Domingo 19 de Maio de 2024

Juventude

FRANCA

Entrevista com Adriano, estudante perseguido

18 Apr 2011   |   comentários

Frente aos absurdos processos repressivos que vem se desenvolvendo no conjunto das universidades estaduais paulista (Usp, Unesp e Unicamp), sendo diversos estudantes e trabalhadores perseguidos, expulsos e demitidos por lutarem por uma universidade e um ensino distinto, o caso da Unesp Franca salta aos olhos. Adriano está sendo perseguido e corre o risco de ser expulso da universidade por ter discordado de um professor em sala de aula.

Por trás do discurso dos governos, reitores e diretores e até mesmo professores, que tentam colocar a universidade como ’centros de excelências’, de espaços democráticos e por essencia das discussões e do diálogo, o que vemos é uma lógica perversa, com uma estrutura de poder totalmente anti-democrática para reprimir (seja fora ou dentro das salas de aula, locais de trabalho, etc) todos aqueles que se indignam com a real situação da educação e lutam para transformá-la.

O jornal Palavra Operária (JPO) entrevistou Adriano, estudante da Unesp Franca.

JPO: Por que estão abrindo uma sindicância contra você?

Adriano: Tudo começou quando eu fiz uma intervenção em uma atividade sobre “Educação e Sociedade” criticando a posição do Prof. P. G Tosi – candidato a diretor do câmpus de Franca na ultima eleição e impulsionador do curso de pedagogia à distância pela UNIVESP – que eram as mesmas que o Reitor João Grandino Rodas da USP defende para a Universidade; que é uma universidade cada vez mais elitista e excludente. Chegou a dizer que a universidade pública realmente não pode ser para todos, e que está bem ela ser tão restrita. Além disso, para a educação básica, reproduziu o discurso do Governo do Estado, culpabilizando o professor pela má qualidade do ensino público - sem questionar a situação que se encontram os professores hoje. Na semana seguinte, na primeira aula com o professor, ele começou me procurando e me ameaçando de ‘colocar nos eixos’. Durante sua aula ele voltou a defender esse projeto de Universidade elitista na qual estudante pobre não tem direito de estudar por que "não tem interesse", utilizou da sua posição de professor para ‘lavar a cara’ de autores racistas, como Gilberto Freire e ainda fez piadas ridicularizando as relações sexuais homoafetivas. Quando a aula já havia praticamente se encerrado e os estudantes levantado, o professor se dirigiu a mim em tom provocativo perguntando se eu havia entendido porque não era possível ter uma Universidade para todos. Critiquei então o seu método de abordagem da discussão e que havia achado ’uma merda’ o conteúdo de sua aula, critiquei ainda o quanto que ele havia reproduzido o racismo e a homofobia. Ele então me chamou de idiota e disse que iria me expulsar da Universidade, pois era membro da Congregação. Na semana seguinte chegou pra mim um Boletim de Ocorrência e fui obrigado a depor na delegacia por “desacato”. O Prof. P.G. Tosi enviou então um ofício para o diretor, Prof. Fernando Fernandes, anexando o B.O., três semanas depois fui intimado por meio de uma sindicância aberta pela vice-diretora no exercício da direção, Profª Célia Maria David, com ameaça de expulsão. Esse oficio do Prof. Tosi era a desculpa perfeita que a burocracia precisava para me expulsar da UNESP, desde que eu entrei no curso de história de Franca, a direção vem buscando me retirar da Universidade, a primeira ação foi a vice-direção, sabendo que eu não possuo condições financeiras para estudar em outra cidade, me retirar arbitrariamente do processo seletivo da moradia estudantil, alegando que eu havia feito ‘coisas’ durante a minha outra graduação em São José do Rio Preto. ‘Coisas’ essas que ela não se propõe a dizer o que são, pois sabe que as únicas ‘coisas’ que eu fiz em Rio Preto foi lutar por mais vagas na moradia, por mais bolsas de permanência estudantil, pela abertura do restaurante universitário não terceirizado (que com muita luta conseguimos que começasse a funcionar esse ano), estar junto dos trabalhadores nas lutas pelo direito de greve e pela isonomia salarial, defender uma Universidade aberta a toda a população e combater as opressões e a sua reprodução nos currículos, nas salas de aula e nos colegas, construindo com o DCE, por exemplo, o “I Festival Interunesp Contra as Opressões”. Agora, esse ofício do Prof. Tosi caiu como uma luva para que a burocracia avance com essa política de perseguição, repressão e expulsão.

