Sexta 3 de Maio de 2024

Internacional

EM BELO HORIZONTE

LER-QI participa do debate “As mudanças no mundo árabe na perspectiva da esquerda” junto com PSTU, PCB, PCO, Fenarab e José Luís Quadros Magalhães

18 Apr 2011   |   comentários

No dia 31/04, ocorreu na cidade de Belo Horizonte o debate “As mudanças no mundo árabe na perspectiva da esquerda”. A mediação foi feita por Heloísa Greco, do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e por Dirlene, do Fórum Social Mineiro. Na mesa estavam presentes José Luís Quadros (professor da UFMG); Israel Pinheiro (PSTU); Pablo Lima (PCB); Pedro Paulo (PCO); Kaled (Fenarab) e Flavia
Vale pela Ler-qi.

Heloísa Greco abriu o debate colocando a necessidade de descriminalizar o dissenso e a necessidade de abrir a polêmica entre os distintos pontos de vista da esquerda. Dedicou o debate “a todos os companheiros e companheiras que combateram a ditadura militar e que tombaram nessa luta”.

Pablo Lima, pelo PCB, abriu o debate colocando a necessidade de dar força teórica à luta no dia-a-dia e a necessidade de uma ampla frente de esquerda revolucionária no Brasil com organizações registradas e não registradas que tenham como “sul” a revolução socialista no Brasil. Disse que passamos por um longo período de “faltas de revolução, de organização popular. Hoje vivemos as mudanças no mundo árabe. Mudanças que estão em curso e trazem vários ensinamentos ao Brasil”. Mais a frente disse que “mais uma vez a ONU mostra seu fracasso e sua falência e agora decretou bloqueio aéreo no céu líbio”. Discorreu que os EUA podem bombardear o que eles querem e que “infelizmente, é o papel de uma análise socialista perceber que o que ocorre no mundo árabe, que poderia ser chamado de revolução, não tem caráter hegemonicamente socialista. É uma revolução que luta pelo que aqui já temos que é uma democracia burguesa e que sabemos ser uma falácia, que esconde a dominação de classe”. Depois diferenciou Líbia de países como Tunísia e Egito, colocando que nesses últimos países “está em curso processos de mudanças. O processo está em curso e não sabemos para qual lado está indo”. Sobre a Líbia disse que o imperialismo traiu Kadafi, sendo este “um ditador, autoritário, que está no poder por interesses de grupos”. Porém mediou sua crítica a Kadafi colocando ressaltando a “ameaça da soberania Líbia. O imperialismo apenas mostra o quanto ele está presente”. Concluiu sua fala colocando que no Egito “o povo deu uma lição de poder popular e fizeram de fato um processo de grande aprendizagem pra eles mesmos e de grande lição ao resto do mundo dos que sofrem pelo colonialismo”.

Flavia Vale, pela Ler-qi, reivindicou a dedicação do debate aos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar e colocou em primeiro lugar o desenvolvimento de distintas lutas ao longo do globo, que, junto às lutas do povo árabe, abriam uma nova primavera dos povos. Colocou os processos revolucionários no mundo árabe como uma questão fundamental na luta de classes depois de 30 anos sem revoluções, nos quais muitos setores decretaram o fim da revolução operária e socialista e que agora os povos do mundo árabe mostravam quão precipitada esta essa idéia. Neste sentido que situou as revoltas no mundo árabe como parte do fim do período de restauração burguesa e a necessária volta da idéia de crises, guerras e revoluções num momento da crise de hegemonia do imperialismo norte americano e da crise capitalista e denunciou a política imperialista norte americana na intervenção militar na Líbia. Para abrir o debate com a esquerda, Flavia polemizou com a política de Fidel Castro e Hugo Chávez, seguida pelo PCB: “eles escondem que este, a partir da década de 90, colocou-se lado-a-lado do imperialismo, depois de dirigir um estado ditatorial contra as demandas dos trabalhadores e do povo líbio. Chávez e Fidel são cúmplices da guerra contra-revolucionária de Kadafi ao povo líbio na atual primavera árabe”. Depois colocou como a direção do Conselho Nacional de Transição da Líbia deixava claro que estava ao lado do imperialismo na intervenção militar e que setores da própria burguesia hegemonizavam a direção deste, mostrando como este organismo sempre foi policlassista e por isso não poderia servir de ferramenta para a vitória dos trabalhadores e do povo líbio. Flavia polemizou com o programa levantado pelo PSTU, “que diz ser o CNT um embrião de duplo poder para lutar primeiro pelo ‘fora Kadafi’ e depois pelas demandas que envolvem a construção de um verdadeiro governo operário e popular na Líbia”, deixando, desta forma, a porta aberta para políticas de conciliação de classes que necessariamente levaria à derrota os povos e dos trabalhadores na Líbia, e não a revoluções democráticas vitoriosas. Terminou sua fala chamando a luta unificada pelo fim da intervenção imperialista na Líbia, pela queda revolucionária de Kadafi, por uma política de independência de classe dos trabalhadores, nenhuma confiança no CNT e a unidade dos povos do Magreb e do Oriente Médio!

