Segunda 6 de Maio de 2024

CRÔNICA DA JUVENTUDE DO PTS

A geração que nasceu sem medo

06 Sep 2011   |   comentários

Novo ares se respira do outro lado da cordilheira. São os ares do Estado Espanhol dos indignados, da Primavera Árabe dos povos do Oriente Médio, da Grécia e da greve geral. No Chile, 21 anos se passaram dede o fim da ditadura de Pinochet. Uma ditadura que durou 17 anos, anos que pesam. Porém, não é só uma questão de tempo, senão que a profundidade da derrota de toda uma geração penetrou até o mais fundo dos poros da sociedade chilena. Desaparecidos, assassinatos, repressão, saque. Porém, hoje o Chile está começando um caminho de ruptura com essa herança, nas ruas se expressa esse ódio profundo ao regime e suas instituições.

Cheguei a uma cidade de combate e enfrentamentos: os piquetes e barricadas inundam as ruas, panelaços, onde participam o movimento estudantil e movimento operário, junto com outros setores que apoiam as reivindicações. Nas assembleias, os jovens debatem a autodefesa e preparam cada barricada, que sempre termina em duros choques com a polícia assassina. É explosivo. As ruas tem o rastro de cada resistência, dos gases lacrimogênio que os policiais atiram até dentro das universidades. As bandeiras de “Colégio ou Faculdade Tomada” se repetem em cada quadra.

Quinta-feira, segundo dia de mobilização. Concentram-se em distintos pontos da cidade, para logo confluir na Alameda, zona do centro, onde se encontra a sede do governo. Enquanto vamos marchando detrás da bandeira de Filo e Humanidades com os companheiros do PTR, organização irmã do PTS no Chile, centenas, milhares, se aproximam com suas bandeiras. Muitos vão preparados para os usuais combates com os policiais: máscaras, capacetes, limões. A presença policial é imensa, estão por todos os lados, com seus caminhões, com seus trajes verdes, com as mãos manchadas de sangue de anos de continuidade dos métodos repressivos pinochetistas. A convocatória é enorme, mais de 400 mil jovens trabalhadores e estudantes, docentes, funcionários públicos, a força da mobilização é imponente. Os helicópteros da polícia sobrevoam a mobilização. “E vai cair a educação de Pinochet!”, Concerta, Piñera, a mesma carteira!”, são algumas das palavras de ordem. Porque a Concertación é também responsável, junto à direita, para que hoje a educação esteja privatizada. Foram governo durante muitos anos e mantiveram as leis pinochetistas, concordando como Piñera. Por isso, se alguém marchava com a bandeira do PS, era vaiado por quem estivesse perto. A maquiagem começa a se desfazer.

Logo com quatro horas de mobilização, os policiais aqueceram os motores. Começaram a armar barricadas em frente a polícia que protegia a sede do governo, “A Moeda”. E começou a repressão: os gases lacrimogêneos e os “guanacos” lançavam água com gases tóxicos por todos os lados. Os caminhões avançavam, mas havia milhares resistindo, então retrocediam. Os jovens desafiavam a polícia, de milhares, são entre 10 e 20 mil enfrentando o operativo. É a primeira vez que há enfrentamentos tão massivos e o distintivo é que a juventude dos liceos técnicos industriais, de famílias operárias, é a que combatia majoritariamente. Os cabras (assim chamam as crianças) tem entre 14 e 15 anos. Na mobilização, uma bandeira dos liceos dizia “Burgueses, tremam de medo que saíram às ruas os filhos dos operários”, e ali estavam eles, inspirando o medo aos outros, os inimigos. Apedrejaram igrejas, outro grande símbolo do regime repressivo que foi atacado pela mobilização. Também bancos, desde onde saíram mais policiais. Defendiam universidade, onde os policiais ingressavam com sua artilharia. Foram ao redor de quatro horas de enfrentamento, os jovens demonstraram a força e as convicções que os movem.

Educação gratuita já! É uma consigna de massas, toma todo o movimento, apesar de que o PC que dirige as federações estudantis não levanta (só pedem pelo “fim do lucro”). Não é uma reivindicação qualquer, a gratuidade ataca diretamente o regime e uma casta de empresários que se enriquecem com milhões abençoados pelas leis da ditadura. Os que estão fora desse direito elementar são os trabalhadores, as famílias operárias que não podem pagar os milhões de dólares anuais para ter acesso à universidade, eles foram o ponto neurálgico dos ataques da ditadura, hoje vivem suas consequências. As leis trabalhistas que regem o Chile também são uma herança do regime de Pinochet, proibindo a greve nas fábricas, impondo uma “paz social” perpetua. Hoje, os laços de solidariedade de classe que quebraram a ditadura começam a se recompor, os trabalhadores vão ganhando confiança. Nas ruas se expressa o embrião da aliança operária e popular que é a única que pode varrer toda essa herança podre.

