Sábado 27 de Abril de 2024

Direitos Humanos

ENTREVISTA

O Centro de Profissionais pelos Direitos Humanos vem ao Brasil para colaborar na luta em defesa do Sintusp e pela readmissão de Brandão

28 Mar 2009   |   comentários

Em fevereiro último, esteve no Brasil Raul Godoy, delegado da gestão operária de Zanon e do Sindicato Ceramista de Neuquén, na Argentina, para participar e apoiar a campanha contra a demissão de Claudionor Brandão, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP) e dirigente da Liga Estratégia Revolucionária (LER-QI). Agora, nos primeiros dias de abril, chega ao Brasil Mariano Pedrero, advogado do Ceprodh (Centro de Profissionais pelos Direitos Humanos) e da gestão operária de Zanon, com a mesma finalidade. Tanto Godoy quanto Mariano são dirigentes do Partido de Trabalhadores pelo Socialismo (PTS), organização irmã da LER-QI na Argentina. A seguir publicamos entrevista realizada com Mariano.

JPO: Está vindo prontamente ao Brasil para colaborar com a campanha pela readmissão de Brandão...

MP: Sim. A demissão de Brandão e o ataque ao SINTUSP são fatos sintomáticos. Em todo o mundo começam a se sentir os efeitos da crise económica internacional. Demissões e suspensões massivas se somam à negativa em realizar aumentos salariais. Há uma ofensiva das patronais e de seus governos contra a classe trabalhadora. Para manter seus negócios e seus lucros, os capitalistas querem que a crise seja paga por aqueles que não a geraram. Contam, como é tradição, com a cumplicidade e a colaboração dos dirigentes sindicais vendidos. E o Brasil não é a exceção: desde outubro até hoje mais de 200 mil trabalhadores perderam seu emprego só no estado de São Paulo. Mas a classe operária começou a se rebelar em várias regiões do planeta. Desde o velho continente até a Ilha de Martinica vemos greves gerais e mobilizações de jovens e estudantes. Os capitalistas têm faro aguçado e se adiantam. Sabem que não será simples passar seus planos e querem evitar que haja resistência onde há organizações combativas sindicais e dirigentes e ativistas decididos. Por isso, passando por cima de sua própria legalidade, atacam de antemão. Na zona norte da Grande Buenos Aires, onde está a concentração operária mais importante da Argentina, ou na província de Córdoba, onde se concentra o grosso da indústria automotriz, estamos vendo um processo de demissões e perseguições a delegados e ativistas operários. As multas ilegais ao SINTUSP, a demissão de Brandão e a perseguição a outros lutadores do sindicato configuram um claro ataque, que é parte desta ofensiva e se devem a sua história e sua tradição combativa.

JPO: Você disse que os ataques são “ilegais” e que os capitalistas passam por cima de sua “própria legalidade” . O que significa isso?