José Luis Quadros foi o próximo a debater e abriu sua fala colocando a origem dessas rebeliões na crise gerada pela crise do neoliberalismo com a piora da condição de vida dessas pessoas que atingem distintos setores sociais. Na Tunísia e no Egito, que diferenciou dos demais, “estavam nas ruas se manifestando trabalhadores, miseráveis, classe media, grupos islâmicos, todos ali misturados, contra as condições péssimas de vida e a mudança do sistema na busca de algo mais democrático”. Depois José Luís colocou como “uma questão interessante é que não há grupos organizados. Não há uma proposta do que se colocar no lugar e grupos organizados para ocupar os espaços no poder. Tanto que vários dos rebeldes são antigos integrantes do regime”. Colocou uma perspectiva aos processos dizendo que “os grupos organizados a mais tempo vão fazer esse processos de transição. O que pode acontecer ali são democracias representativas. O Egito será distinto, não mais aquele Egito que se afirmava automaticamente a Israel e EUA. Mas não será um Egito rebelde”. Deste ponto de vista que colocou sua visão sobre Kadafi que “com todos seus problemas, um ditador, esse cara representa uma intervenção da África contra a Europa e contra os EUA. Defendeu união da África. Incomoda demais os EUA e a OTAN”. Luís Quadros continuou sua fala dizendo que há uma guerra civil incentivada pelo ocidente na Líbia e que Kadafi seria uma liderança histórica africana num contra um projeto anglo-ocidental. “Kadafi não tem nada de socialista, é uma ditadura familiar. Não vejo que isso tenha alguma conexão histórica com herança socialista. Mas tem um papel interessante que destoa de outros governos que são pró-ocidentais“. Por fim, concluiu: “precisamos repensar o caminho do socialismo ou da busca da construção de uma sociedade comunista. Uma crítica rica que surge hoje seria a percepção de que nós mergulhamos nos últimos 500 anos dentro de uma hegemonia ocidental, européia, anglocêntrica, machista, horrorosa, dentro dos 500 anos do domínio europeu, de genocídio e cultoricídio. E é algo que acho que foi um grave erro no século XX das esquerdas... O mundo árabe, a cultura árabe encontrará uma forma de construir uma sociedade justa igualitária e solidaria mas que não repita as formas ocidentais”.