Imediatamente começou a campanha do governo direitista de Piñera contra “os ultras” que provocaram “destruição”. Somaram-se às direções da FECH, com Camila Vallejo do PC à cabeça e a CUT com o PS, que atacaram aos “encapuzados” que não respeitaram a “marcha pacífica”. Que marcha pacífica?! Quem põe os caminhões com jatos d’água, a cavalaria, os policiais armados, os gases lacrimogêneos é este Estado que defende sua “moeda”, e que teme que se desenvolvam o questionamento dos interesses de classe, por isso destina mais verbas para equipar os policiais que para o orçamento da educação. Porém, o movimento seguiu seu curso, e pela noite de quinta-feira se repetiram as barricadas e panelaços. É que a massiva mobilização deu uma grande fortaleza à luta dos estudantes e trabalhadores, fortalecendo a confiança pela conquista das reivindicações. Também se repetiram os pactos entre a Concertación, o PC e a direita: os ataques comuns aos milhares que combateram contra polícia abriu caminho a uma nova jornada de repressão pela noite. Desta vez o Estado cobrou a vida de um jovem de 16 anos, Manuel Gutiérrez. Estudava em um liceo próximo de Filo e Humanidades, para eletricista. Na sexta-feira de madrugada outros colégios e faculdades da zona souberam da terrível notícia, organizaram novos cortes de rua. Os policiais seguiam patrulhando os arredores, houveram apagões em vários pontos. Covardes assassinos. A faculdade de Filo e Humanidades, que junto a outros liceos reagiram imediatamente, foram rodeados pela polícia, que os ameaçava apontando com suas armas para o campus desde a praça em frente.

Pela manhã as convocações de assembleias se multiplicaram. Um jovem foi assassinado, um jovem desses que “faz tremerem os burgueses”. Não é casual a onde se dirigem as balas do Estado: é a geração que nasceu sem medo e que em alguns anos encherá as fábricas com sua rebeldia, com a convicção de querer transformar tudo, com a experiência de luta que hoje estão forjando. Os companheiros do PTR de Filo realizaram uma assembleia com muito debate e participação, para aprofundar a luta pela educação gratuita e para que Manuel se converta numa bandeira da juventude que se levanta. Saiu um chamado da assembleia a colocar em pé comitês contra a repressão e o fizeram extensivo a outras faculdades e colégios. Pela tarde se realizaram cortes de ruas e um ‘velório’, como era tradicional nos anos 70, frente aos assassinatos da ditadura. O PC e a Concertación chamaram ao silêncio – apesar de dirigir as federações e a CUT –, não fizeram nenhuma convocatória para repudiar o assassinato. Outra vez, o silêncio cúmplice com o regime.
Os diários anunciaram o chamado do governo ao diálogo para os próximos dias. A FECH e a CUT se apressaram em aceitar sentar-se com Piñera para pechinchar algo que lhes permita conter o movimento. Não querem ir por mais, nem se quer pela educação gratuita, como já demonstraram estes dias no parlamento, onde negociam o “fim do lucro”. São os arrastados de sempre. O silencio sobre o assassinato de Manuel se fez cada vez mais ensurdecedor. Sim, não é só Manuel, esta semana nos inteiramos de outro jovem assassinado pela repressão policial, esteve internado desde quinta-feira, da mobilização, por um disparo no olho e morreu segunda-feira. Mario Perraguez Pinto, tinha 18 anos e participava nas barricadas de Los Nogales.

Desde que começou o processo de luta estudantil, com a entrada em cena do movimento operário, a mobilização de 400 mil e os enfrentamentos com os policiais, entre 10 e 20 mil, demonstraram que o movimento tem uma força que pode ser esmagadora. Claro, pode ser, porém, as direções atuais do PC e a Concertación já começaram a atuar pela contenção. Quando começam a se ver oprimidos pelos milhares que se seguem somando ao questionamento a este regime herdeiro da ditadura, apostam em pisar nos freios. Os jovens chilenos estão escrevendo um novo capítulo da história, de luta nas ruas, de questionamento a regime com remanescentes pinochetistas. Mas para poder vencer verdadeiramente, é preciso que se siga desenvolvendo essa aliança operária e popular que começou a se expressar nas ruas, que se aprofundou nas fábricas, onde está a força de paralisar o país. Nós que lutamos por um governo dos trabalhadores e do povo pobre, baseado em mecanismos de auto-organização, consideramos que seria um grande passo adiante este movimento impor mediante a mobilização e a greve geral uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, baseada na eleição de deputados em todo o país mediante sufrágio universal, para liquidar pela raiz toda a herança do pinochetismo não só na educação, mas também no trabalho, na saúde e nos direitos democráticos cerceados como o direito à greve. A força da mobilização não tem teto, como pretende o PC e o PS, seu desenvolvimento pode impor o conjunto das demandas do povo trabalhador. A reedição da “transição à democracia” já se demonstrou completamente cúmplice à herança da ditadura, para manter seus remanescentes, como tem feito a direita e a Concertación nos últimos 21 anos. Mais uma vez a mesma mentira, não. Por isso a luta pela direção revolucionária é uma tarefa imprescindível para vencer.

Foi um orgulho e uma grande experiência ter participado ativamente junto aos nosso irmãos chilenos destes dias de combate e enfrentamento. A enorme tarefa de preparar a vitória frente a nossos inimigos de classe é a que dedicamos nossas vidas os revolucionários e o fazemos tanto no Chile, como na Argentina e em qualquer país do mundo. A juventude internacionalista, da qual somos parte desde o PTS, começa a abrir caminho junto aos trabalhadores. A classe operária é uma e sem fronteiras, Viva a luta no Chile!









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