Sábado 18 de Maio de 2024

Juventude

ENTREVISTA SOBRE MOVIMENTO ESTUDANTIL

Lições dos últimos processos e perspectivas

06 Apr 2008 | O movimento estudantil segue protagonizando lutas nesse ano. O Jornal Palavra Operária entrevistou Felipe Campos, estudante da Ciências Sociais da PUC-SP, com o objetivo de abrir um debate sobre as lições que devem ser tiradas dos últimos processos e sobre as tarefas do momento.   |   comentários

JPO: Qual é o projeto dos governos e das burocracias acadêmicas para as universidades?

FC: Poderíamos dizer em linhas gerais que há uma crise no sistema universitário nacional que tem dois aspectos fundamentais. O primeiro é do ponto de vista da burguesia, que necessita que a universidade forme mão-de-obra qualificada e que produza ciência e tecnologia para o grande capital. Tudo isso, consumindo o mínimo de recursos do Estado burguês ou privatizando a universidade para transformá-la em mais um nicho de mercado. Essa é exatamente a orientação de organismos imperialistas como o FMI e o Banco Mundial que está contida em vários documentos. O segundo aspecto da crise é do ponto de vista da população, que tem um anseio de democratização do acesso à universidade.

A única coisa que FHC fez frente a essa situação foi permitir o crescimento anárquico das universidades privadas a partir de 1994 e agravar a crise. Afinal, não resolveu o problema da burguesia de mão-de-obra qualificada devido à baixa qualidade dos cursos e devido a que houve super-saturação de algumas áreas que abriram dezenas de milhares de vagas de maneira totalmente descontrolada, como pedagogia e direito, em detrimento de outras mais necessárias à burguesia. Mas do ponto de vista da população é que não resolveu nada mesmo. Em primeiro lugar porque não pode ser democrático pagar caro por um ensino de baixíssima qualidade em geral e, em segundo, porque muitas vezes os mais prejudicados são os milhares que entraram nessas faculdades privadas, gastaram muito dinheiro e sequer conseguem entrar no mercado de trabalho devido ao desemprego e à super-saturação. Ou seja, a expansão neoliberal de FHC serviu apenas para criar um novo nicho de mercado para grandes capitalistas: a educação.

Essa expansão das privadas foi tão anárquica que a primeira coisa que Lula teve que fazer foi salvar os capitalistas do ensino, ameaçados pela crise de “super-produção” expressa nas vagas ociosas e na inadimplência de mensalidades. Foi por isso que a primeira medida foi o PROUNI que dá bolsas a estudantes pobres nas faculdades privadas em base à isenção de impostos para esses capitalistas. Apesar do discurso do governo de “Universidade para Todos” , não foram mais do que algumas míseras vagas, em sua grande maioria em faculdades de baixa qualidade. É por isso que sempre dissemos que o PROUNI era uma pequena concessão com muita demagogia para passar um grande ataque: o aprofundamento da privatização da universidade. O ataque é justamente o que a população vê pouco, mas o fato é que o PROUNI significa deslocamento direto da verba pública para salvar os capitalistas das privadas através da isenção de impostos.

No segundo mandato Lula foi mais engenhoso, pois o PROUNI ainda não atendia à demanda da burguesia de mão-de-obra qualificada com verba pública nem a demanda de democratização do acesso às universidades públicas. Foi para isso que veio o REUNI. O movimento estudantil soube denunciar muito corretamente que o REUNI vai sucatear a qualidade de ensino e apontar todos os ataques que continha o decreto. Porém, isso não bastava. Porque, no caso específico da crise do sistema universitário brasileiro, para o governo atender aos interesses da burguesia é obrigado a fazer concessões como a expansão de vagas e os cursos noturnos. É que a universidade pública brasileira é tão elitista que em um determinado sentido nem para a burguesia ela serve mais, já que não atende nem à quantidade nem ao tipo de mão-de-obra que ela precisa.

Mas seria errado pensar que com o PROUNI e o REUNI Lula resolve os dois aspectos da crise que colocamos. O PROUNI serviu como medida paliativa para salvar os capitalistas do ensino e o REUNI é um passo à frente da burguesia em adequar a universidade de acordo com seus interesses. Porém, do ponto de vista do anseio das massas de democratização da universidade, não passam de pequenas concessões. Por exemplo, na cidade de São Paulo, que é a principal capital do país e tem 20 milhões de habitantes, sequer há expansão de vagas porque aqui não existe universidade federal. Ou seja, a massa dos trabalhadores e do povo paulistano continuará fora da universidade ou, no melhor dos casos, conseguirá algumas poucas vagas via PROUNI nas particulares. A verdade é que sem questionar o funil elitista e racista do vestibular e que cerca de 70% dos universitários do país são obrigados a pagar para estudar, não é possível falar de “Universidade para Todos” . Os dados da FUVEST, que organiza o vestibular da USP, falam por si só: 77% brancos, 70% estudaram somente em escola particular, 80% não trabalham, 86% com renda superior a mil reais por mês, 61% com pais formados no ensino superior.

JPO: Qual é o balanço que você faz desses processos de luta?

FC: É muito importante fazer um balanço profundo para superar essa tradição do petismo que diz que o movimento, só de surgir, já é vitorioso. Sem isso, nunca vamos tirar as lições para chegar a vitórias que sejam qualitativas para transformar a universidade.

