Segunda 29 de Abril de 2024

Cultura

Exposição de cartazes inéditos de Maiakovski e Rojkóv na Casa Socialista do Rio Pequeno

Aos trabalhadores de Kursk que extraíram o primeiro minério

10 Oct 2006   |   comentários

Em 1924, o poeta russo Vladimir Maiakovski publicou o poema intitulado Aos trabalhadores de Kursk que extraíram o primeiro minério. No mesmo ano, recebeu do jovem Iuri Rojkóv uma série composta de 17 fotomontagens, intitulada Aos trabalhadores de Kursk que extraíram o primeiro minério. Monumento do tempo feito por Vladimir Maiakovski, em que o estudante de artes ilustra o poema. Com base em colagens, ilustrações e sobreposição de imagens, Rojkóv cria um complexo jogo entre palavra e imagem, em que os signos pictóricos e lingüísticos são combinados de modo a se equivaler como meios de expressividade.

No início do século XX, todo o Ocidente foi agitado por vanguardas artísticas que, de modo geral, se identificam com os conceitos de Modernismo e Futurismo. O poeta Vladimir Maiakovski foi um dos grandes expoentes da poesia russa moderna. Fez parte do grupo dos cubo-futuristas, organizados em torno dos irmãos Burliúk e de Vielimir Khliébnikov, com os quais assinou o manifesto poético Bofetada no gosto público. Os cubo-futuristas pretendiam uma completa revolução no campo artístico, rejeitando o gosto burguês convencional herdado do século XIX, e buscando uma outra estética, que estivesse de acordo com a nova realidade e a nova consciência social que seguiam a virada do século. O desejo de rompimento com o ranço do passado é um traço comum à vanguarda cubo-futurista e também às organizações socialistas revolucionárias que fervilhavam na Rússia da época. O povo, em situação de extrema pobreza, oprimido por um regime autoritário e repressivo, agrupava-se em sindicatos, círculos de discussão e diversos tipos de organizações sociais em que se debatia o rompimento com a ordem secular vigente. Guerras praticamente ininterruptas haviam exaurido a nação, e greves e manifestações eram constantes.

Foi nesse ambiente que surgiram as vanguardas futuristas russas, acompanhando os decisivos acontecimentos sociais que antecederam a Revolução Russa (1917). Em carta aos operários, no ano de 1918, Maiakovski afirmou: “O duplo incêndio da guerra e da revolução esvaziou nossas almas e nossas cidades. Os palácios de luxo de ontem estão aí qual esqueletos calcinados. As cidades devastadas esperam novos construtores. O turbilhão revolucionário arrancou dos espíritos as raízes nodosas da escravidão. A alma do povo aguarda semeadura grandiosa.” . Antes da tomada do poder pelos bolcheviques, o poeta já se identificava com as idéias socialistas, e nos anos que se seguiram à revolução tratou de trabalhar para difundi-las e consolidá-las. “O futurismo era para ele uma bandeira, e ainda em 1923 ressaltava a importância de se conservar o uso do termo, pois em torno dele se congregavam os que partilhavam a atitude agressiva e inovadora de Maiakovski no campo na arte.” observa Boris Schnaiderman, e conclui: “Mais tarde, porém, considerou que o futurismo já havia cumprido seu papel e devia ceder lugar à posição literária da Lef , ao construtivismo: a negação, a bofetada no gosto público, tinham de ser substituídas pela organização e pela construção industrial e socialista.” . É nesse período que escreve o poema Aos trabalhadores de Kursk, que extraíram o primeiro minério.

A produção artística de Maiakovski apresenta notável diversidade. Poemas líricos e engajados, peças teatrais, roteiros de cinema, manifestos, propagandas, cartazes, folhetos, embalagens de doces, cigarros, produtos sanitários, entre outros. “Nossas armas são o exemplo, a agitação, a propaganda” , escreveu em um manifesto de 1923. Maiakovski queria divulgar os princípios da construção de uma nova sociedade ’ uma sociedade em que o trabalhador seria valorizado e verdadeiramente possuidor da própria vida. Entre as preocupações políticas do artista, está o lugar que deverá ocupar o poeta na sociedade proletária, uma vez que para ele o poeta é o “operário da palavra” . No poema de 1927, Incompreensível para as Massas , é possível perceber não só suas preocupações com o papel do artista na nova sociedade, mas também uma resposta aos críticos e estudantes que sentenciavam: “camponeses e operários não compreenderão” . Maiakovski se defendia dizendo que a arte para as massas tinha que ser da melhor qualidade, elevada e sofisticada, e não simples didatismo propagandista. Ele queria elevar o nível cultural do povo, e não produzir uma arte “fácil” e moralizante: “O livro bom é claro e necessário, a mim, a vocês, ao camponês e ao operário” .

A partir desse período, as críticas a ele se intensificaram, e o desgosto com os rumos tomados pela linha partidária oficial aparece cada vez mais em suas obras. Na peça teatral Os Banhos, Maiakovski cria tipos que representam os burocratas do regime stalinista, inimigos da poesia e do imaginário. Em 1930, com a colaboração de alguns amigos, reúne toda a sua obra e organiza a exposição 20 Anos da Atividade de Maiakovski. Boicotada pela imprensa e pelas agremiações literárias, a exposição provoca uma série de debates e novos ataques ao poeta. No mesmo ano, após terminar o poema A plenos pulmões, Maiakovski se suicida com um tiro. O lingüista russo Roman Jakobson, em seu ensaio A geração que esbanjou seus poetas, ao comentar o fim trágico de Maiakovski e outros seus contemporâneos, alerta: “Quando os cantores são assassinados, e as canções, arrastadas ao museu e presas ao passado, a geração atual torna-se ainda mais desolada, mais abandonada e mais perdida, mais deserdada, no sentido verdadeiro da palavra” .

Na Casa Socialista de Cultura e Política do Rio Pequeno, estão expostas 10 das 17 fotomontagens que compõem o portfólio oferecido por Iuri Rojkov a Maiakovski em 1924, e que foram incluídas pelo poeta em sua exposição de 20 anos. Como se trata da ilustração do poema Aos trabalhadores de Kursk, que extraíram o primeiro minério, naturalmente, o texto dos cartazes forma uma seqüência. Contudo, isso não representa um problema para a compreensão das obras, uma vez que foram elaboradas pelo artista de modo a constituir, cada uma delas, unidades de significação autónoma. Os cartazes estão expostos lado a lado com suas respectivas legendas em português, que buscam apenas recuperar o significado do original russo, já que sua única intenção é oferecer instrumental para uma melhor apreciação. De modo geral, no texto e na direção de arte das legendas, houve uma grande preocupação com a fidelidade aos originais. No que diz respeito ao texto, foi feita uma tradução literal que enfatizasse a relação entre palavra imagem, enquanto o projeto gráfico das legendas buscou conservar cada termo em sua posição original no cartaz. No dia 24 de novembro de 2006, a mostra completa Aos trabalhadores de Kursk, com as 17 fotomontagens, será inaugurada, com todas as legendas em português.

Organização e tradução: Paula Almeida e Gustavo Godoy
Direção de Arte: Elizabeth da Ponte
Revisão do Russo: Ekaterina Volkova

Gustavo e Paula são formados em Letras pela Universidade de São Paulo

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