JPO: Há outros casos de perseguição e repressão como o seu?

Adriano: Desde o inicio de 2000, tendo como ponto de inflexão o ano de 2007, quando o movimento estudantil e de trabalhadores das três estaduais paulistas se colocaram em grande luta contra os decretos do governo Serra e os estudantes das federais contra os ataques do governo Lula com o REUNI, as Reitorias e o governo do Estado vem utilizando da repressão aos que lutam para intimidar e disciplinar o conjuntos dos estudantes e trabalhadores. No final de 2008 o governo do Estado e a reitoria da USP demitiram o dirigente do SINTUSP, Claudionor Brandão. A partir de então, inúmeros processos começaram a cair sobre os demais dirigentes e estudantes que participaram das lutas de 2007, em especial da ocupação da Reitoria da USP, sendo que existem 21 estudantes ameaçados de expulsão com base em um Estatuto feito durante a ditadura militar. Esse ano, com a polarização gerada em torno do Reitor Rodas da USP e o amplo descontentamento da comunidade com suas ações de implementação do projeto privatista de Universidade (o mesmo defendido pelo Prof. Tosi.), o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (CRUESP) direcionou o ataque à Unicamp - abrindo sindicância para demitir 9 trabalhadores que lutaram ano passado em defesa da isonomia salarial, contra o ataque ao direito de greve e pela readmissão de Brandão - e à UNESP, perseguindo estudantes que desafiam as imposições repressivas das burocracias, em Presidente Prudente, em Bauru, em Araraquara, em Rio Claro, em Rosana e, agora, novamente, em Franca.

Novamente, porque em Franca, por exemplo, 7 estudantes foram expulsos em 2005 por se manifestarem contra o REItor que estava presencialmente na faculdade. E sabe quem estava na linha de frente em exigir e implementar as expulsões? Nada mais, nada menos do que P.G. Tosi.

Além disso, em 2010, Fred, um excelente funcionário, que sempre esteve em todas as mobilizações lutando por melhores condições de trabalho foi exonerado de seu cargo por pedir que a atual direção averiguasse um suposto ’desvio de verbas das multas da biblioteca’. A direção arquivou a denuncia e demitiu o companheiro.

Geralmente as coisas funcionam assim na universidade. Lentidão e paralizia para garantir condições de estudo e trabalho, e velocidade para reprimir os que se colocam em luta por um outro projeto de universidade. Um exemplo dessa lógica é lembrarmos ano passado, na USP, em que um companheiro morador do CRUSP (moradia estudantil) teve um infarte, e ficou estirado no chão, perto da reitoria da USP o dia todo, no sol quente, sem sequer ter sido socorrido, até terminar falecendo. Já em contraposição, em 2009, com a maior velocidade, a polícia militar invadia a USP, para reprimir, bater e prender estudantes e trabalhadores que estavam em luta.

JPO: O que é preciso fazer para acabar com a repressão e a perseguição aos membros do movimento estudantil e de trabalhadores?

