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Juventude

SÃO PAULO

Declaração da LER-QI frente ao assassinato na USP

23 May 2011   |   comentários

A USP virou assunto nacional. Mais uma vez, não por descobertas científicas ou debates que possam ajudar a resolver os problemas estruturais do país como a educação precária e elitista, a miséria, a falta de moradia, as enchentes, as epidemias, a falta de direitos democráticos essenciais da população, a impunidade dos políticos corruptos e tantos outros.

A USP virou notícia nos últimos anos somente quando a comunidade universitária se mobilizou em defesa da universidade pública. A única vez em que essa regra se rompeu, e a USP virou notícia em todo o país pelas mãos da burocracia acadêmica e do governo, foi justamente quando tentaram calar as vozes da sociedade que se expressam dentro da USP. Foi quando, relembrando os piores tempos da ditadura, a USP foi invadida com a tropa de choque no execrável 09 de junho de 2009, baseada na resolução proposta por Rodas no Conselho Universitário, o mesmo que ordenou a invasão da tropa de choque na São Francisco no mesmo ano. Para que se tenha uma idéia de como Rodas encara esse 09 de junho que marcou de sangue a história da USP, em entrevista recente à Rádio Estadão ESPN, ele declarou[1] que “houve um entrevero procurado justamente pelos grupos que são contra (a PM) e é claro que isso é algo recente mas não foi nada de grave. Pura e simplesmente houve uma altercação entre ambos e, naquele momento houve um revide da polícia sem maiores conseqüências, gás lacrimogêneo, etc”.

O lamentável assassinato de Felipe Ramos de Paiva, estudante da FEA, que comoveu a comunidade universitária e todo o país, vem sendo utilizado como um motivo para tentar resolver os problemas da universidade e da sociedade com as botas da polícia mais uma vez. Nosso objetivo é inverso, é contribuir para que se abra um debate profundo sobre as causas do ocorrido e avançar para que a comunidade universitária, mais uma vez, assuma para si a tarefa que só pode ser dela: de dar uma resposta efetiva a este e outros problemas que afligem a universidade e a sociedade na qual ela está inserida e deveria estar a serviço.

Limpando a “cortina de fumaça” do debate sobre a segurança e a polícia no campus

Rodas, Alckmin, a diretoria da FEA e setores numerosos da mídia burguesa vem defendendo uma posição, que reverbera entre a comunidade universitária, de que o debate centra-se em permitir a entrada da PM na USP ou não.

É necessário clarificar o aspecto intencionalmente falso do debate, o que pode-se fazer pelas palavras do próprio comandante do 16° Batalhão da PM, José Luiz de Souza, “o policiamento do campus Butantã da Universidade de São Paulo (USP), na zona oeste da capital paulista, foi reforçado desde o dia 25 de abril com duas motocicletas e quatro viaturas, totalizando um reforço de 16 policiais”. Segundo o Jornal do Campus (JC), ele coordena um dos setores responsáveis pela segurança na área da Cidade Universitária e disse que a PM já patrulha o campus normalmente pois isso seria um dever constitucional da corporação. Policiais ouvidos pelo JC afirmam que as rondas atuais na Cidade Universitária são rotineiras e, por isso, feitas sem a necessidade de aval da USP. Além disso, o JC denunciou que já funciona hoje a chamada “Operação Impacto pela Divisão de Operações da Coordenadoria do Campus”, e que a “assessoria de imprensa da reitoria respondeu que a ação é estratégica e por isso não pode ser alarmada para toda a comunidade USP”. Segundo a assessoria, a Operação não é extraordinária, pois já ocorreu em outros anos. O 16º batalhão foi construído em área cedida pela USP e na entrada principal do campus, há uma enorme e simbólica Academia de Polícia.

Portanto, a PM está na USP, fazendo rondas com arma de grosso calibre, e estava no momento do assassinato. A defesa de que “a PM tem que entrar na USP” tem a clara intenção de se aproveitar da comoção da comunidade e do apelo por segurança para avançar no ataque aos setores democráticos na universidade. Inclusive, o Conselho Gestor do Campus, acaba de autorizar, sem nenhum debate com a comunidade universitária e passando por cima do próprio Conselho Universitário, a entrada ainda mais ostensiva da polícia (pois o fato é que ela já está) no campus. Rodas afirma que “outros assassinatos vão acontecer se não tiver policiamento”, na busca de se esquivar do fato concreto de que a atuação da policia, das câmeras e do controle de acesso, mostra toda a incapacidade dessa instituição e destes mecanismos para conquistar “segurança”.

