Terça 7 de Maio de 2024

Internacional

BOLÍVIA

Frente à ofensiva da direita e os pactos de Evo Morales: lutar pela independência de classe

14 May 2008 | No dia 4/5 na província boliviana de Santa Cruz, a direita obteve um triunfo político importante, apesar de limitado, com a vitória do ‘sim’ no referendo pela autonomia da província. Agora, enquanto o governo trata de diminuir a derrota e insiste em negociar, o calendário autonomista da região da “meia-lua” segue em frente. O “diálogo nacional” que o governo de Evo Morales propõe só pode se dar às custas dos interesses dos operários e dos setores populares. O povo trabalhador está disposto a combater, mas os dirigentes têm desmobilizado a serviço do governo. Para liberar toda a força das massas há que romper a subordinação da Central Obrera Boliviana (COB), e das organizações populares à política pacifista do governo. Cada luta operária e popular que triunfe ajudará a construir a contra-ofensiva dos trabalhadores, camponeses, povos originários e setores populares. Apresentamos uma entrevista com Javo Ferreira, dirigente da LOR-CI, organização irmã da LER-QI na Bolívia e integrante da Fração Trotskista – Quarta Internacional. A LOR-CI foi a única organização trotskista a intervir com uma posição classista e independente na concentração em Plaza San Francisco, que reuniu milhares de camponeses, trabalhadores e setores populares do Altiplano e de Yungas.   |   comentários

1 ’O que foi o referendo autonómico e quais são seus resultados?

O referendo autonómico levado a cabo no dia 4 de maio no departamento de Santa Cruz, foi um passo a mais na ofensiva política que os latifundiários e a burguesia nacional vêm impulsionando detrás do Comitê Cívico e da Prefeitura do departamento.

As tentativas do governo de Evo Morales de chegar a um diálogo antes desta ação política fracassaram e hoje os prefeitos restatantes com processos de referendos autonómicos em marcha declararam que antes de ir ao diálogo continuaram com a aprovação de seus respectivos estatutos. Nestes momentos, para além da luta pelas cifras do referendo, o nível de abstenção ’ cerca de 40% - é certo que a reação burguesa obteve um importante ponto de apoio na demanda de autonomia, demanda que contraditoriamente vem legitimando com referendos ilegais. Porém, como também mostraram os massivos cabildos [1] e mobilizações em La Paz, El Alto, Oruro e Cochabamba, assim como as ações de boicote ativo do referendo em pelo menos quatro centros urbanos importantes do Oriente, como são Camiri, rica região petroleira, Yapancani, San Julián e Montero, mostram que a vontade de luta do movimento de massas existe e que o único que impede passar à ofensiva é a política das direções sindicais operárias e camponesas.

2- Qual foi a política do governo?

A política do MAS teve coerência com o que vem declarando nos últimos meses. Durante todo este tempo tentaram inutilmente chegar a um acordo com as prefeituras e os comitês cívicos da direita, buscando compatibilizar a nova Constituição e os referendos. Durante todo este tempo e apesar de ser evidente que já não havia possibilidades de diálogo, pese a que o governo financiou campanhas na TV dizendo que o referendo tinha caráter fraudulento e ilegal, já que até a Corte Eleitoral de Santa Cruz fazia campanha a favor do “sim” , o governo pediu à população apenas que se limitasse a não votar, a se abster. Com esta política os movimentos sociais de Santa Cruz ficaram isolados e toda a energia que podiam ter posto em um boicote ativo ficou profundamente limitada graças à ação do governo. Neste afã de dialogar com a direita, o governo suspendeu a inspeção de vários latifundiários onde existem cerca de 2000 famílias guaranis em condição de semi-escravidão, reprimiu as ações da Juventud Antifacista de La Paz e Cochabamba, enquanto os grupos como a Unión Juvenil Cruceñista ou Jóvenes por la Democracia golpeiam e intimidam com absoluta impunidade os filhos dos trabalhadores e o povo.

3 ’ Que perspectiva se abre para a situação política na Bolívia após o referendo?

O mais provável, e é o que vários analistas prevêm, é que entraremos em uma situação na qual o que primará são as tentativas de aproximação para estabelecer um diálogo e uma negociação que facilite a compatibilização dos estatutos autonómicos e da nova Constituição do MAS. Porém, esta negociação se fará em condições cada vez mais favorável à direita. Mas se reação se excede da relação de forças, não se pode descartar novos curtos-circuitos que levem toda a tensão política às ruas.

4 - Qual é o papel da OEA e da Igreja?

