Sexta 26 de Abril de 2024

Direitos Humanos

CÂMARA DE VEREADORES DE SP VOTA DIA DO ORGULHO HETEROSSEXUAL

O dia do Orgulho Heterossexual, a liberdade de expressão e a confiança na democracia burguesa.

10 Aug 2011 | “Tudo se discute neste mundo, menos uma única coisa que não se discute... não se discute a democracia. A democracia esta ai, como se fosse uma espécie de santa no altar de quem já não se espera milagres, mas que esta ai como uma referencia... é a democracia. E não se repara que a democracia em que vivemos é uma democracia seqüestrada, condicionada, amputada, porque o poder do cidadão, o poder de cada um de nós limita-se na esfera política, a tirar um governo de que não gosta e por outro de que talvez venha a gostar, nada mais. Mas as grandes decisões são tomadas numa outra esfera, e todos sabemos qual é: As grandes organizações financeiras internacionais.” – José Saramago em conferencia no Fórum Social Mundial.   |   comentários

A liberdade de expressão é tida como a panacéia para solidificar a democracia. Na paulicéia desvairada, esta panacéia atingiu um fato emblemático: A Câmara Municipal de São Paulo aprovou no último dia 2 de agosto, o projeto de lei 294/2005, do vereador Carlos Apolinário (DEM), que institui, no município, o Dia do Orgulho Heterossexual. O projeto depende apenas de sanção do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, para virar lei. O vereador declarou que o seu objetivo é "conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes". Já para o prefeito, criar o Dia do Orgulho Heterossexual em São Paulo não incentivaria a homofobia, na opinião de Gilberto Kassab (PSD). "É um projeto como outro qualquer", afirma ele.

Sim, sim é isto mesmo! Finalmente os heterossexuais, - tão esquecidos e oprimidos - terão ao menos um dia no calendário oficial da cidade para serem lembrados e combater o preconceito a que estão submetidos. Para promover o evento quiçá poderá ser criada a Parada do Orgulho Heterossexual. Neste dia, casais heterossexuais poderão dar as mãos sem serem humilhados, xingados ou agredidos na rua por conta de sua orientação sexual, e esperamos também que não sejam mortos por gangues LGBT´s ao serem identificados (ou confundidos!) como heterossexuais. Talvez por conta de serem cotidianamente oprimidos, no dia da parada vão enfatizar algumas das suas características de maneira meio caricata e os que não sofrem tal estigma não vão ter sensibilidade para entender estes meandros, o que pode reforçar ainda mais o preconceito dos setores reacionários.

Esta proposta não se dá isoladamente, descolada da atual conjuntura em que vivemos, pelo contrário, ela aponta e reflete o momento histórico atual, e deve servir para uma reflexão mais profunda. Até porque está claro que não se trata de promover o orgulho heterossexual, - o que por si só já seria uma idiotice - mas de se opor ao dia do orgulho LGBT como fica evidente na justificativa da lei . Tal justificativa tem sérios agravantes, mas por hora gostaria de chamar a atenção pelo caráter embusteiro da lei e o que isto significa de conjunto. Para, além disto, desde que a homofobia ganhou as páginas da mídia burguesa de maneira mais assídua, a partir dos ataques a jovens homossexuais na Avenida Paulista bem como da reação em apoio a estes ataques (seguindo a mesma tática embusteira) de figuras políticas como o deputado Jair Bolsonaro e a Deputada Miriam Rios a falácia da “liberdade de expressão” penetrou até mesmo no movimento social LGBT sendo repetida por alguns ativistas.

Queremos mostrar como esses episódios se ligam, e o quanto este sistema de coisas (modo de produção capitalista) e sua governabilidade (a democracia burguesa) se apóiam no machismo, na homofobia, no racismo e em outras formas de apartar, dividir e cingir a classe trabalhadora, bem como fazer uma modesta reflexão a respeito de demandas democráticas que podem e, sobretudo, devem ser apoiadas pela esquerda de conjunto.