Mais polícia não significa menos violência e sim mais

A polícia é uma instituição diretamente ligada ao estado e tem como função garantir o status quo e a propriedade privada para, numa sociedade dividida em classes, garantir o interesse da burguesia como classe exploradora. No estado brasileiro, construído e sustentado sobre fortes contradições e desigualdades, a polícia também adquire a função de controle social, pela violência e pelo extermínio, além de estar ligada por mil laços ao crime organizado. Não por acaso essa instituição tem sua digital na maioria dos assassinatos a população pobre e negra do nosso estado, escamoteados pelas “resistências seguidas de morte”. Não somos somente nós, revolucionários, que constatamos isso, qualquer relatório de organismos minimamente sérios de direitos humanos diz o mesmo. Basta lembrar dos mais de 400 “suspeitos” assassinados em uma semana após os ataques do PCC em 2006 e até hoje nenhuma investigação foi feita para identificar se os mortos eram inocentes.

Entres os muitos assassinatos que essa instituição promove com a complacência do Estado, temos o exemplo próximo de Cícera Maria, jovem trabalhadora terceirizada da USP, assassinada pela polícia durante uma intervenção na favela vizinha a USP, São Remo.

Não tenhamos ilusão de que a violência policial é menos violenta e cruel. Mais policiamento na USP vai significar que além das mortes dos “Felipes”, dos estupros e outras ocorrências, vão se agregar agora, na USP, que deveria ser um centro do saber, a morte de novas “Cíceras” fruto da violência policial, além de todo o assédio repressivo típico da PM a toda a comunidade universitária.

Mais polícia significa uma universidade mais anti-democrática e repressiva

O clima policialesco já prima na universidade. Ronaldo Penna, responsável pela coordenação da segurança da USP é investigador de polícia e vem tentando transformar a guarda universitária cada vez mais numa força policialesca, mas antes de qualquer preocupação com a “segurança”, o papel primordial de polícia que ele a coloca para cumprir é de repressão contra os movimentos. Há inúmeros escândalos de descobertas de dossiês elaborados por guardas universitários da vida política e pessoal de membros do movimento. No CRUSP, os estudantes são permanentemente vigiados e perseguidos. A reitoria infiltra guardas no movimento.

Mas a repressão policialesca não para no “âmbito investigativo”, é conhecida amplamente a escalada repressiva contra os lutadores na universidade, da qual a demissão inconstitucional de Claudionor Brandão é só o caso mais emblemático, pois há vários outros funcionários processados e 24 estudantes ameaçados de expulsão.
As palavras do capitão da PM Mauro Maia mostram claramente os valores da polícia e que papel ela vai cumprir numa postura mais ostensiva dentro da USP: “os estudantes não gostam de ter a PM no campus porque são bagunceiros. A alunada quer ficar fumando sua maconha e fazendo bagunça sem ser incomodada". O que é bagunça para a polícia senão os movimentos e as confraternizações que ocorrem na universidade? A recente repressão escandalosa à Marcha da Maconha revela uma vez mais o caráter da polícia, que obrigou mil manifestantes a realizar sua manifestação correndo da Av. Paulista até o centro sendo alvos de balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e spray pimenta, além de terem prendido manifestantes (e deixando neonazistas se manifestarem livremente). Querem trazer pra USP a mesma polícia que é conivente com os ataques homofóbicos ou diretamente participantes. A polícia que também considerava “baderneiros” os que lutamos contra o aumento da passagem. Por isso, gritamos, Fora a PM do campus! Abaixo a repressão à juventude! Rodas já comparou a USP com os “morros do Rio de Janeiro”, e agora, consequentemente, quer militarizá-la. Abaixo a militarização da USP!

Outras violências cotidianas na USP que são escondidas

Rodas diz combater a violência, mas na USP de “excelência” 4 mil trabalhadores sofrem violência cotidiana com a terceirização, que precariza, humilha, divide e até mata, como denunciou a greve das trabalhadoras da União. Sim, a terceirização matou José Ferreira da Silva, jovem trabalhador terceirizado de 23 anos, na Faculdade de Medicina, em decorrência de um acidente fruto das péssimas condições de trabalho e da falta de equipamentos e treinamento.

A terceirização da universidade atingiu inclusive os trabalhadores da vigilância, que de efetivados passaram a terceirizados, perdendo toda e qualquer relação orgânica com a universidade, tão necessária para qualquer iniciativa séria de segurança. Inclusive, já é conhecido que as ocorrências aumentaram com a terceirização. Lutar contra a violência é também lutar contra a terceirização! Abaixo a terceirização! Pela imediata efetivação dos trabalhadores sem concurso publico!

Outra morte que é pouco lembrada e alardeada foi a de Samuel de Souza, estudante do CRUSP, no dia 2 de dezembro por omissão de socorro. A USP de “excelência” não pode evitar a morte de novos “Felipes”, e sob comando dessa burocracia acadêmica, prepara outras mortes como a de Cícera, José Ferreira e Samuel de Souza.

Não é possível ter “segurança” na USP e na sociedade nos marcos do capitalismo

A realidade mostra duramente como a universidade não é uma bolha separada da sociedade. Com a violência não é diferente, longe de ser um problema interno da USP, é um problema social, produto de uma sociedade dividida em classes. Isso se mostra no próprio caso do Felipe, que havia sido assaltado várias vezes fora da universidade anteriormente. As causas sociais que engendram a "violência", como o desemprego, sub-emprego, a precarização do trabalho são resultantes das perturbações geradas pela exploração e opressão capitalistas.

A disjuntiva entre promessas de melhoras constantes do “Brasil que vai pra frente”, em contraste com as concessões e migalhas que tendem a cada vez ficarem mais escassas, geram uma realidade explosiva. O Brasil do enriquecimento cada vez maior de poucos, e da super-exploração e miséria de muitos, recordista em desigualdade social, só pode gerar mazelas sociais, entre elas, a violência.

Passado, presente e futuro da universidade pública

As universidades tem uma tradição de séculos em que são tratadas de maneira exatamente inversa ao que quer Rodas e seus aliados. Querem tratar como um absurdo a política dos setores democráticos que acreditam que a universidade deve ser um espaço onde prime a liberdade e que não seja a mera reprodução da sociedade. Querem tratar como absurdo a defesa de que a universidade seja aberta à população porque isso “afeta a segurança”. Mas em diversos países do mundo, de fato, a universidade é tratada como um espaço distinto, onde a repressão não é bem vinda e a polícia não transita livremente como em qualquer outro lugar. Essa concepção ideológica não é de “pequenos grupos radicais da USP” como Rodas afirma, mas uma tradição secular da humanidade (foi assim por exemplo que as universidades medievais se defenderam da Inquisição).

A própria USP tem uma história em que não tinha muros, em que a população entrava no campus ao menos para poder participar de atividades culturais, desfrutar do espaço nos fins de semana e, na época da ditadura, perseguidos políticos entravam para fazer show, outros vinham se abrigar no CRUSP, justamente porque ali dentro a polícia não podia prender ninguém.

Há uma completa inversão de valores ao quererem tratar isso como um absurdo e colocar, como faz Rodas, um sem número de inverdades em apenas duas palavras ao afirmar que a USP é um “território livre”. Na USP “território livre” há um enorme espaço ocupado pelos bancos, justamente aqueles em que Felipe foi fazer um saque que levou a sua perseguição, que são mais uma expressão simbólica do projeto privatista, conservador e elitista que está sendo implementado na USP e que agora querem aprofundar. Na principal universidade do Brasil, os bancos tem mais espaço que bibliotecas. Agora, querem que haja mais polícia do que doutores. Mais catracas e câmeras do que palestras, conferências e debates.