Evo Morales clama pela mediação da Organização de Estados Americanos (OEA) como se fosse garantia de algo favorável para o povo. A OEA que não por acaso sempre foi a instituição que coordenava a submissão dos governos da América Latina aos EUA, intervém como garantidor da ordem semicolonial regional. Em 3/5 sob a pressão de Washington corrigiu seu “excessivo” apoio ao governo com uma nova declaração que enquanto insiste no diálogo, na verdade aprova e deixa correr as consultas autonomistas. Seu objetivo é evitar o risco de uma maior desestabilização na Bolívia e impedir que na crise política possa intervir o movimento de massas. Tendo conseguido que o MAS mantenha sua “moderação” , aceitam que os autonomistas imponham melhores condições na busca de uma saída favorável à burguesia de conjunto. Por sua vez, o cardeal Julio Terrazas, principal figura da Igreja, fez uma missa e em seguida foi votar, legitimando o referendo. A reacionária cúpula católica não se privou tampouco nesta oportunidade de demonstrar que está firme e sem dúvidas a serviço dos ricos e da reação. Agora o MAS protesta, mas até o dia anterior, chamou com todas as forças a confiar nestes “mediadores” .

5 - Qual foi a política da COB, e qual a política que a LOR-CI está levantando para fazer frente a esta situação?

Lamentavelmente a direção da COB, encabeçada por Pedro Montes, demosntrou ser uma burocracia colaboracionista com o MAS. Nos últimos meses houve dezenas de greves por salário, condições de trabalho e diversas questões setoriais como Huanuni, Colquiri, Correios, Makitesa, Saúde, Magistério, Limpeza Urbana de El Alto, etc., nos quais a COB se negou de fato a centralizar ou coordenar estas lutas. Assim mesmo, frente o referendo e a ofensiva reacionária da burguesia, repete a mesma política que Evo Morales e o MAS de não organizar nenhuma resistência ativa e militante. Se limita a falar sobre a “unidade do país” com o governo sem fazer nenhum chamado à luta. Tanto em 1° de maio como em 4 de maio em todas as ações que se deram, Pedro Montes optou por participar nos eventos mais oficiais, e inclusive no mesmo palco que o presidente.

Desde a LOR-CI, junto a vários sindicatos e organizações, estamos exigindo o adiantamento com caráter de urgência do próximo congresso da COB, no qual devem participar os novos sindicatos e direções que surgiram no último ano, para expulsar uma direção que abertamente tem pisado sobre a independência de classe da COB e dos sindicatos, definir um programa e ação que esteja à altura das circunstâncias, e que comece a coordenar e centralizar de forma democrática as lutas em curso. Vemos que é urgente preparar este congresso para dar a luta por um instrumento político dos trabalhadores, que permita ir construindo a “terceira” posição, a da classe operária, capaz de enfrentar a reação burguesa e latifundiária e a política de conciliação de classe e reformismo sem reformas do MAS, que alimenta.

Encontro Latino-americano da Conlutas

É necessária uma política clara de independência de classe contra os governos pós-neoliberais

A Conlutas está convocando para os dias 7 e 8 de julho em Betim a realização de um Encontro Latino-americano e Caribenho dos Trabalhadores. Entre os organizadores constam a Conlutas (Brasil), COB (Bolívia), Batay Ouvriye (Haiti), Tendência Classista e Combativa (corrente do movimento sindical uruguaio), e recentemente a corrente sindical venezuelana C-Cura de Orlando Chirino acaba de aderir ao chamado.

Em primeiro lugar, há que ressaltar que um encontro latino-americano deveria servir para armar a independência política dos trabalhadores em relação à política conciliadora dos governos latino-americanos, sobretudo de Hugo Chávez e Evo Morales. Na Bolívia a classe trabalhadora e o povo vêm tendo que se enfrentar com a direita a despeito da política de pactuar com a direita levada à frente por Evo Morales, ao passo que tem que enfrentar uma deterioração cada vez maior de suas condições de vida, produto da alta dos preços e da sabotagem patronal para pressionar o governo. A COB tem atuado neste processo de maneira completamente adaptada e conciliadora, primando pela abstenção no que diz respeito à necessidade de armar os trabalhadores para sair à ofensiva, para salvaguardar Evo Morales.

Neste sentido é de causar estranhamento, como mínimo, que a COB seja convocante do encontro. Não vemos, por outro lado, representados os setores que têm protagonizado as lutas mais combativas e processos antiburocráticos, como o Sindicato de Ceramistas de Neuquén, exemplo mais importante dentre as fábricas ocupadas e posta a produzir sob controle operário na Argentina, operários da Sanitarios Maracay e da exemplar luta da Sidor na Venezuela, ou os novos sindicatos organizados na Bolívia, muitas vezes sem nenhum apoio da COB.

Este encontro não servirá de nada se for apenas mais uma reunião superestrutural em que muito se fala de socialismo e classismo, mas se votam campanhas antiimperialistas em geral, ou de oposição abstrata aos governos neoliberais que não respondem na realidade às necessidades da classe trabalhadora de resgatar a confiança em suas próprias forças, com seus métodos históricos de luta, e avançando em uma política de independência de classe. Para isso é fundamental que o Encontro Latino-americano da Conlutas se pronuncie claramente pela independência política em relação aos governos pós-neoliberais latino-americanos, como Chávez, Evo Morales, Lugo e Correa. Esta condição é indispensável para armar a classe trabalhadora para os combates que terão de dar em nome de seus interesses.

[1Cabildos são grandes reuniões organizadas por região nas quais se integram os trabalhadores, camponeses, povos originários e organizações sindicais e políticas.

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo