Segunda 29 de Abril de 2024

Movimento Operário

RUMO AO I CONGRESSO DA CONLUTAS

A luta no SINTUSP pela independência de classe

31 May 2008 | Às 5 horas da manhã ainda está escuro. Claudionor Brandão e outros trabalhadores da USP já estão na universidade, mas não vão trabalhar. Hoje é dia de piquete para garantir a paralisação de trabalhadores votada na assembléia anterior. Na prefeitura do Campus, unidade responsável pelo funcionamento da infra-estrutura da universidade, os trabalhadores se aglomeram. É a unidade onde trabalha Brandão, que agora é diretor, em minoria, no sindicato dos trabalhadores da USP, o Sintusp tão odiado pelos editoriais do Estadão durante as greves. Há poucas semanas os trabalhadores da USP votaram seus delegados para o congresso da Conlutas e um dos debates desse processo de eleição foi sobre o governo de Hugo Chávez na Venezuela. Fomos até a universidade conversar com Brandão sobre esse importante tema e sobre a participação dos trabalhadores da USP no congresso da Conlutas, em julho.   |   comentários

PO: O Sintusp vai realizar uma assembléia para discutir a questão do governo Hugo Chávez na base da categoria. Qual a importância dessa discussão?

Brandão: Esse debate que a gente travou no IV congresso dos trabalhadores da USP, a respeito do problema do Hugo Chávez, é, na verdade, o debate fundamental da independência da classe operária em relação ao estado e aos governos burgueses, independente da roupagem que usem. Esse debate foi retomado agora, na assembléia que foi chamada para eleger os delegados da categoria para o congresso da Conlutas. Nós, como minoria da diretoria do Sintusp, propusemos que os delegados fossem ao congresso lutar pela independência da classe não só no plano nacional, mas também no internacional.

PO: Mas a independência de classe poderia ser discutida por outro viés, inclusive mais nacional. Porque partir dessa questão?

B: Nós achamos esse debate necessário por várias razões. O partido majoritário na Conlutas ainda é o PSTU. Esse partido fecha sempre o diálogo e tem política de isolar os setores mais à esquerda, enquanto está sempre aberto a fazer concessões aos setores mais de direita. Abriu mão, por exemplo, do não pagamento da dívida externa em troca de uma auditoria da dívida, para estar junto a setores do PSOL e da igreja católica.

Sabemos também que o PSTU está bus¬cando a reedição da frente de esquerda junto com o PSOL e o PCB. Nós achamos que os delegados para o congresso da Conlutas devem discutir qual política de independência de classe é essa que o PSTU propõe quando faz uma frente eleitoral com partidos que, no terreno nacional, votam leis burguesas que retiram direitos dos trabalhadores para atender demandas da burguesia, como a lei do Supersimples votada pelo PSOL. Esse tipo de aliança rompe ou não a independência de classe? Se você se alia com um partido que fala em nome do socialismo, mas na prática atua de forma a defender os interesses da burguesia, contra demandas históricas da classe? O congresso da Conlutas precisa discutir esse tema. E no terreno internacional, os partidos com os quais o PSTU busca a frente eleitoral defendem Chávez e os acordos com essas cor¬rentes impedem que a Conlutas possa cumprir o papel necessário de denunciar esse governo nacionalista burguês para a vanguarda reunida no congresso. Mesmo no momento em que esse governo reprime os metalúrgicos da Sidor na Venezuela.

PO: Então, na sua opinião, o congresso da Conlutas deve discutir também a participação dos trabalhadores nas eleições?

B: A luta contra a separação entre as questões económicas e políticas já era a batalha de Lênin na Rússia há mais de 100 anos. Infelizmente, parece que essa lição foi esquecida. Nos anos 80, durante o processo de formação do PTe da CUT, diversas direções insistiam nessa separação, lutando para manter as greves dos metalúrgicos do ABC e de outras categorias nos marcos salariais, sem ir para a política. Isso foi a ponto de que hoje é visto como negativo quando uma greve é “política” . A burguesia diz isso nos jornais: “tal greve tem cunho político” .

Formalmente, os setores de esquerda costumam responder a essa questão colocando demandas gerais nas pautas de greve e nos congressos sindicais. “Contra as reformas” , por exemplo. Não está errado lutar contra as reformas, mas a elevação das lutas económicas ao patamar político é bem mais que isso e tem que estar ligada a uma estratégia para a revolução. Se a organização dessa vanguarda na Conlutas não permite que esses trabalhadores discutam e votem um programa para atuar conjuntamente sobre os principais problemas nacionais e internacionais estaremos sempre impedindo a elevação dessa vanguarda ao patamar político, de influência nos grandes problemas. Por isso é preciso que a vanguarda organizada na Conlutas tenha sua expressão nas eleições, com seu pro¬grama votado no congresso, pelos delegados. A mesma coisa vale pra questão dos governos latino-americanos. Aposição da Conlutas sobre Chávez tem que ser discutida nas bases e votada pelos delegados. Nem uma coisa nem outra deve estar submetida aos acordos entre as correntes políticas.

