Sexta 26 de Abril de 2024

Internacional

Chile, 30 anos depois do golpe militar

Lições do processo revolucionário chileno

11 Sep 2009 | Em 11 de setembro completava-se 30 anos do sangrento golpe de Estado de Pinochet, da direita e do imperialismo contra os trabalhadores e o povo chileno. Como nunca antes, retoma-se o debate sobre o processo e os balanços, sobre as causas e conseqüências deste golpe, como se expressa nos massivos atos, marchas, seminários e palestras sobre o tema, não só no Chile, mas também internacionalmente. Isto, num momento em que os trabalhadores, o povo pobre e a juventude no Chi-le começam novamente a colocar-se de pé e a enfrentar os planos e políticas patronais do governo da “Concertación” e da direita, como se evidenciou na Greve Nacional de agosto passado – a primeira desde a ditadura e dos governos desta democracia para ricos. Compreender o processo da revolução chilena – e tirar as lições revolucionárias do mesmo – com o governo da Unidade Popular (UP), as políticas da esquerda e a criação de embrionários organismos de duplo poder – como os “Cordões Industriais” –, entre outras coisas, é chave para entender o verdadeiro significado do que esteve em jogo no Chile.   |   comentários

Os antecedentes históricos: um momento de ascenso operário e popular

O ascenso revolucionário chileno começou vários anos antes do triunfo eleitoral da Unidade Popular (UP)2. Já nos anos 60 o movimento operário e os camponeses vinham protagonizando um aumento em suas lutas e organização e sucediam-se as greves e ocupações de terras e uma sindi-calização crescente, enquanto o movimento estudantil protagonizava uma luta progressiva pela reforma universitária, num profundo processo de radicalização. Desta forma, se expressava no Chile a situação de ascenso mundial da luta de classes e que teve entre seus pontos altos o Maio Francês, a derrota imperialista no Vietnã, o “Cordobazo” argentino e as lutas gerais na América Latina, entre outros.

Este primeiro ascenso teve uma resposta da burguesia chilena que, atemorizada, tentou deter ’ mediante os partidos políticos tradicionais ’ esse processo, ensaiando políticas de contenção na tentativa de cooptar e desviar a experiência dos trabalhadores e do povo chileno. Porém, o processo de ascenso operário e popular não podia ser detido facilmente. Por isso a burguesia e o imperialismo se preparavam para a contra-revolução, e ensaiaram uma primeira tentativa reacionária: em 1969 um setor do Exército se levanta como uma primeira advertência.

O governo da UP: uma frente de colaboração de classes

Em 4 de setembro de 1970 Allende e a Unidade Popular vencem as eleições, um triunfo que era a expressão eleitoral do ascenso e da radicalização dos trabalhadores e do povo. Mas, qual era o caráter e a política de Allende e da UP? Deve-se observar que o governo da UP tomou importantes medidas agressivas contra o imperialismo. Primeiro, foi a nacionalização do cobre, principal riqueza do Chile em poder de multinacionais, em seguida a nacionalização do salitre e do carvão. Também foram nacionalizados os bancos ’ embora respeitando os interesses do capital financeiro, já que houve a compra, por parte do Estado, das ações dos bancos, e não uma expropriação direta ’ e foram nacionalizadas várias empresas imperialistas, entre as mais importante o monópolio de comunicação ITT que seria uma peça fundamental na preparação do golpe. Simultaneamente, se aprofundou o processo de reforma agrária. Também se criou a “Ã rea de Propiedade Social” , que incluiu mais de 90 empresas estratégicas na produção e se absorveu uma importante quantidade de mão de obra industrial. Isto incluiu também uma série de políticas que favoreceram os trabalhadores e o povo pobre, como um importante aumento de salários, a queda da taxa de desemprego e uma política habitacional para resolver o problema dos sem teto.

Mas este não era um programa revolucionário, apesar de seus elementos progressivos. Os objetivos de Allende e da UP não eram acabar com a exploração capitalista, construindo uma sociedade sem explorados nem exploradores, mas sim criar uma democracia burguesa aprofundada. É por isso que o programa da UP se mantinha dentro dos marcos do regime burguês de domínio. “Nenhum passo se daria sem a prévia consulta, consenso e aprovação por parte do maior partido da burguesia chilena ’ a Democracia Cristiana (DC) ’, tampouco sem a aprovação dos guardiães da Constituição que a DC exigiu e a UP admitiu como tais ’ as Forças Armadas.