O debate seguiu com Pedro Paulo, pelo PCO, que primeiro fez uma denúncia colocando como os trabalhadores dos Correios estão sendo vitimas de uma brutal desapropriação de seus com a privatização e terceirização. Chamou todo mundo a lutar contra esse sucateamento dos correios e iniciou sua fala. Colocou como as distintas nacionalidades procuraram intervir no sentido de se contrapor ao governador atuante. Discorreu sobre a luta de libertação da Argélia “com vários milhões de pessoas sendo dilaceradas pelos franceses até que estes foram expulsos. De lá pra cá estamos vendo os acontecimentos fluir”. “Com a queda de DeGaulle, o subjugado se recusar àquele tipo de dominação foi fundamental”. Depois colocou como o movimento nacional não é o centro da revolução mais sim que esta aponta para a Europa. “Em todos esses países da África tem no centro o desmantelamento do capitalismo. Líderes eram aliados dos imperialistas. Num primeiro momento fizeram manifestações contrárias ao regime dominante e hoje foram aliciados. Recebem grana para conter guerras, rebeliões, mas a população dominada não aceita mais esse regime social. Ela passa por uma revolução democrática mas tem no bojo dela a luta por seu poder político”. Continuou: “Kadafi também impediu avanços da revolução da própria camada popular. Pedro Paulo concluiu dizendo que há uma “convulsão social em vários países na Europa e veremos muito maior ainda no Brasil. Essa pressão imperialista não consegue superar a antiga ordem de dominação e tem que criar esse celeuma para impedir o processo da revolução socialista. A crise no norte da África e no Oriente Médio está abrindo uma brutal crise na Europa e nos EUA e vai pegar todos os países do BRIC”.

Israel Pinheiro, pelo PSTU, abriu sua fala colocando que “para todos aqueles que diziam que acabou a revolução, está provado que é mentira. Está acontecendo uma revolução no mundo árabe... para derrubar as monarquias e as velhas ditaduras”. Israel colocou o problema de não haver “uma direção que queira transformar o processo numa revolução socialista. Não tem uma revolução conseqüente nesse sentido”. Depois Israel disse como a “autodeterminação dos povos na região está cercada pelas monarquistas, todas muito amigas do imperialismo norte americano e inglês”. Israel continuou: “As revoluções não estão definidas ainda, mas todos estão preocupados com o que vai acontecer... o povo libio se levantou”. Israel discorreu sobre o pan-arabismo de Nasser para colocar como “com o sentimento nacionalista dos países vários burgueses dos países tomaram à frente e foram além. Na Líbia foi isso, sempre de forma de negociação direta com Kadafi”. Israel, então, denunciou as ligações de Kadafi com o imperialismo, como o financiamento da Fiat durante a crise desta empresa e disse que “ele representa hoje na Líbia o imperialismo”. Israel terminou sua fala: “Nós defendemos fora Kadafi e fora o imperialismo. De forma nenhuma a entrada no imperialismo na líbia. E para isso é derrubar Kadafi. Se Kadafi ganha, a revolução no mundo árabe tem possibilidade de ser derrotada”.

Kaledi, da Fenarab, foi o último debatedor da abertura do debate e começou colocando como a imprensa brasileira seria uma copiadora da CNN e que essa imprensa haveria “bagunçado a cabeça de muita gente boa defendendo idéias que não seria o ideal”. “Jogaram no mesmo balaio o problema do Egito e da Tunísia com o da Síria e da Líbia”. Esses últimos teriam uma “postura antiimperalista, não posso discordar, mas não posso concordar, pois pelo meu conhecimento o que ajuda a Líbia não é o Kadafi mas o governo da Líbia... Não significa que concordamos com governo da Síria. Todo regime desgasta”. Kaled então reivindicou partes do Livro Verde de Kadafi, chegando inclusive a reivindicar parte do escrito como “comunismo puro”. Continuou: “Vemos que a experiência da Líbia, que começou em 1973, foi uma experiência maravilhosa, mas depois retrocedeu... Quiseram construir uma nova sociedade sem mudar o homem... As forças de esquerda devem refletir sobre a associação que terá que ter entre a reforma da reforma intima do ser humano das reformas sociais como foi com Mao, Stalin, Kadafi”. Kaled concluiu: “Apoiamos todas essas rebeliões, mas será que essa gente não foi insuflada pela CIA?... Fora Kadafi é muito precipitado e isso é dar apoio ao outro lado e o outro lado está sendo apoiado pela CIA”.


