembrar que o Brasil também está em 1º lugar dentre os países com a polícia mais assassina do mundo. Somente no Rio de Janeiro a polícia mata 3 pessoas por dia e é responsável por 18% das mortes. Que contradição é essa? Para o Estado não há contradição nenhuma, já que não considera que a violência de suas forças repressivas contra os oprimidos e explorados seja um problema das mulheres.

É necessário lutar contra todas as formas de violência exercidas contra as mulheres, que se expressam com os estupros, abusos, espancamentos e assassinatos, mas também se expressam com a repressão policial, a subordinação imposta pela Igreja, a proibição de direitos como o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, o salário menor pelo mesmo serviço, o assédio sexual e moral dos patrões, chefes e gerentes que acham que somos sua propriedade, a escravidão das trabalhadoras imigrantes, o sequestro de mulheres pelas redes de prostituição, a utilização da imagem da mulher como um objeto sexual para o desfrute de terceiros.

Todas essas formas de violência atingem muitas mulheres. Mas é um problema de quem? Como se resolve? Qual é a saída? A saída da burguesia, sustentada pela classe dominante e pelo Estado, é a saída que propõe nos dizer que os culpados são os homens que nos violentam. Isso por dois motivos: o primeiro é que não consideram todas essas outras formas de violência como violência contra as mulheres, e o segundo é que a “violência doméstica” para eles não é um problema social, mas sim doméstico, familiar, individual, do homem, companheiro, marido, contra a mulher.

A “Lei Maria da Penha” expressa em certa medida esse cenário. Para resolver a situação de violência a qual estão sujeitas as mulheres, o Estado prende o homem, pois não se considera responsável pela situação de miséria que se encontram as mulheres e homens trabalhadores, e considera que o culpado direto é o homem. Exigiremos sempre a punição dos violentadores e a necessidade de auto-organização da classe trabalhadora e de auto-defesa das mulheres. Entretanto é evidente a maneira como a classe dominante se utiliza da violência pra dividir a nossa classe.

Quando um trabalhador violenta sua companheira, isso enfraquece a luta da classe trabalhadora. Mas porque? Por que essa mulher perde a confiança em suas próprias forças, retrocedendo também o horizonte da liberação de todos os explorados. Afinal, como uma mulher violentada pelo seu próprio companheiro pode se enxergar enquanto classe, da qual ele também faz parte? É contra isso que também devemos lutar, contra a ideologia burguesa dentro de nossa classe, e portanto pelo fortalecimento de nosso programa. Lutemos para que os sindicatos incorporem em seus programas a luta contra a violência as mulheres.

Por tudo isso, é muita hipocrisia que o Governo Lula siga dizendo que está protegendo as mulheres com uma lei, ao mesmo tempo que compõe um Estado que sustenta essa violência contra as mulheres. A “Lei Maria da Penha” poderia ser a melhor lei contra a violência às mulheres, mas mesmo assim seria incapaz de resolver nossos problemas já que faz parte da política de um Estado que para existir necessita da violência contra os explorados e oprimidos, e portanto, contra as mulheres. Senão, como explicar que mesmo com a “Lei Maria da Penha” , as mulheres seguem sendo violentadas nessa sociedade de exploração?

Mulheres, é preciso acreditar em nossas próprias forças!

É necessário ter uma política independente diante do Governo: exigir que as mulheres tenham refúgios e casas de abrigo temporárias garantidas pelo Estado, mas controladas pelas próprias vítimas, por organizações de mulheres e trabalhadores, e sem a presença da polícia. Também ajuda de custo para as desempregadas vítimas de violência e licença de trabalho para todas as vítimas. Assim como saúde pública de qualidade e atendimento psicológico para todas.

Chamamos a Conlutas a impulsionar uma ampla campanha contra todas as formas de violência contra a mulher! Consideramos que essa é uma batalha que devemos travar, pois não temos dúvidas de que serão as mulheres, sobretudo as trabalhdoras, as que estarão na linha de frente dos próximos enfrentamentos de classe!

Fernanda Figueira é assistente social formada pela PUC-SP e integrante do Núcleo Pão e Rosas

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