Definitivamente, toda mudança se daria nos marcos de uma estratégia e uma política de colaboração de classes. E essa é a essência de uma Frente Popular: o caráter do governo da UP era frentepopulista. Esse caráter se materializaria nos permanentes chamados à “Democracia Cristã (...) e finalmente, na conformação dos gabinetes cívico-militares. Ainda que no governo não estivessem os representantes tradicionais da burguesia, os políticos dos partidos burgueses, estes atuariam através de seus representantes armados, os comandantes em chefe das três juntas (militares).

A estratégia da colaboração de classes, isto é, a da submissão e subordinação à classe burguesa e ao imperialismo, se expressava politicamente desta maneira e se selava no compromisso de não instaurar a ditadura do proletariado e defender com unhas e dentes a “democracia” 3. O governo da UP, portanto, tentou conciliar interesses de duas classes irreconciliáveis ’ a burguesia e a classe operária ’, transformando-se numa trava para os interesses dos trabalhadores e do povo, já que não questionaram o problema do poder e da direção do Estado e, utilizando a linguagem da “moderação” em função de não “assustar” os partidos do regime, ou seja, os patrões e o imperialismo, facilitaram o golpe, mantendo intacto, por exemplo, um dos principais pilares do Estado burguês ’ as Forças Armadas ’ que foram incluídas nos ministérios e eram mostradas como exemplo de “cons-titucionalismo” e profissionalismo.

Os preparativos do golpe e a formação dos Cordões Industriais

Como dizíamos, a patronal assustada pelo ascenso operário e popular começou quase desde o início da UP a ensaiar suas medidas para deter este processo. Seja num um primeiro momento dentro da “legalidade burguesa” e pelas mãos de seus partidos políticos, impondo travas a determinadas medidas de caráter progressivo da UP, ou, uma vez que entenderam que isto não bastava, preparando diretamente as forças da reação. Por um lado, formaram suas brigadas de choque fascistas sob o nome de “Pátria e Liberdade” . Por outro, conspiravam e ensaiavam respostas ’ tanto económicas, como o desabastecimento ’, como armadas, com ensaios de golpe junto com o imperialismo. Tratou-se de uma verdadeira aliança entre o imperialismo, a burguesia e seus partidos patronais, as Forças Armadas, a Igreja Católica e os meios de comunicação contra os trabalhadores e o povo. Entretanto, houve um ponto de inflexão que definiu mais decididamente esta saída reacionária: os trabalhadores ameaçavam com uma ofensiva superior, mediante a formação dos Cordões Industriais.

O que eram os Cordões Industriais? Eram “organizações territoriais da classe operária, que tendiam a superar tanto as divisões por profissões como as divisões impostas por seus partidos tradicionais” . Os Cordões Industriais agrupavam diferentes fábricas e organizações de uma região e se encarregavam, entre outras coisas, de planificar a distribuição de alimentos diante do desabasteci-mento e do mercado paralelo; a segurança e defesa frente às provocações da direita; mas também começavam a defender a planificação da produção. Avançando, inclusive, além, foram “o embrião do duplo poder. As bases objetivas de um novo Estado, da ditadura do proletariado” . E também serviram para que a classe operária fosse não só medindo, mas preparando seus músculos, já que “questionavam a política da UP e as estratégias dos partidos do conglomerado do governo. Expressavam os embriões de uma organização dos trabalhadores independente dos partidos que tradicionalmente haviam dirigido a combativa e classista classe operária chilena. O processo de ascenso e radi-calização de massas dava, assim, um salto qualitativo” 4.

