Sábado 18 de Maio de 2024

Juventude

PUC-SP

Contra a repressão de ontem e hoje

28 Mar 2008 | Reproduzimos abaixo a fala de Rodrigo “Tufão”, estudante de História da PUC-SP, um dos sindicados pela ocupação, membro da gestão provisória do Centro Acadêmico de Ciências Sociais e militante da Liga Estratégia Revolucionária.   |   comentários

Estamos reunidos aqui hoje porque estamos enfrentando uma das batalhas mais duras e importantes que já tivemos pela frente. Uma batalha que só pode ser dada conscientemente se a gente perceber a ligação que existe entre o que está acontecendo dentro dos muros desta universidade com o que vemos fora dela. Numa primeira vista, tanto dentro da PUC-SP como nas ruas da cidade e do país afora tudo parece normal. Mas é este justamente o problema: pouco a pouco nos querem fazer crer que abusos escandalosos e inadmissíveis são “normais” . É contra isso que nos reunimos aqui hoje.

Temos que achar “normal” o tratamento dado às mulheres e crianças da Via Campesina, que foram terrivelmente reprimidas pela polícia, com um saldo de 58 mulheres, entre elas sete grávidas, e dez crianças com lesões provocadas por balas de borracha, estilhaços de bomba, espadas da cavalaria da PM e pisões de cavalos? O que fizeram elas para merecer este tratamento? Simplesmente protestar contra a exploração da terra pela empresa sueco-finlandesa Stora Enso, ou seja questionar os poucos que lucram milhões em nome dos milhões que não têm nada.

Vemos claramente como isso não é nada mais, nada menos que uma tentativa de criminalizar os movimentos sociais, e seus métodos de luta. Isso também se mostra quando trabalhadores sem-terra são assassinados por bandos armados pelos latifundiários no campo, ou mesmo por seguranças das grandes empresas como ocorreram várias vezes em 2007, para falar de apenas alguns exemplos.

E isso acontece no governo Lula, que já provou no primeiro e no segundo mandato que governa pros patrões. Por isso é que no ano passado a gente viu uma discussão do governo de acabar com o direito de greve dos “setores essenciais” . Claro que eles não dizem que vão acabar com o direito de greve, falam que vão “regulamentar” . Mas na prática é acabar. Daí fica a pergunta: se passa este ataque a um direito democrático tão básico que é do trabalhador cruzar os braços para se defender da exploração, o que vai acontecer com aquele que romper isso? Repressão, é claro. Mais uma tentativa de criminalização da luta dos trabalhadores.

Em outro nível, hoje o próprio movimento estudantil que no ano passado se organizou nacionalmente depois de muito tempo sem se levantar, está sendo perseguido em várias universidades. Aqui na PUC por exemplo a reitoria da Maura tenta a todo momento desqualificar os estudantes como se fóssemos baderneiros, “contra-tudo” só para fazer farra, como se não tivéssemos propósito.

Mas nós temos um objetivo claro. Não queremos nos acostumar, nos adaptar à repressão, injustiça, exploração e alienação que querem nos convencer ser “normais” e até mesmo desejáveis. Este conformismo sem vida, este “bom comportamento” que vem da adaptação sem crítica, sem posição, e que já provou servir muito bem aos ricos, donos, repressores ’ ou seja, a todo o poder instituído ’ deveria ser rejeitado ativamente por todos os que querem pensar com suas próprias cabeças. Neste sentido, a universidade deveria funcionar como um pólo de questionamento a esta “ordem” de coisas. Como inclusive já foi em alguns momentos.

Esta mesma PUC no passado cumpriu em certa medida este papel. A gente sempre se orgulhou de saber que em 22 de setembro de 1977 foi na PUC que os estudantes tentaram se organizar para fazer o Congresso da UNE. Que mesmo tendo sofrido uma repressão brutal, que se não me engano teve até estudantes queimados com bombas pela polícia do Erasmo Dias e todo mundo foi preso, a PUC foi uma universidade que lutou contra a ditadura. E que por isso, a polícia não entrou aqui durante 30 anos. Isso inclusive também fazia a PUC uma universidade diferente, porque mesmo na USP que é a universidade mais importante do país tem que conviver com a Academia de Polícia dentro do campus! Polícia com certeza não combina nada com a universidade!

Agora hoje, aqui na PUC, olha só o que está acontecendo: a reitoria comandada pela Maura Véras, que adora falar de democracia e até mesmo desta tradição da PUC que lutou contra a ditadura, ela mesma, foi a responsável por após trinta anos contados da invasão de 77 ter mandado a polícia vir reprimir os estudantes! Tinha polícia de todo tipo: GOE, Tropa de Choque, policial à paisana. Parecia coisa de filme. Depois disso teve professor “democrata” aqui do curso de Sociais que saiu na mesma hora falando: viva a democracia da polícia na PUC. Tem estudante que saiu dizendo que é integralista e chamando a polícia de “meus heróis” . Só faltou chamar o Capitão Nascimento da tropa de elite, para seguir a moda que a mídia não para de alimentar.