Por isso, não nos enganemos, o que está em jogo não é apenas a busca utópica de uma USP segura. O que está em jogo é a política de aprofundamento do projeto de universidade como “território livre” para a valorização do capital: no conteúdo do conhecimento produzido, na busca por “maximização dos lucros” com a terceirização, nas catracas e câmeras para impedir que a população que já não tem acesso às cadeiras da sala de aula, não possa sequer passar pela universidade que a ela mesmo banca e para reprimir os movimentos. É este projeto que temos que barrar, e é ele que está por trás do “mero” aumento do policiamento.

Só a organização da comunidade universitária e a democratização da USP podem colocar limites à violência

O que mostra que Rodas só está interessado em repressão é que ele disse que a iluminação só pode ser colocada em um ano!!!! A reitoria gasta 240 milhões em mil obras sem consulta à comunidade e nos ataca de maneira extremamente rápida, mas a iluminação só é possível daqui um ano. Um absurdo que vamos ter que barrar com a mobilização, juntamente com as demandas que ele sequer nomeia como a garantia de muito mais pontos de ônibus na USP, de muito mais ônibus circulares e que circulem de madrugada (com contratação de funcionários efetivos) e outras medidas desse tipo.

Mas a principal questão que é necessário avançar é na compreensão de que a comunidade universitária vai ter que avançar na sua auto-organização para colocar limites à violência, para sua auto-defesa, não somente ampliando os laços de solidariedade, transitando em grupos, etc, mas se organizando politicamente para enfrentar o projeto de universidade e de segurança que está sendo implementado.

Não vai ser das mãos e mentes dos burocratas acadêmicos, desse regime universitário autoritário e burocrático que virá nossa segurança. Devemos colocar para fora o Ronaldo Penna, investigador de polícia que coordena a segurança da USP e colocá-la sobre controle da comunidade universitária, exigindo também a abertura de todos os arquivos persecutórios do movimento que a universidade organiza.

Ao contrário da perspectiva que setores vem defendendo de fechar ainda mais a USP à sociedade, defendemos a necessidade de abri-la ainda mais e mudar completamente a relação com a mesma. A USP deve passar a produzir um conhecimento que esteja a serviço da sociedade e que seja reconhecido assim por ela, e não como um antro a serviço da reprodução da desigualdade e de conhecimento para os capitalistas. Devemos começar por revolucionar completamente a relação da USP com a São Remo. Ao invés de aumentar a repressão, devemos colocar de pé um grande plano de integração, com inúmeras iniciativas culturais, ajudando na melhoria das condições de vida, etc, como parte de um plano para que a USP seja um centro irradiador de políticas para os setores mais oprimidos da sociedade.

Como parte disso, a USP deve ser parte da luta por garantir aos jovens o acesso à educação pública e de qualidade desde o ensino básico até uma universidade, para que os jovens da periferia possam ter acesso à USP e que não vejam ela como uma ilha inalcançável e incremente o ódio social a USP e seus integrantes, o que só pode se dar pelo fim do vestibular e a es tati zação das universidades particulares.

Outra questão crucial é lançar uma ampla campanha em toda a universidade para colocar a PM definitivamente para fora do campus, pois não nenhuma solução passa pela PM no campus. Para esta tarefa, chamamos a colocar de pé uma ampla frente única de todos os setores democráticos, partindo da Adusp, Sintusp, DCE e entidades estudantis.

Para avançar nessa perspectiva, teremos que colocar abaixo essa estrutura de poder, colocando Rodas para fora junto com este Conselho Universitário oligárquico (que nem Rodas respeita mais ao aprovar o aumento do policiamento num organismo ainda mais anti-democrático), colocando de pé uma Estatuinte Livre e Soberana, que reformule todo o estatuto da USP e onde toda a comunidade universitária debata amplamente todos os problemas que dizem respeito à universidade, que passa pela questão da segurança, da repressão, dos currículos, do vestibular, da ameaça de fechamento dos cursos, etc. Nessa estatuinte, nossa luta será por um governo tripartite com maioria estudantil, com uma cabeça um voto, para que todos na universidade tenham o mesmo poder de decisão sobre os seus rumos.

[1] Ouça na íntegra: http://radio.estadao.com.br/audios/audio.php?idGuidSelect=96779FD979F745FDAE3B3804759FD35C

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