Adriano: É preciso antes de tudo, enxergar que esses ataques não são isolados, mas sim organizados de maneira consciente pela burocracia das três universidades para conseguir debilitar a organização dos estudantes e trabalhadores e passar o projeto do governo do Estado de São Paulo de privatização e elitização maior da Universidade Pública, com fechamento de cursos sem demanda para o mercado, diminuição das vagas, aumento da dificuldade do vestibular, aumento das terceirizações e super-exploração, demissões de trabalhadores efetivos, implantação de mais cursos pagos, diminuição dos gastos com permanência e enxugamento de pessoal para ter uma maior margem de segurança para as grandes empresas investirem e utilizarem da estrutura da universidade para os seus interesses privados. Por isso que a resposta dos estudantes e trabalhadores a essas repressões deve ser uma mobilização conjunta que levante um outro projeto de Universidade que se contraponha pelo vértice a esse projeto, que defenda o acesso da Universidade Pública a toda a população, com o fim do vestibular racista e elitista e a estatização dos monopólios de ensino particulares, que efetive todos os trabalhadores terceirizados sem concurso público, que somente possua cursos gratuitos, garanta a permanência estudantil plena para todos os que necessitarem e que para efetivar isso transforme radicalmente suas estruturas de poder, que, hoje por hoje, permitem que esses burocratas-empresários nadem de braçadas sobre a Universidade e reprimam a vontade os que levantam a cabeça contra eles, para uma estrutura que esteja a serviço dos interesses da maioria da população, com a participação majoritária dos estudantes junto dos trabalhadores.

Para que efetivemos conjuntamente essas demandas é necessário que os estudantes e trabalhadores das três Universidades se reúnam para armarmos nossas mobilizações e combatermos de um só punho esses ataques organizados das Reitorias e do governo do Estado. Temos como tarefa fundamental colocar de pé uma ampla campanha contra a repressão aos que lutam e por um outro projeto de educação, que não se limite aos muros da universidade, mas se ligue a todos os setores explorados e oprimidos de fora da universidade: aos milhares de desabrigados todo o ano pelas enchentes recorrentes; aos milhões de trabalhadores que enfrentam o aumento dos custos de vida, dos transportes, dos aluguéis e da alimentação; aos mais de 6 mil trabalhadores da construção civil de Jiráu, Santo Antônio ameaçados de demissão por lutarem contra o regime de escravidão que os acorrentava; aos homossexuais que diariamente são agredidos, seja pela polícia ou seja por reacionários; a juventude trabalhadora, que cootidianamente sofre repressão policial na periferias; entre outros inumeros exemplos.

JPO: Como tem sido a resposta do Movimento Estudantil ai em Franca?

Adriano: O movimento estudantil organizou um ato de mais de 100 pessoas no dia que estava marcada a audiência, levantando palavras de ordem contra a estrutura de poder e os abusos arbitrários e ditatoriais desses senhores. Tal ato inviabilizou a audiência, que foi remarcada. O movimento então passou nas salas de aula levantando a necessidade de barrarmos esse ataque que impede a liberdade de discussão em sala de aula e que culpabiliza aquele que combate as opressões e deixa impune o opressor! As entidades do campus também estão tensionadas para barrar essa sindicância. E espero que, mesmo com o Diretor Fernando Fernandes tendo chamado os Centros Acadêmicos em sua sala para ameaça-los a não se envolverem com o caso, elas continuem cumprindo esse papel essencial de uma entidade estudantil, que é o de conscientizar os estudantes dos absurdos impostos pela burocracia e liga-los aos demais ataques frutos desse projeto de Universidade: catracas no câmpus, câmeras nas salas de aula, falta de espaço para as entidades e grupos de extensão com a comunidade se reunirem, etc...

Temos conseguido o apoio de diversos companheiros e companheiras de outros campi da Unesp, de outras universidades Brasil a fora, de professores e trabalhadores.

Sigamos com uma forte campanha que não se limite simplesmente ao ’caso Adriano’, mas que consiga reverter todos os processos repressivos aos que se colocam contra a universidade tal qual ela é e que combatem dia-a-dia os valores racistas, machistas e homofóbicos perpetrados por essa sociedade decadente, na boca de quem quer que seja, inclusive de professores unviersitários. Que não nos calemos. Apenas transformando a universidade e o ensino de conjunto que temos hoje, poderemos de fato barrar a repressão, democratizar o conhecimento e acabar com as opressões. É para isso que luto.

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