Daí a reitoria ainda solta um comunicado dizendo que nós, estudantes, “rompemos a democracia” da universidade. Qual é o argumento? Uma divisória de plástico quebrada durante a ocupação da reitoria. É o cúmulo da cara-de-pau: o que é uma divisória frente ao corte de bolsas, ao aumento surrealista das mensalidades, à demissão de 594 professores e funcionários em 2006? São centenas de estudantes que depois de se matar para passar no vestibular, se matam para pagar a mensalidade, e muitos não conseguem. O que é uma divisória de plástico frente a isso?

Hoje tem 9 estudantes sendo sindicados como os responsáveis pelo movimento, que são claramente perseguidos pela reitoria, bem como a própria Apropuc que corretamente falou do caráter autoritário da reitoria e foi desqualificada por esta em um comunicado. Isso sem contar na segurança privada daqui, a Graber, que agrediu fisicamente um estudante estes dias porque ele queria entrar com um sofá no Centro Acadêmico. Tudo isso a mando desta reitoria. Grande democracia a da reitora!

Amanhã de manhã a reitoria vai votar o Redesenho Institucional, contra o qual os estudantes se mobilizaram o ano passado. O que é isso? Eles apresentam como se fosse um projeto pedagógico, uma reestruturação da universidade. Nada de mais. Mas se não é nada de mais, porque a reitoria mandou a polícia pra cima da gente para reprimir o movimento? Simples: porque no meio de um monte de coisas escritas em linguagem pedagógica, tem uma coisa lá que a gente entende: uma cláusula que diz que os futuros institutos ’ as atuais faculdades ’ terão que ser auto-sustentáveis. E isso é o que? É que abre as brechas para que os cursos tenham que buscar “auto-sustentação” na mão de quem? Do capital privado, é claro. Isso faz com que cursos que não sejam tão “auto-sustentáveis” possam ser fechados. Vejamos o que já está acontecendo com o Serviço Social. E viva a dominação dos bancos, que diga-se de passagem já são donos de boa parte da PUC!
É por ver esse cenário que estamos chamando a unidade com os setores como o PSTU e outros que se colocam contra esta política. Não faz sentido hoje com esta situação que sigamos separados por conta de divergências menores.

Mas estes ataques não são novidades e nem estão acontecendo só na PUC. Na Fundação Santo André todos os cursos de humanas da FAFIL foram simplesmente fechados do dia para noite. Os próprios estudantes, com o apoio de alguns professores, estão agora organizando as aulas num curso livre. Isso tem que ser apoiado por todos nós, mas mostra que tem uma pergunta que precisa ser feita: universidade deve servir para quê?

A universidade deveria ser um espaço em que se privilegiasse justamente a crítica, a liberdade de pensamento, de ação, de organização, pois sem tudo isso que tipo de conhecimento pode ser produzido? Que qualidade se pode garantir ao debate e ao conhecimento quando dentro da universidade temos hoje um ambiente extremamente repressor? Que tipo de convivência podemos ter dentro da universidade se hoje estudantes são agredidos com socos na cara pela segurança privada, Graber, que ainda por cima te ameaça dizendo “sei onde você mora, que horas você pega o ónibus” ? Ou ainda, que tipo de filantropia é esta em que o curso mais barato não sai por menos de R$ 1.000,00? Super-democrático!

Contra isso queremos resgatar a tradição dos que ousaram desafiar o poder durante a ditadura militar, não por saudosismo vazio do passado, mas para desmascarar os que hoje falam em “democracia” mas acionam as forças de repressão contra os estudantes. Queremos fazer frente a esta universidade cada vez mais elitista, mais cara e inviável, colocando que só a sua estatização, e o fim do vestibular podem por um lado reverter o processo que faz com que a universidade não seja mais que um grande negócio, e por outro lado garantir que o direito democrático de estudar seja dado a milhares de jovens trabalhadores e do povo pobre que hoje só entram aqui para trabalhar como terceirizados na limpeza.

Acreditamos que a universidade só realiza sua função quando se liga às aspirações sociais da ampla maioria da população. E a ampla maioria da população hoje é composta por trabalhadores, e pelo povo que segue sendo explorado e oprimido. Por isso queremos dar este combate para colocá-la a serviço dos interesses desta ampla maioria. Não existe neutralidade, e nós já escolhemos o nosso lado. É a serviço disso que queremos colocar o conhecimento adquirido aqui: a serviço dos interesses e da luta da ampla maioria da população: os trabalhadores e o povo.

Esse ato-debate é muito importante porque não somente resgata a tradição da PUC na luta contra a repressão de ontem, mas aponta para a tão necessária coordenação da luta contra a repressão de hoje. Mas esse é apenas um ato, um dia. Chamamos todos os presentes a transformar esse dia num marco de uma campanha permanente contra a violência policial e a repressão política.

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