Sábado 18 de Maio de 2024

Internacional

A classe operária argentina começa a se recuperar

20 Jan 2005   |   comentários

Em consonância com os processos de ações operárias que começaram no continente, a classe trabalhadora argentina iniciou um curso de ações de luta que, frente às expectativas que ainda se mantêm no governo de Kirchner, têm marcado a política do país.

Um simples olhar sobre a situação da classe operária argentina durante os últimos meses serve para comprovar que este poderoso ator social tem começado lentamente a se recuperar. Os dados de 2004 assim o indicam: durante este período as greves operárias foram o dobro de 2003 e tudo prenuncia que no marco da lenta recuperação económica e queda do desemprego continuarão neste ano. Precisamente, o enorme desemprego foi o que tornou mais lenta a entrada em cena do movimento operário argentino durante e após as jornadas revolu-cionárias de 2001. Hoje, a tendência à queda nos níveis de desemprego vem alentando este inicio da luta operária. Uma pequena passagem pelas manchetes dos principais jornais da Argentina demonstra sua relevância:” Cada vez há mais conflitos sindicais” (La Nación, 5/12); “Trabalhadores ”˜visíveis”™ (Pagina 12, 8/12); “O Governo, entre a pressão salarial e o lento descenso do desemprego” (Clarín, 8/12), etc.

Ferroviários, telefónicos, trabalhadores do metró, docentes, estatais e judiciários, encararam os conflitos mais importantes; em essência, trabalhadores das empresas de serviços públicos privatizadas e estatais. Ainda que no caso dos ferroviários o eixo foi o enfrentamento às demissões, o motor principal destas greves tem sido a reivindicação de aumento salarial ’ cuja média se encontra muito abaixo dos níveis anteriores à desvalorização e rebaixados em relação à inflação.

A perspectiva de que os trabalhadores continuem saindo às ruas foi a razão principal que levou o governo de Kirchner a dar, preventivamente, um limitado aumento de salários, além de colocar em alerta o conjunto da burocracia sindical. Os dirigentes da CGT, junto com os da CTA [1] ’ que aceitam o essencial da política governamental ’, são os principais obstáculos para que os processos atuais se transformem em uma luta séria no terreno da divisão da renda nacional.

A experiência de 2001 e os processos atuais

Embora os estatais e docentes tenham saído à luta, foram principalmente as ações dos trabalhadores dos serviços (ferroviários, telefónicos e metroviários) as que tiveram maior repercussão. Não é para menos, pois trata-se de setores que abarcam milhões de usuários. Sua entrada em cena tem demonstrado nos fatos o caráter estratégico deste setor para o funcionamento do capitalismo contemporâneo, assim como o poder social de seus trabalhadores. Essas greves colocaram a necessidade de que os trabalhadores não atuem com uma lógica meramente corporativa, ligando suas reivindicações às dos setores populares em seu conjunto, começando neste caso pela oposição aos aumentos de tarifas e passagens.

Além disso, a classe operária começa a retomar o método da democracia operária para levar adiante suas reivindicações, isto é, o método das assembléias de base. No caso dos trabalhadores telefónicos, se destaca o fato de que este método ’ apesar de que se tenha mantido o domínio da burocracia [2] ’ permitiu a expressão da base e uma incipiente experiência com estes dirigentes, expressa na votação da assembléia final do conflito, na qual 20% dos trabalhadores rechaçaram a proposta do sindicato, por indicação de nosso dirigente e delegado no sindicato; junto com isto, a ocupação pelos trabalhadores do edifício central, que colocou o país em suspenso ao ameaçar as telecomunicações, demonstrou de maneira contundente, o papel central deste setor do proletariado no coração das empresas capitalistas.