O movimento social vem assumindo um caráter cada vez mais particularista, departamentalizado, sendo esta expressão evidente no movimento LGBT, isto ocorre em detrimento dos seus conteúdos universais, tornando o movimento LGBT como um fim em si mesmo, sem perceber o fio condutor de opressão e, sobretudo de exploração que obscurece a luta de classes e com isso deixa de ir ao cerne da questão atingindo seu ponto mais nevrálgico. Além do que a institucionalização do movimento LGBT, ocasionando a sua cooptação e a adaptação a miséria do possível, em um conformismo possibilista que está na contramão do que foi Stonewal, quando foram erguidas barricadas em Nova Iorque contra a opressão policial, o símbolo histórico que transformado originou a Parada Gay. Se de um lado temos movimentos sociais que depositam uma confiança infinita no parlamento burguês e em idéias como as de “controle social” e construção de “políticas públicas” de outro temos partidos e organizações de esquerda insensíveis aos acontecimentos do cotidiano, pouco orgânicas em relação ao mundo real, que se põem no mundo “sazonalmente” ao sabor da conquista de “posições” parlamentares ou sindicais como fins em si mesmos. Tudo isto se reflete em um pacifismo estéril, um espírito morno que nada tem a ver com a melhor tradição revolucionária pois vai a reboque dos acontecimentos e deixa a roda da história girar lentamente ao sabor do acaso.

Em algum momento vamos cansar de sermos mortos, e neste dia não iremos até os parlamentares exigir mais um projeto de lei, não iremos às delegacias pedindo proteção, neste dia o legado de Stonewal reaparecerá com toda a sua força demonstrando que a auto determinação dos povos é imprescindível para a sua real emancipação. Também neste dia outros setores de oprimidos se levantarão em nossa defesa e nós reciprocamente, pois a consciência anda a passos largos quando se manifesta materialmente.

Isto também serve para entendermos como o pacifismo compõe a ideologia dominante. Ela tem todo um arcabouço a seu favor e a idéia de cidadania (um individuo isolado, como um átomo), de cultura da paz, de representação parlamentar que melhora a sociedade por reformas bem como uma ditadura dos corpos que impõem uma moral burguesa, machista e heteronormativa, engendra uma engrenagem a serviço dos donos do poder que mantém as coisas exatamente como estão, concedendo migalhas que são vistas como benesses. É muito importante ressaltar o papel que cumpre a ideologia dominante. “Ela tem a seu favor o poder material e um equivalente arsenal político-cultural”1. Esta ideologia cumpre um papel de ajustamento estrutural, sendo as mudanças conquistadas apenas perfumarias.

O movimento social no Brasil lutou e conquistou o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei Maria da Penha e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para ficar resumidamente nos marcos legais, não obstante enfrentamos um momento na história de crise capitalista e quando este sistema passa por sua moléstia estrutural estas conquistas viram pedaços de papel, direitos históricos são tirados do dia pra noite e neste sentido sabemos que nenhum estatuto burguês elevou a condição do povo negro, nem uma lei de defesa das crianças e adolescentes impediu a precarização do ensino publico, do acesso a saúde e de condições mínimas de uma vida digna. Entendemos que questões democráticas como o combate ao Machismo, ao Racismo e Homofobia em suas distintas formas de expressão, podem conformar uma frente única da esquerda fortalecendo o movimento. Desde a tentativa da implementação da União Civil Estável, (quando o movimento aceitou tirar o direito a adoção) até a chegada da PLC 122 que sofreu um ataque revisionista, o movimento LGBT acumulou experiência suficiente para perceber que é moeda de troca tanto no poder executivo quanto legislativo2.

Reivindicamos o exemplo dos precursores do movimento homossexual no Brasil, que agrupados no Jornal “O Lampião da Esquina” e no Grupo Somos, travaram uma luta política importante para participar ativamente do último ascenso e foram ovacionados no Estádio da Vila Euclides em São Bernardo ao se solidarizarem com os operários. Certamente esse ato possibilitou enormes avanços de consciência.

Os próprios heterossexuais se vêem atingidos pela formatação de tipos ideais, pois assim como não existe uma homossexualidade, também a heterossexualidade é muito distinta em diferentes formas de expressão de desejos que burlam a construção mecanizada e dualista de ser homem ou ser mulher, que nos obrigam a desempenhar papéis rígidos e cristalizados. Vale lembrar que o massacre promovido pela ideologia de extrema direita na Noruega também tinha um caráter de afirmação de orgulho branco, não-miscigenado e cristão.

Não podemos mais permitir essa perseguição cotidiana contra nossa sexualidade!
Tal qual a democracia que vivemos o dia do orgulho heterossexual é uma farsa. Somos contra toda essa farsa, e chamamos os setores mais destacados do movimento LGBT e da esquerda a se organizarem contra esse embuste e toda forma opressão, violência e cerceamento a que estamos submetidos.

1- Mészáros, István – (2008).
2- O programa lulista “Brasil Sem homofobia” mal saiu do papel, e a Dilma Roussef, pressionada pela bancada evangélica jogou o kit anti-homofobia na lata de lixo.

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