Os Cordões Industriais mostravam o caminho para resolver a questão do poder, que a UP e a estratégia de colaboração de classes dirigida por Allende e o PC chileno não podiam resolver. Foram o ponto mais alto do processo revolucionário chileno e mostravam a disposição dos trabalhadores para enfrentar um inimigo poderoso ’ a burguesia ’ e questionar a política da UP de tentar “vencer” os planos patronais dentro dos marcos do regime de domínio burguês, e se preparavam para lutar pela instauração de um estado próprio dos trabalhadores, destruindo o estado da burguesia.

Foi essa situação que em junho de 1973 se produziu a primeira tentativa golpista: o chamado “tanquetazo” de um setor das Forças Armadas. Porém, os trabalhadores e o povo responderam com uma impressionante manifestação de massas, enquanto Allende clamava pela calma e moderação. Os trabalhadores exigem à UP mais do que esta estava disposta a dar, como armas para se defender contra o golpe. Por isso, afirmamos que a própria política de Allende facilitou o caminho dos golpistas de 11 de setembro de 1973 ’ um golpe do imperialismo e da burguesia chilena.

Desta forma, o bombardeio ao palácio La Moneda ’ casa do governo ’ e o estabelecimento de um verdadeiro exército de ocupação estavam dirigidos contra os trabalhadores e o povo, contra os Cordões Industriais que colocavam a questão do poder do Estado. Assim, a estratégia e a política de colaboração de classes da UP e do governo de Allende era incapaz de enfrentar de maneira revolucionária o inimigo de classes. Ao contrário, sua incessante busca em conciliar os interesses dos trabalhadores com o chamado setor democrático ou patriota dos patrões e o imperialismo foi um freio para o desenvolvimento do próprio processo revolucionário. Assim, a experiência revolucionária chilena mostra tragicamente que o que faltou foi um partido revolucionário que combatesse por uma estratégia de poder operário, pela independência de classe, que lutasse para instaurar uma República de Trabalhadores, baseada em organismos de poder operário.

A necessidade de construir um partido revolucionário internacionalista

As estratégias dos partidos ’ Partido Comunista (PC) e Partido Socialista (PS) ’ estava definida pela via pacífica ao socialismo e uma concepção etapista da revolução.

É por todos conhecida ’ e por muitos ainda defendida ’ a “via pacífica ao socialismo” que a UP e Allende tentaram. Mas quais as concepções que estavam por trás desta política? O PC e o PS eram os partidos majoritários dentro da UP. E ambos desarmavam os trabalhadores diante da política de seus inimigos de classe, a burguesia e o imperialismo.

A política do PC chileno, tanto ontem como hoje, é de colaboração de classes, numa concepção etapista da revolução. Isto se manifestou tragicamente quando este partido defendia as Forças Armadas e os supostos setores “progressistas” da burguesia. Esta política impediu a organização e a ação independente dos trabalhadores e seu enfrentamento contra todas as alas da patronal, tanto nacional quanto internacional. Isto se manifestou claramente em sua política de subordinar os Cordões Industriais à CUT5 dirigida por eles, ao invés de desenvolver estes embriões de duplo poder como os organismos do poder operário e popular.

Mas o processo revolucionário chileno mostrou, mais uma vez, que tudo aquilo que a classe operária não resolve a seu favor a burguesia o faz contra os trabalhadores. É por isso esta política do PC, e também de Allende, ajudou a derrotar a revolução chilena. E a contra-revolução não perdoa nem sequer aqueles que lhe facilitaram o caminho, como se viu no fim trágico de milhares de militantes de esquerda, inclusive do próprio PC, e no próprio suicídio de Allende.

No caso do PS, os mesmos que hoje governam com a “Concertación” , aplicando os planos do imperialismo e defendendo os interesses patronais, apesar de sua localização mais “crítica” e de esquerda dentro da UP, apesar das declarações verbais e do estilo de alguns setores e dirigentes, compartilhou, na essência, a mesma política e estratégia de Allende e do PC. Tanto um como o outro levaram a classe operária a depositar sua confiança numa burguesia supostamente “democrática” .

É por isso que a lição fundamental que hoje devemos tirar é a necessidade imperiosa de construir um partido revolucionário que seja capaz de defender uma estratégia de poder operário.

Colaboração especial de Natalia Cruces, do Clase contra Clase (CcC) que é a organização irmã da LER-QI no Chile, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

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