Desde o plenário algumas perguntas e intervenções foram feitas: sobre o papel das mulheres nos processos revolucionários no mundo árabe, com outras caracterizações dos processos para além das já expostas pelos debatedores e com novos argumentos seja no sentido da necessária independência de classe como fez Bernardo Andrade, pela Ler-qi; ou colocando mais claramente a política do PCB defendendo a política de Fidel e Hugo Chavez, como fez Túlio, afirmando que “fora Kadafi na atual conjuntura é ser pró-imperialista”.


Nas falas finais, Kaled interviu dizendo que “É muito polemico dizer que Kadafi tem milhões no banco pois tudo que vem do ninho do imperialsimo é mentira... Ninguém é a favor de ditadura.. É lamentável ele ficar no poder mais de 40 anos; com tanta sabedoria Kadafi deveria ter sabido fazer a transição”.

Israel Pinheiro voltou defender o “fora Kadafi”: “Estou falando em português o que eles tão falando lá no mundo árabe e pegando em armas. Estou chamando a unidade dos trabalhadores do restante do mundo a apoiar aquele movimento. O entrave é o Kadafi, ele é o representante do imperialismo na Líbia. Se ele for vitorioso a revolução no mundo árabe pode ser derrubada... Temos que ter uma política de solidariedade e unidade, inclusive se fosse possível armar aqui brigadas para ir apoiar o povo”.

Pedro Paulo concluiu sua intervenção colocando como “é interessante perceber a facilidade que o imperialismo tem de ser camaleão... desde que ele domine a questão”. E continuou: “Olha o desemprego nos EUA, a crise no Reino Unido, na França, Espanha, Portugal. Isso não vai recair nas costas da classe trabalhadora brasileira, indiana, russa etc, etc etc? Essa é uma revolução fundamental onde os donos das colônias estão perdendo o poder e isso é importante pra gente”.

João Quadros interviu colocando que a questão central contemporânea é a questão nacional. “A Líbia não é um estado nacional é tribal (polemizando com uma intervenção do plenário) mas todos os estados são tribais. Mas se fosse na Europa seria grupos étnicos; todos os estados são multi-étnicos”. Continuou a reflexão colocando como a constituição boliviana e equatoriana são idéias novas: “trazem a constituição de um estado plurinacional. A Bolívia vem de uma forma sensacional e constrói um ordenamento jurídico novo que quebra essa coluna vertebral do capiltalismo. É o primeiro estado contemporâneo com um sistema jurídico não mono-jurídico mas com 35 grupos étnicos com seu próprio direito de família e de propriedade, não podemos perder a oportunidade de discutir isso”.

Flavia Vale começou sua fala colocando como as mulheres tiveram papel fundamental no Egito com greves que se desenvolviam desde 2008: “Um processo revolucionário traz outra perspectiva da emancipação da mulher. No Brasil está se acostumando a dizer que uma mulher no poder resolve nossas demandas. Não, assim como no Egito, devemos ser milhares nas ruas pra conquistar nossos direitos!” Flavia colocou a particularidade de no Egito ter existido a atuação incisiva da classe operária com greves gerais, o que não ocorreu nos demais países do Magreb, como fator central para a queda de Mubarak e insistiu mais uma vez na necessidade de uma política de independência da classe operária: “temos que ter muito cuidado pra não cair, por um lado, na defesa de Kadafi: as vitórias da classe operária tem que vir pelas suas próprias mãos, por seus próprios métodos. Porém, outro erro é colocar em abstrato o armamento da população; quem arma hoje os rebeldes na Líbia é o imperialismo! Por isso colocamos necessária luta pela saída do imperialismo da Líbia e a queda revolucionária de Kadafi”. Para finalizar, Flavia concluiu denunciando os atrelamentos de Dilma com o imperialismo norte-americano: “Obama autorizou desde o Rio de Janeiro a intervenção na Líbia; Dilma aceitou que o serviço secreto norte americano mandasse no Brasil durante a vinda de Obama e mostrou sua disposição com este com novos 13 presos políticos, entre estes, companheiros do PSTU. É tarefa da esquerda a denúncia do governo Dilma e a exigência da retirada de todos os processos que envolvem os presos políticos. Temos que impulsionar essa campanha desde já!”.