PO: Voltemos, então, ao governo de Chávez na Venezuela. Como é a discussão na USP?

B: Veja que interessante. Na USP os setores do PSOL, que são oposição à morte e se enfrentam diariamente nas questões táticas do movimento contra a maioria da direção do Sintusp, se uniram à diretoria nessa questão estratégica, que é a independência política dos trabalhadores. E foram juntos contra nossa proposta de que o Sintusp deveria alertar os trabalhadores a não ter confiança nesse tipo de governo. Nós perdemos a votação e os delegados para o congresso da Conlutas foram tirados sem essa discussão, ficando para uma assembléia a ser marcada.

Para nós é importante refletir qual é a estratégia para a revolução. O debate que queremos fazer aqui no Sintusp é para superar a velha tradição da esquerda de que os trabalhadores discutem luta salarial e que só os dirigentes debatem as questões estratégicas. É preciso fazer esse debate na classe trabalhadora porque são eles que têm ilusão nesses governos. Os setores de vanguarda e os dirigentes têm clareza de quem é Hugo Chávez ou Evo Morales, e os seguem porque querem. Agente quer cumprir o papel de esclarecer os trabalhadores sobre quem são esses governos, com o objetivo de fazer com que compreendam que esses governos são um obstáculo e não um caminho para a estratégia da revolução.

O que é o governo Chávez? O governo Chávez fala de revolução bolivariana, de socialismo do século XXI. Mas ele nunca especificou se o socialismo do século XXI significa expropriar a burguesia, destruir o estado burguês e entregar o controle da produção nas mãos da classe trabalhadora. Ou o socialismo do século XXI são reformas feitas por governos como Chávez? Que não só não entrega o poder aos trabalhadores como usa esse poder para reprimir as lutas operárias, como no caso dos metalúrgicos de Sidor, na Venezuela. Também não desapropria a burguesia. Indeniza, pagando pelas empresas. Também não coloca a produção sob controle dos trabalhadores e não planifica a economia.

Agora, se a gente não sabe o que é socialismo do século XXI, revolução bolivariana sabemos. O Simon Bolívar não era um socialista. Era um nacionalista burguês que lutou pela libertação de vários países na América Latina do jugo do colonialismo europeu. A revolução bolivariana não pode ter nada a ver com socialismo.

A questão que fica aqui é debater: qual estratégia os “ditos” socialistas no Brasil têm pra revolução? Por onde passa a estratégia da revolução, segundo esses companheiros que dizem que não podemos denunciar o governo Chávez? Esses companheiros precisam dizer se é através da independência de classe dos trabalhadores ou através de governos nacionalistas burgueses. Por que os companheiros da maioria da diretoria do Sintusp dizem que no Brasil não podem sequer participar das eleições burguesas e na Venezuela apóiam um governo que foi eleito nessas eleições; simplesmente porque Chávez fala do socialismo?

PO: E é aí que chegamos à questão da independência política dos trabalhadores...

B: Exato. Nós defendemos a posição de que os trabalhadores só podem se libertar da exploração e da dominação pelas suas próprias mãos. Destruindo o estado burguês e tomando o controle da produção que está a serviço do lucro para colocá-la a serviço das necessidades humanas. Para isso, os trabalhadores não podem confiar em nenhum governo que diga governar em seu nome. Nenhum.

E o que tem a ver Chávez com o Brasil? Chávez está virando um ícone não só para os dirigentes, mas para um setor da massa de trabalhadores no Brasil. Se existem dirigentes sindicais que defendem esse tipo de governo, essa concepção pode se estender aos trabalhadores, e caso surja um governo assim no Brasil podemos ver uma capitulação em massa a ele. E nós sabemos o que acontece quando os dirigentes sindicais capitulam aos governos. Vimos a CUT servir de escudo para todos os governos do Brasil, como Itamar, FHC e depois diretamente participando do governo Lula.

Essa é a questão que precisa ser discutida no Sintusp e na Conlutas. Precisamos de ferramentas de luta pela independência dos trabalhadores, no plano nacional e internacional. É preciso discutir com os trabalhadores o caminho por onde passa a revolução socialista: seguir atrás de governos nacionalistas burgueses, tipo Chávez, ou seguir o caminho da organização independente dos trabalhadores, em seus próprios organismos de luta e num partido próprio da classe trabalhadora.

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