MP: O Direito, o sistema jurídico, é uma das instituições fundamentais através das quais os capitalistas tentam assegurar e proteger as relações e condições sociais que lhes permitem manter o atual sistema de exploração. Ainda que nem tudo seja coerção, o sistema jurídico não é o produto ou a criação de uma suposta “vontade geral” como pretendem os contratualistas e liberais, mas a expressão da vontade e uma imposição da classe dominante. Agora, no que concerne ao direito trabalhista, à medida que a classe operária foi se organizando e avançando em sua consciência, foi sendo protagonista de enormes lutas que puseram limites relativos à exploração capitalista. As conquistas do movimento operário se refletiram logo em normas jurídicas e leis, em direito positivo. O movimento mundial pelas 8 horas de trabalho é, talvez, um dos exemplos mais conhecidos desse processo. Nos auges do capitalismo, junto com as terríveis condições de trabalho, a greve e a organização sindical estavam não só proibidas como também eram consideradas como crime. Em 1791, a Assembléia Constituinte francesa proibiu os grêmios com a lei Le Chapelier e foi seguida pelo Código Penal napoleónico que sancionava com prisão os trabalhadores que se unissem em defesa de seus direitos. Logo depois da Revolução de 1848 e a Comuna de Paris, foi reconhecido o direito de agremiação na França. Na Inglaterra o processo foi similar: as Combination Acts do fim do século XVIII, que condenavam à reclusão pela coalizão ou pela greve, foram desafiadas pelos operários e, entre outros, o movimento luddista, até que em 1825 a Peel´s Act reconheceu a greve e a organização coletiva. Cada uma destas conquistas teve que ser arrancada da burguesia com enormes lutas que deixaram milhares de mártires no movimento operário. Inclusive foi logo depois do terror que a grande revolução russa lhes provocou que as constituições liberais foram incorporando artigos que reconhecem o exercício da greve, os sindicatos, etc. Esta tampouco foi uma concessão alegre dos capitalistas. A força demonstrada pelo proletariado nas revoluções mexicana e alemã forçou a incorporação deste tipo de clausula, pela primeira vez, na Constituição do México de 1917 e na da República de Weimar de 1919. Em poucas palavras, sem alterar o núcleo essencial que lhes garante a propriedade privada dos meios de produção e a continuidade da exploração da maioria assalariada, os capitalistas modificam o sistema jurídico incorporando normas favoráveis à classe operária só quando uma determinada relação de forças os obriga a isso. Agora, é necessário fazer duas ressalvas. A primeira é que, a quem considera que pela via desta evolução o capitalismo pode humanizar-se passo a passo, o processo não é linear ou evolutivo. Cada vez que os capitalistas recompõem uma relação de forças favorável, eles avançam sobre o conquistado. A ofensiva neoliberal e a fragmentação que provocou na classe operária levaram, por exemplo, ao surgimento de formas “legais” de superexploração que instituíram a precarização ou o avanço da legislação antisindical, como nos EUA depois da derrota da greve dos controladores de vóo em 1982. A segunda ressalva é que, no dia a dia, no cotidiano do despotismo que se vive porta adentro das fábricas e dos locais de trabalho, os “direitos trabalhistas” são ignorados pelas patronais que atuam na “ilegalidade” , seja para aumentar seus lucros com base na superexploração ou para arremeter contra as organizações operárias que lhes impõem um freio. Neste terreno é onde tem importância o aporte que nós advogados que estamos comprometidos com a luta e o destino da classe trabalhadora podemos fazer.

JPO: Vocês no Centro de Profissionais pelos Direitos Humanos (CeProDH) utilizam seus conhecimentos como suporte para as lutas dos trabalhadores e dos setores populares.

MP: Isso. O CeProDH é um organismo independente do estado, do governo, das empresas e das centrais sindicais. Muitos de nós somos advogados trabalhistas que assessoramos comissões internas, delegados e grupos de trabalhadores que lutam e se organizam. Somos assessores dos trabalhadores de Zanon, de sua gestão operária e do Sindicato Ceramista de Neuquén, o único sindicato industrial na Argentina que foi recuperado da burocracia peronista por um grupo de trabalhadores classistas e de esquerda. Nossa prática parte de considerar que o fundamental passa pela luta de classes, a força e a organização dos trabalhadores. Propomos as estratégias jurídicas partindo de respeitar as decisões das assembléias operárias, antepondo a legitimidade ao princípio de legalidade e buscando desenvolver a mobilização e as campanhas políticas. Evitamos despertar falsas ilusões sobre “a justiça” entre os trabalhadores, explicando que a mesma é de classe, ao mesmo tempo que nos opomos a uma visão infantil na qual muitos caem ao depreciar as táticas jurídicas e se limitam a dizer que “o estado é burguês” . Partindo desses princípios, e no estritamente técnico, buscamos os mecanismos para utilizar as contradições que se criam entre o atuar das patronais e das normas legais ou das que se derivam do próprio sistema jurídico burguês. E quando elas não existem ou não as encontramos, recorremos à criatividade. É um terreno desfavorável para a batalha porque, como lhes dizia no início, as leis são feitas para defender este sistema de exploração e os interesses dos capitalistas. Mas ninguém disse que se rebelar contra o capitalismo é uma questão simples, e a experiência demonstra que nosso aporte pode ser de grande utilidade. Alguns desde uma visão classista e outros desde uma posição revolucionária, como em meu caso, impulsionamos o CeProDH com esta perspectiva. O mundo que conhecemos nos últimos anos está mudando drástica e velozmente. Os tempos que estão por vir necessitarão do esforço e da vontade de novas gerações de advogados de se ligar à classe operária, que sejam um ponto de apoio nos primeiros momentos dos combates.

Tradução: Luciana Machado

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