A emergência de uma vanguarda antiburocrática e uma política independente

Porém, se a entrada em cena de setores de massas do movimento operário é um elemento de qualidade na situação argentina, não menos importante é a aparição de uma vanguarda combativa e antiburocrática. Apesar desta onda de lutas ter mantido como direção as velhas cúpulas burocráticas dos sindicatos em docentes e telefónicos, esta situação se combinou com lutas dirigidas por novas direções e a esquerda, como nos casos de metroviários e ferroviários. Este fenómeno se soma a outros de similares características, ainda que não necessariamente surgidos da luta, como são os casos das chapas sindicais antiburocráticas na alimentação, a chapa de oposição Bordó em ferroviários, a recuperação do corpo de delegados do Estaleiro Río Santiago, as seccionais opositoras no sindicato docente de Buenos Aires, etc. O PTS tem sido parte im-pulsionadora de alguns destes processos ’ alimentação, ferroviários, trabalhadores do estaleiro ’, em frente única com setores independentes e de esquerda, assim como de outro fenómeno não menos importante como o do sindicato ceramista de Neuquén e a fábrica Zanon sob controle operário.

Ainda que a persistência do domínio por parte da burocracia peronista nas organizações sindicais continue sendo o elemento mais conservador após as jornadas de 2001, o desprestigio destas camarilhas é enorme, sobretudo entre os trabalhadores mais jovens. Esta crise da burocracia sindical, junto à do Estado e dos partidos políticos do regime, como o PJ, é parte constitutiva da crise orgânica que atravessa a Argentina. A reunificação da central sindical em uma única CGT, com a figura do antimenemista Hugo Moyano, e o deslocamento de alguns dos personagens mais desprestigiados de seu seio ’ como o menemista Rodolfo Daer ’, foi uma medida preventiva diante da potencial periculosidade que pode ter para a burocracia e o governo o inicio da atividade operária generalizada.

A existência de fenómenos anti-burocráticos como os descritos, abre enormes perspectivas para o conjunto do movimento operário. Neste sentido, nossa organização impulsiona a constituição de uma Mesa de Enlace de organizações combativas e antiburocráticas para avançar na coordenação das lutas e impor a disputa antiburocrática nos sindicatos. Esta proposta se insere em nossa luta pela recuperação das organizações operárias, sindicatos, comissões internas e corpos de delegados das mãos da burocracia. Neste sentido consideramos um passo à frente a linha empreendida pelos operários de Zanon junto ao corpo de delegados de metroviários e outras comissões internas e agrupações sindicais combativas, por avançar no reagrupamento dos setores combativos.

A perspectiva de um ressurgir da luta de classes evidencia a necessidade de que a classe operária supere o marco das lutas reivindicativas e avance no caminho da luta política em sua experiência com o atual governo, despojando-se de suas ilusões presentes, já que o “capitalismo sério” de Kirchner pouco tem para dar frente às expectativas das grandes massas.

Neste sentido o PTS através de seus principais dirigentes operários, hoje à frente de alguns dos mais destacados processos de vanguarda, lança uma campanha nacional pela formação de um grande Partido de Trabalhadores; um partido baseado nas organizações de luta da classe operária: os sindicatos, comissões internas, corpos de delegados e certamente organizações representativas dos desempregados.

Este partido que propomos é, desde já, muito distinto do PT do Brasil, onde o aparato político parlamentar e Lula se desvincularam dos trabalhadores organizados na CUT para terminar como aliados de empresários como Alencar e administrar o capitalismo e os planos do FMI. Trata-se, pelo contrário, de um partido para que as organizações de luta operárias se desvinculem do poder político patronal, expressando no terreno político a força social dos milhões de traba-lhadores e desempregados, capaz de arrancar do peronismo a influência de massas e de decidir de maneira efetiva no curso dos acontecimentos na vida política nacional.

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

[1Central Sindical que agrupa principalmente estatais e docentes.

[2A direção deste sindicato está integrada por dirigentes ligados à CGT de Moyano e à CTA, fazendo parte o Partido Obrero argentino ’ ligado ao Partido da Causa Operária do Brasil ’ que teve uma atitude complacente diante destes setores da burocracia e não foi alternativa durante o conflito.

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