Domingo 5 de Maio de 2024

Questão negra

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Conheçam as lutas da guerreira Mara Onijá

17 Aug 2008 | Publicamos abaixo entrevista concedida por Mara Onijá, militante da Liga Estratégia Revolucionária - Quarta Internacional, ao site "Mulheres no Hip Hop".   |   comentários

Qual o significado da palavra ONIJÃ ?
Onijá quer dizer “guerreira” em iorubá.

Como conheceu e o que lhe inspirou a seguir dentro hip hop?
Desde criança já ouvia em casa as primeiras gravações do rap nacional. Minha primeira identificação mesmo foi com o som e o protesto do rap. Depois fui conhecendo o Hip Hop como movimento. Em 98, ainda sozinha, comecei a editar um zine que falava de Hip Hop e questões sociais. Um ano depois eu estava formando meu primeiro grupo de rap, o Culturalmentes.

Conte um pouco sobre a trajetória do grupo Culturalmentes e por que o grupo terminou?
O Culturalmentes era um grupo de rap feminino, que tinha também Alê e Val como integrantes. Elas também faziam zines e foi por causa dos zines que a gente se conheceu. Nossa proposta era fazer um som com influências musicais diversas. A gente se apresentava em várias regiões do estado de SP; ganhamos um festival de rap em Minas Gerais, mas não chegamos a gravar CD. O grupo acabou por vários contratempos e responsas que cada uma tinha, mas foi uma experiência e tanto, musicalmente e também pra aprender a enfrentar o machismo que se reproduz pra caramba no meio do rap, onde até hoje muita gente acha que mulher tem que ser enfeite de palco...

Você continuou sua jornada com o grupo AMANDLA, conte sobre esta experiência.
Foi bem interessante porque o Amandla faz um som acústico, era uma experiência nova. No Amandla aprofundei no lance de resgatar mais ainda a música negra e expressar a luta pela libertação dos afro-descendentes. Teve um som que me marcou muito, que foi Bonecas brancas pra meninas pretas, que comecei a escrever logo depois de uma daquelas humilhações que vive todo preto e toda preta que assume o seu crespo. É uma declaração de guerra ao processo de embranquecimento, que segue sendo imposto até os dias de hoje. Há cem anos atrás tinham “cientistas” calculando em quanto tempo não existiriam mais pretos nesse país, mas seus planos não deram tão certo assim, apesar de ter exterminado tantos dos nossos ’ e isso não é pouca coisa. Na minha opinião o rap é uma expressão de que o combate não acabou e a jornada no Amandla esteve muito marcada por essa idéia.

Explique um pouco sobre sua participação nos Zines e conte um pouco como eles te aproximaram do hip hop.
Eu ouvia muito rap, mas ainda não escrevia nada. Aí em 97, 98 conheci uns zines de Hip Hop que me identifiquei muito, principalmente porque era um meio de comunicação que se espalhava: o pessoal editava e mandava pelo correio, distribuía nas festas, nas posses, enfim, tudo num esquema de imprensa alternativa como a gente falava... Quando percebi, eu já estava fazendo um zine que chegava em todas as regiões do país, com entrevistas, textos próprios, denúncias, letras de música, várias coisas... Fiz zines até 2002, 2003...

Você é conhecida principalmente pela ação militante, como foi participar do FORUM Paulista e do FORUM Nacional de Hip Hop?
Caramba, foi muito importante. Primeiro um pessoal se reuniu em Porto Alegre, se não me engano em 2002, e discutiu que precisava organizar o Hip Hop nacionalmente, uma discussão que não era nova, mas era muito importante. Daí eles decidiram fazer os fóruns estaduais e depois o fórum nacional. Aqui na Gde SP, a gente teve o fórum reunindo várias posses e grupos e organizando várias atividades. O pessoal do interior também se organizou e fez um fórum do interior. Aqui em SP a gente se engajou em algumas lutas, como foi a luta contra a ALCA e tal. Era um projeto muito bom, de rede de comunicação e divulgação dos trampos não só musicais, mas também do break e do grafite, e também de debate e ação política. Infelizmente, foi um projeto que não seguiu em frente...

O MHHOB foi um movimento a principio bem estruturado, o que você acredita que poderia ter feito a diferença para ele se manter até os dias atuais?
Posso dizer que essa é a pergunta mais difícil da entrevista, viu. Não é fácil construir uma organização de Hip Hop a nível nacional, num país do tamanho do nosso. Já começa pelas dificuldades de comunicação e mobilidade, que eu lembro que sempre teve. Sem dúvida, a morte do Preto Ghoez dificultou muita coisa: ele era a principal referência, sem dúvida nenhuma. Mas acho também que teve uma questão política muito importante. O MHHOB agregava grupos com diversas posições ideológicas e políticas. Lembro que numa reunião nacional definimos que seria um movimento anti-capitalista, anti-racismo e anti-machismo. Mas tinha um problema à frente: como lidar com o governo? Tinha gente que achava que tinha que ser parceiro, outros que tinha que exigir ações mas não se atrelar, mas enfim a questão surgiu de uma maneira bem concreta: a SEPPIR chamou as organizações nacionais de Hip Hop para fazer parte da campanha Pense no Haiti, Zele pelo Haiti. Aí alguns grupos do MHHOB começaram a se perguntar: que loucura é essa do governo do Lula vir falar de “zele pelo Haiti” se é ele que tá mandando tropa pra reprimir os haitianos? Lembro que a SEPPIR respondia assim: “como governo estamos fazendo a nossa parte; nós queremos que a sociedade civil também faça a sua” . Eles queriam que a gente fizesse festivais pra arrecadar material escolar pro Haiti. Hipocrisia da maior, enquanto os soldados estão lá atirando, estuprando as mulheres... Foi esse o motivo da nossa saída (grupos de SP, Rio e Santa Catarina). Depois disso não sei o que mais dificultou a organização do MHHOB, mas naquele momento ’ quando descobrimos que o MHHOB estava na campanha antes mesmo de chegar numa posição internamente, pra mim o MHHOB tinha acabado.

