Segunda 6 de Maio de 2024

Gênero e Sexualidade

ORIENTE MÉDIO

As guerreiras de Kobane

11 Feb 2015 | Em 26 de janeiro passado, o Estado Islâmico (EI) foi expulso de Kobane, cidade próxima da fronteira da Síria e da Turquia que durante quatro meses se converteu no epicentro da resistência curda. As mulheres tiveram um grande protagonismo, organizando-se em milícias femininas ligadas a uma fração radicalizada do movimento nacional curdo. “há um inimigo que tem vindo a minha terra/ e me fez ver forçada a pegar uma arma e protegê-la”, falava um dos cantos das combatentes, que travaram uma luta que não terminou e não só envolve o EL.   |   comentários

Em 26 de janeiro passado, o Estado Islâmico (EI) foi expulso de Kobane, cidade próxima da fronteira da Síria e da Turquia que durante quatro meses se converteu no epicentro da resistência curda.

Mulheres na linha de frente

Terra seca e pasto. Uma cidade marcada pelo assédio. Com panos no cabelo, passos firmes e fuzis A-K 47 nos ombros, as mulheres curdas sírias de Kobane se entregaram, desde 16 de setembro de 2014, a uma dura batalha contra o avanço do Estado Islâmico que busca estender seu domínio na região. É indiscutível que neste recente triunfo sobre o EL, elas se destacaram lutando e pondo-se na frente das unidades.

“Eu era uma estudante. Cada vez que ia a escola, sentia muito medo. Assim que a deixei para defender minha terra e o país, para proteger a meus amigos e para ajudar a gente a viver em condições de segurança. Tenho sacrificado meu futuro para construir outra nação”, declara Nataline, acompanhada por duas companheiras – todas vestidas com uniforme militar – em uma trincheira de Kobane. Sua história se repete nas milhares de mulheres que se somaram a resistência. Isto se evidencia nas experiências reveladas por um recente artigo do diário The Guardian.

Por exemplo a luta de Ruhan Hassan, uma jovem de Kobane que depois de dedicar anos a militar pelos direitos dos curdos, na Síria e investigar sobre a situação das mulheres, se somou em 2013, nas Unidades de Defesa Feminina (YPJ)*. Ou na de Beviran Fahdil, que afirmou a sua mãe “vou unir-me aos lutadores de Kobane e não há força na terra que possa deter-me”, anteriormente a tomar uma arma e partir para a frente.

Mustafa Taher relata a história de sua Irma Shireen, de 22 anos, que perdeu a vida em combate no ano passado durante uma emboscada do EL. “Estamos orgulhosos do sacrifício dela e de todos os seus amigos, que morreram para defender Kobane”, alega, enquanto levanta alto uma foto da jovem, de penetrantes olhos cor de avelã, tirada durante a batalha. Shireen havia tomado a decisão de lutar para defender sua terra três anos atrás, quando professora e militante pela libertação curda, começou a guerra civil síria. E foi finalmente com a morte de seu pai – que a tinha exortado de continuar a luta – nas mãos do EL, que se somaria as Unidades de Proteção do Povo Curdo (YGP), com as quais passou seus últimos dias. “Se ela no tivesse se envolvido, eu teria o feito”, reflexionava Mustafa.

A cadeia de silêncios e um canto difícil de aplacar

Começa o mês de fevereiro. Uma câmera captura vinte guerreiras de Kobane com os dedos em “V”, apontando o sol. O Estado Islâmico emite um comunicado oficial aceitando que se retire de Kobane. Por suposto, nada disse sobre o papel das mulheres em sua derrota. Pouco mais de três meses passaram-se desde que as tropas do EL tinham-se encarregado de difundir uma foto que aparecia decapitada uma combatente curda de 28 anos, Rehana, cuja imagem imponente na frente de batalha havia circulado pelas redes sociais, representando a resistência das mulheres curdas.

Em uma entrevista para o diário El Mundo, Hasrad, envolvida nas YPJ, havia proclamado: “lutamos contra os homens que violam, que vendem mulheres” e assegurou que tanto ela como suas companheiras de batalhas preferiam suicidar-se antes que se convertessem em suas escravas. O certo é que as combatentes – com a dupla condição de serem mulheres e curdas – no largo destes meses enfrentaram não só o Estado Islâmico. Neste sentido, não é casual o tratamento que deram os grandes meios do mundo a seu rol nessa vitória. A maior parte deles fizeram caso omisso do mesmo. Outros publicaram suas fotos com uma notícia de cor, quase anedótica. Nenhum quis mostrar que no Oriente Médio, na fronteira entre a Síria e Turquia, com tantas guerras reacionárias de fundo, existem mulheres que se organizam para lutar – e que lutam para organizar-se. Refletem, dessa forma, um ponto que estão de acordo tanto o imperialismo norte-americano como a Turquia, no seu enfrentamento contra o Estado Islâmico: ninguém vai permitir que a questão nacional curda (uma diáspora de 30 milhões de pessoas distribuídas entre Iraque, Síria, Turquia e o resto da Europa) nem a das mulheres se desenvolva. Por isso, para essas guerreiras – que já contam com a experiência de haver-se armado e derrotado as milícias do EL – a luta começa novamente.

Em um discurso recente, Obama manifestou que seu país está freando o avanço do EL, liderando a coalizão e apoiando a oposição moderada na Síria. No outro lado do mundo – no entanto, é tão perto -, Pervil Agri, uma mulher de 20 anos que já leva duas listas nas milícias, explica: “Antes de Kobane a gente não acreditava nas nossas forças, nos tomávamos por inúteis. Porém as YPJ temos demonstrado, vencendo, que não é assim. As mulheres lutam e as mulheres protegem.”

*As YPJ ou Unidade de Defesa Feminina estão ligadas as Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG), as milícias radicalizadas dirigidas pelo Partido da União Democrática Sírio (PYD), com relação com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) turco.

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