Por fim, Pablo Lima colocou que “chamar o que está ocorrendo no mundo árabe de revolução ou não, ou chamar ‘fora Kadafi’ ou não, é irrelevante. O importante é dizer fora Dilma. Nós temos que trazer ao Brasil lições pra fazer revolução socialista no Brasil... A convulsão que ocorreu no Egito foi a identificação por vários movimentos de uma bandeira unitária: fora Mubarak... Temos que aprender a fazer isso no Brasil. Bandeiras unitárias que unifiquem a esquerda”.

Para finalizar o debate Dirlene colocou que foi importante o encontro, a necessidade de voltar a construir esse tipo de espaço e agradeceu a presença de todos. Heloísa Greco, então voltou a relacionar a data do debate, 31/04: “nossos companheiros, os 40 que foram trocados pelo embaixador alemão em junho de 1970, foram acolhidos pela comunidade argelina, muitos tombaram em combate, outros foram presos, entre eles Apolonio de Carvalho... Todos no debate disseram que é um processo, e acho que a revolução permanente esta aí. Lembro sempre de um verso de Bretch que ele diz o seguinte: ‘primeiro é preciso mudar o mundo. Depois é preciso mudar o mundo mudado’. Acho que é isso que a sociedade no norte da áfrica está fazendo".


VEJA ABAIXO NA ÍNTEGRA A FALA DE ABERTURA DE FLAVIA VALE, PELA LER-QI

Flavia Vale: O ano de 2011 começou com uma série de levantes no mundo árabe. A faísca lançada pela Tunísia contra as péssimas condições de vida da população e contra seu antigo ditador Ben Ali, incendiou países como Egito, Yemen, Bahein, Líbia, Síria. Porém, os protestos se expressaram em outras regiões do mundo como em Oaxaca, México, onde os professores mais uma vez se colocam à frente da luta contra projetos do presidente Calderón de privatização do ensino e precarização do trabalho e agora contam com mais mortos, feridos e presos pelas mãos do governo. Na Bolívia, também, os valentes trabalhadores saíram às ruas, agora contra o projeto de Evo Morales de aumentar o preço da gasolina, o que pauperiza ainda mais a condição de vida do povo e dos trabalhadores bolivanos. Nos Estados Unidos, no estado de Wisconsin, governado pelo reacionário partido Tea Party, trabalhadores do setor público e professores mantêm a luta contra o projeto de lei anti-sindical, já votado, que retira toda a autonomia sindical e o direito de greve dos trabalhadores. Essas são lutas que explodiram praticamente de forma simultânea e que agora junta-se a elas a grande mobilização em Londres contra os pacotes do governo de contenção da crise capitalista, a continuidade das mobilizações na Grécia e em Portugal no marco das greves gerais francesas em 2010 contra os planos de Sarkozy.

Hoje vivemos o início do fim dos passados 30 anos sem revoluções, nos quais a classe operária também sofreu derrotas no sentido moral, sendo desacreditada não apenas enquanto sujeito revolucionário mas também enquanto sujeito social. Para entender este novo momento histórico, esse período do fim da restauração burguesa, usamos uma analogia com a restauração bourbonica, a queda de Napoleão em 1815, que marcou um período de restauração monárquica. Se a época das revoluções burguesas durou séculos e também viveu períodos de restauração, mostrou-se o quão precipitado foi o decreto do fim do período das revoluções proletárias por parte da burguesia e também de setores da esquerda.