Você escreve artigos no jornal Palavra Operaria, qual o significado da Liga Estratégia Revolucionaria na sua vida?
A Liga Estratégia Revolucionária é a organização em que eu milito há cinco anos e o Palavra Operária é um jornal que nós publicamos quinzenalmente. A Liga representa na minha vida a convicção ideológica pela revolução e a importância de dedicar a vida pra isso. Hoje nós atuamos nos locais de trabalho e estudo, publicamos revistas e livros (recentemente editamos um sobre a classe operária na luta contra a ditadura), participamos de campanhas (como uma atual contra as demissões dos trabalhadores da REVAP, de São José dos Campos, que fizeram uma greve de 31 dias), etc. Mas tudo isso está ligado a um objetivo estratégico, que é a derrubada do capitalismo, a destruição da propriedade privada, a construção de uma sociedade socialista. Quem quiser ler os meus artigos sobre a luta contra o racismo e pela libertação do povo negro ou também tudo que a gente publica, está no site www.ler-qi.org

O Brasil continua o mesmo ou na sua opinião houve mudança nos últimos tempos, quais foram essas mudanças?
Não acho que teve nenhuma mudança significativa do ponto de vista de como vivem os milhões de trabalhadores que têm que vender a sua força de trabalho pra sobreviver. É verdade que foram criados postos de trabalho, mas que estão baseados na precarização do trabalho, com baixos salários, terceirização... Isso sem falar nos milhões que seguem sem emprego. E tem outro problema enorme que é a violência policial, que está mais explícita nos jornais, na TV. Como é que dá pra viver com 400 reais e ainda ter a polícia, o exército te impedindo de sair de casa pra trabalhar, como acontece nas comunidades do Rio? Sinceramente, as contradições sociais seguem brutalmente. Muita gente achava que com o Lula no governo, as coisas iam mudar, mas ele está lá só pra administrar essa máquina que é o Estado capitalista. O resultado é lucro pros empresários, pros banqueiros; pra nós, aperto no bolso e repressão...

Comparando o inicio do hip hop com os dias de hoje, você acredita que houve evolução ou regresso? Já ocorreu a tão falada revolução através das palavras?
Acho que é um processo bem contraditório, com evoluções e regressos ao mesmo tempo. Vou falar do rap porque não acho que eu possa falar do break, do grafite. Musicalmente, acho que teve várias evoluções, mas grande parte não está no rádio. Acho que a gente ganhou muito com a Internet como forma de fazer chegar o som, mas também perdeu muito com a repressão às rádios comunitárias. Agora falando de ideologia, acho que o melhor momento do rap nacional foi nos anos 90. Imagina ouvir Voz Ativa (Racionais), Aformaoriginalmental (DMN) e Assassinos Sociais (GOG) de uma vez só? Eu, pelo menos, resolvi que não ia assistir o mundo parada ouvindo essas coisas. Lógico que tem continuidades hoje, mas naquele tempo era mais forte. Hoje tem uma porrada de foto de grupo de rap com dinheiro e mulher como objeto de consumo. Nos 90, quem se inspirava no rap gringo ia ouvir Public Enemy, assistir Panteras Negras e ler Malcolm X. Não acho que isso acabou completamente, mas perdeu muita força. Posso escutar muita coisa gringa que não é boa ideologicamente, mas me recuso a ter referência na postura desse rap das correntes de ouro... Agora essa coisa da revolução através das palavras eu considero bem relativa. Porque revolução social mesmo se faz com luta de classes, com a organização e ação direta dos trabalhadores se confrontando com a burguesia, com o Estado. O papel que eu acho que o rap pode cumprir é não só de denunciar, protestar, mas também de dizer pra outras pessoas que enquanto existir exploração, existe uma guerra e que do nosso lado precisa de mais soldados pra guerrear...

Quais seus planos como MC? Quais projetos estão pautados para você dar andamento? Existem projetos paralelos ao hip hop?
Como MC, agora eu estou com um projeto solo. Estou começando a produzir algumas coisas com o Raphão, que é meu produtor musical e grande aliado. Até o fim do ano quero ter um CD demo na rua, mas enquanto isso, cada som gravado vocês podem ouvir em www.myspace.com/rapmara .E tenho outros projetos paralelos ao hip hop, sim. Na Fundação Santo André, uma universidade aqui do ABC, nesse segundo semestre, eu e uma outra camarada vamos organizar um curso livre sobre a história do negro no Brasil, pegando o período da escravidão, dos quilombos e levantes e do abolicionismo. Assim que tiver a programação, eu posso mandar pra vocês. É uma forma não só de estudar, mas também de “abrir a boca” frente à universidade que é tão elitista e racista...

Deixe uma mensagem para as guerreiras do hip hop.
Ser mulher nessa sociedade não é fácil e essa história de que as mulheres já conquistaram tudo é papo de burguesa que tem sua empregada em casa pra levar vida boa. Então, pra ser mulher tem que guerrear, no hip hop e na vida. Aquelas que guerrearam no passado não tiveram seu lugar nos livros da escola, mas podem ter o seu lugar na nossa memória e na trajetória que nós vamos traçar. À Lunna, ao Mulheres no Hip Hop, valeu pelo espaço e parabéns pela iniciativa do site!

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