Eu acho que os avanços mais importantes que tivemos foi que os estudantes começaram a confiar nas próprias forças, superando as velhas direções burocráticas, e que radicalizamos no método adotando medidas de força como ocupações e greves. Mas o fato de que, apesar dos esforços de milhares de estudantes, não conseguimos mais do que vitórias parciais ou derrotas como na luta contra o REUNI, deve nos fazer abrir os olhos para as debilidades desse novo movimento estudantil. Vou colocar algumas questões que achamos que deveriam ser discutidas em todo o país, nos cursos, nas salas de aula, e principalmente onde seguem havendo processos de luta como na ocupação da UNB ou na PUC, Fundação Santo André e Cásper Líbero em São Paulo.

A primeira questão é sobre o programa. Quase todas as demandas levantadas no ano passado foram defensivas, contra os ataques. Radicalizamos no método, mas isto esteve desligado de uma radicalização no programa. Sem dúvida, qualquer mobilização teria que partir de lutar contra os ataques, mas se nos limitamos a isso e deixamos a luta por uma nova universidade como palavras nos discursos ou panfletos, não vamos conseguir mais do que vitórias táticas, que depois vão ser boicotadas ou compensadas com outros ataques quando o movimento refluir. É o que está acontecendo na PUC-SP, na FSA e inclusive na USP [1].

No caso da luta contra o REUNI é pior porque sequer vitórias táticas tivemos. Isso não é uma coincidência, pois foi justamente onde havia certas concessões que foram ignoradas pelas direções do movimento, o que levou ao isolamento dessa luta em relação à sociedade. O PSOL e o PSTU se limitaram a levantar a bandeira da luta “contra o sucateamento” , expressa na consigna “Contra o REUNI” que não era acompanhada com nenhum programa pela positiva. Ou seja, era a defesa da universidade tal como ela é, elitista e racista. O governo dizia aos quatro cantos do país que éramos elitistas contra a expansão de vagas, contra os cursos noturnos... e onde estava o movimento estudantil? Dentro das reitorias ocupadas, muitas vezes descolados dos estudantes da própria universidade, para não dizer da população. O fato é que isso facilitou a política do governo Lula que tem a educação como a área melhor avaliada nas respostas espontâneas na última pesquisa da Datafolha.

A única maneira de derrotar a reforma universitária do governo Lula que vem sendo implementada de forma fatiada seria se o movimento estudantil ultrapassasse os muros da universidade e se ligasse aos trabalhadores e ao povo, mostrando como a verdadeira “democratização da universidade” não virá das mãos do governo, mas somente a partir de uma enorme luta de massas. Mas essa aliança não poderia se dar somente “Contra o REUNI” , mas se o movimento estudantil levantasse uma luta por uma expansão massiva de vagas públicas através da expropriação sem indenização de todas as universidades particulares, com as verbas necessárias para um ensino de qualidade sob a base do não pagamento das dívidas externa e interna. Essa seria uma maneira de acabar com o vestibular, pois já há mais vagas nas universidades do que estudantes que se formam no colegial. Dizem que essa luta é uma utopia, mas basta olhar até mesmo para outros países da América Latina para ver que na maioria não há vestibular e há muito mais vagas nas universidades públicas.

Outro problema fundamental foi não termos avançado para envolver o conjunto dos estudantes nas decisões sobre os rumos do movimento, ligando a mobilização e as ocupações organicamente às salas de aulas e às faculdades, com delegados eleitos de forma democrática que levem à frente as decisões da maioria. Essa seria também a maneira mais democrática e eficaz de coordenar o movimento nacionalmente. Infelizmente, o PSOL e o PSTU se negaram a impulsionar a auto-organização e condenaram os movimentos em cada universidade ao isolamento.

Uma luta exemplar que teve vários elementos que defendemos foi a dos estudantes franceses contra o Contrato de Primeiro Emprego que foi verdadeiramente vitoriosa. Eles adotaram a auto-organização para massificar a luta e unificá-la nacionalmente, e buscaram o apoio da sociedade.

JPO: E quais são as tarefas do momento?

FC: Nós achamos que o movimento estudantil precisa se reorganizar nacionalmente, partindo de prestar uma grande solidariedade às lutas em curso como a da UNB e levantando uma campanha nacional contra a repressão e os ataques que estão colocados.

Mas é essencial que essa reorganização seja de baixo para cima, através da auto-organização e construindo encontros estaduais para coordenar as lutas em curso. Qualquer encontro nacional que não seja construído dessa maneira será mais um encontro que não servirá para armar o movimento estudantil.

Em São Paulo, começamos a dar uma batalha nesse sentido, lutando para construir um encontro estadual. Na própria construção desse encontro que deve ser amplamente discutido nas bases, devemos começar a cercar de solidariedade as lutas em curso da PUC-SP, da FSA, da Cásper Líbero e da UNICID, que são todas privadas (ou de direito privado como a FSA). São muito importantes para, ligadas às estaduais paulistas, onde começa a haver alguma mobilização, soldar uma aliança inédita entre o movimento estudantil das públicas e privadas.

Mas essa aliança só será efetiva se dermos um passo adiante e levantar ofensivamente as demandas que questionem profundamente o caráter da universidade elitista e racista, buscando o apoio da população e apontando para uma luta por uma universidade a serviço dos trabalhadores e do povo.

[1Para aprofundar nesses temas, visite o site www.movplenospulmoes.org

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