Este período de restauração monárquica, por outra via, foi finalizado com a primavera dos povos de 1848, que marca o levante operário e popular na Europa, no que vai se desenvolver como as primeiras guerras civis entre a burguesia e o proletariado. Se fazemos essa segunda analogia em relação à Primavera dos Povos, sabemos também os limites que ela traz, uma vez que o capitalismo hoje não é o capitalismo que ainda podia se desenvolver como em 48, mas um sistema numa crise profunda; e por outro lado uma classe operária que, se derrotada naquele momento, viveu grandes vitórias como a construção de seu primeiro estado operário como na Rússia, a construção de partidos revolucionários que marcam o período da terceira e quarta internacional comunista assim como lições que devem ser tiradas a partir da traição de suas direções, como a grande tragédia que significou o stalinismo e a social democracia para a classe operária. Em outras palavras, vivemos não apenas um momento de fim desse período de restauração burguesa, mas o momento em que se escancara o sentido profundo do capitalismo imperialista decadente e suas crises, guerras e revoluções e a volta da perspectiva revolucionária para a classe operária.

Novos exemplos da luta de classes se combinam com a atual crise capitalista e com a crise de hegemonia do imperialismo norte americano, a qual podemos ver uma de suas consequências na atual intervenção imperialista na Líbia, marcada por uma falta de um plano de guerra em comum dos imperialismos para atuar na região, uma vez que mantêm expostos os distintos interesses de cada país no conflito, no marco do interesse em comum, entre eles, em aplastar as novas revoltas. Isso poderia transformar uma intervenção com o discurso da ajuda humanitária em uma aventura militar de consequências imprevistas. Obama fala da intervenção multilateral na Líbia para cumprir um suposto objetivo humanitário, mas este é apenas um discurso para esconder que seu imperialismo não está em condições de abrir unilateralmente mais um foco de guerra no Oriente Médio para além do Afeganistão e do Iraque, levando em conta que na Líbia é uma guerra que o imperialismo não tinha organizado seu aparato anteriormente como nas demais, o que se expressa nas distintas posições sobre a intervenção no seio da própria burguesia norte americana. Porém farão o que for possível para tentar derrotar todo tipo de levante revolucionário na região, esta que em sua história rendeu bilhões de dólares aos Estados Unidos, às custas do sangue árabe e palestino. Na realidade Obama e os demais líderes imperialistas tentam uma saída, ainda incerta, para relocalizar seus países na região do Oriente Médio e do Magreb. E para isso, tentam implementar alguma via de transições pactuadas.

Porém, essas tentativas de transições pactuadas, mesmo se efetivadas, continuarão a trazer em seu bojo a instabilidade política na região, já que as condições estruturais da vida do povo árabe, com altas taxas de desemprego, pobreza, a subida no preço dos alimentos, total falta de perspectiva para a juventude, o alto nível de repressão política, entre outras, tendem a se tornar cada vez mais precárias com o aprofundamento da crise capitalista, que cercea profundamente a margem de manobra da burguesia local e imperialista para dar concessões. A isso se somam as crises internas dos próprios países imperialistas, que recebem grandes quantidades de trabalhadores precarizados de origem árabe, o que abre espaço para que, por essa via, a primavera árabe floresça no seio dos países centrais, como a França. Por outro lado há, também, o aumento da instabilidade na região, com Israel voltando a bombardear covardemente a Faixa de Gaza com o apoio dos EUA, a maior instabilidade no Iraque e os conflitos abertos na Arábia Saudita, dirigida por uma monarquia aliada histórica dos EUA. Esses conflitos podem fazer surgir um sentimento anti-imperialista, inexpressivo até então nas massas árabes já mobilizadas, o que tornaria ainda mais difícil para o imperialismo cumprir com seus objetivos reacionários.

A intervenção imperialista na Líbia tenta dizer-se humanitária, mas o plano militar de “exclusão aérea” já matou civis e se mostra insuficiente para barrar o efetivo militar de Kadafi. Nega, portanto, sua própria fraseologia.

Alguns setores, para além do imperialismo, como os Partidos Verdes de vários países europeus, assim como o PS e o Partido de Esquerda na França, passaram a apoiar a intervenção imperialista, enganando mais uma vez a população de seus países e do mundo árabe dizendo que a intervenção imperialista contra Kadafi poderia levar à vitória das demandas democráticas do povo líbio.

Por outro lado, Chávez e Fidel Castro, após anos também tendo Kadafi como aliado, hoje saem na defesa do ditador. Escondem que este, a partir da década de 90, colocou-se lado a lado do imperialismo, depois de dirigir um estado ditatorial contra as demandas dos trabalhadores e do povo líbio em nome de uma agenda política com elementos mais nacionalistas com grande repressão política e social a seu povo. Chávez, Fidel Castro e seus seguidores são cúmplices da guerra contra-revolucionária de Kadafi ao povo Líbio na atual Primavera Árabe. Partimos de que, se por um lado, o imperialismo é incapaz de atuar para conquistar as demandas do povo líbio, por outro lado a conivência com Kadafi leva a mais uma política que lima toda organização independente e necessária das massas junto aos trabalhadores para lutarem contra o imperialismo e contra todo regime opressor.

Hoje o Conselho Nacional de Transição, CNT, deixou claro que está ao lado da intervenção imperialista em nome da OTAN. Este organismo agora mostra que seus setores burgueses de fato hegemonizam a direção deste e desde o começo do conflito mostrou seu caráter policlassista, e por isso não poderia servir como ferramenta para a vitória do povo e dos trabalhadores líbios, no sentido da auto-organização dos trabalhadores. Pelo contrário, o fato de sempre terem se negado a armar a população já era um elemento que mostrava que dentro deste conselho sempre existiram setores que sabiam que, ao se fomentar a maior radicalização das massas, suas cabeças também poderiam rolar! O caráter servil e pró-imperialista do Conselho também se mostra pelo fato da direção deste ter se negado a ter uma política de unidade com a classe trabalhadora imigrante, os primeiros a se sentirem ameaçados por Kadafi por um lado e pelo Conselho por outro. Este sentimento se expressa no fato de que figuras importantes do CNT vem do antigo regime de Kadafi, como Omar El Hariri (um dos primeiros aliados de Kadafi nos anos 60), o ex-ministro da justiça Mustafá Abdel Jalil, entre outros.

Neste sentido que polemizamos com a LIT, seção internacional do PSTU, quando disseram que o CNT era um embrião de um organismo de duplo poder que deveria, em primeiro lugar, num primeiro momento, lutar pelo “Fora Kadafi” para depois lutar pelas demandas que envolve a necessária construção de um governo operário e popular assim como a completa retirada de todo o stabilishment deste antigo aliado dos Estados Unidos. Achamos equivocada esta política, uma vez que a própria realidade mostrou como as direções do CNT estavam longe de permitir qualquer elemento de duplo poder ou mesmo do armamento da população. Por outro lado, separar as demandas democráticas como a queda de Kadafi da organização política independente dos trabalhadores com o objetivo de tomar o poder político na região mostra que é um programa que não responde a uma situação na qual a burguesia faz de tudo para acabar com o levante e que a classe operária é a única que pode realmente derrubar Kadafi, sem nenhum atrelamento com o imperialismo ou com os setores da própria burguesia líbia e árabe que sempre se mostraram contra as demandas mais sentidas de sua população. No mesmo sentido, a LIT também caracterizou como uma revolução democrática triunfante a queda de Mubarak, no Egito, mesmo que esta tenha dado lugar a um governo provisório do exército sem, tampouco, poderem as massas e os trabalhadores contarem com reais organismos de duplo poder. Mais uma vez volta à atualidade a Teoria da Revolução Permanente de Trotsky que foi forjada a partir das lutas pelas reivindicações democráticas dos povos e dos trabalhadores russos, que construiriam o primeiro Estado Operário da história, deixando claro que apenas a revolução operária e socialista é a que pode resolver todas as demandas democráticas dos povos oprimidos, contra a burguesia local e contra a burguesia imperialista.

É tarefa da esquerda de conjunto a luta unificada pelo fim da intervenção imperialista na Líbia, pela queda revolucionária de Kadafi! Por uma política de independência de classe dos trabalhadores na Líbia! Nenhuma confiança na CNT! Pela unidade dos povos do Magreb e do Oriente Médio!

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