Quinta 2 de Maio de 2024

Parte III Movimento operário, subjetividade e direção

Subjetividade e crise de direção revolucionária

28 Jun 2005   |   comentários

O incipiente processo de recomposição da subjetividade operária parte de uma situação de retrocesso de mais de duas décadas e de uma crise de direção revolucionária de dimensões históricas.

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a subjetividade do movimento operário internacional foi moldada por direções reformistas, centralmente a socialdemocracia e o stalinismo, e nos países semicoloniais o nacionalismo burguês. durante os anos do boom do pós-guerra, a classe operária nos países centrais e em algumas semi-colónias, conseguiu conquistas importantes - salariais, sociais, Estado de bem-estar. Inclusive o capital foi expropriado em países da Europa do Leste e na China dando origem a novos Estados operários burocratizados. No entanto os grandes aparelhos reformistas - os sindicatos dirigidos pela burocracia, os aparelhos partidários como os Partidos Socialistas, os Partidos Comunistas ou o Partido Trabalhista britânico - foram limando as melhores tradições revolucionárias do movimento operário.

O fim do boom económico e os processos revolucionários do final dos anos 1960 e de meados dos anos 1970 puseram em questão a hegemonia do reformismo, dando lugar a uma onda de radicalização política em amplos setores da vanguarda operária e da juventude. O ensaio revolucionário de 1968-81 se estendeu aos países centrais e semicoloniais; incluiu processos de revolução política em Estados operários burocratizados e, em seu ponto mais alto, levou à derrota militar do imperialismo no Vietnã.

Mas este grande ascenso operário e popular manifestou a aguda crise de direção revolucionária. Esses processos foram esmagados de forma sangrenta na América Latina e nos países do Leste europeu, ou foram contidos e desviados nos países centrais, graças ao auxílio que prestaram aos regimes burgueses os PS e os PC - e no mundo semicolonial as direções nacionalistas burguesas e pequeno-burguesas.

A ofensiva neoliberal e o giro à direita das direções reformistas

Depois de alguns anos de instabilidade que seguiram a derrota norte-americana no Vietnã, o imperialismo conseguiu recompor-se e passou novamente ao ataque nos anos 1980 e 1990. Estes anos de ofensiva neoliberal inaugurada com os governos de Reagan e Thatcher, implicaram em derrotas de grande magnitude para o movimento operário, que levaram à perda de conquistas materiais, a uma diminuição da capacidade de luta, e a um importante retrocesso na organização e na consciência de classe.

O triunfo britânico na guerra das Malvinas em 1982 levou a uma maior subjugação do mundo semicolonial e facilitou a derrota em 1984 da heróica luta dos mineiros ingleses que tinham resistido por mais de um ano ao fechamento das minas.

No início dos anos 1990, a vitória norte-americana contra o Iraque na primeira guerra do Golfo redobrou a ofensiva capitalista que seguiu durante toda a década e reforçou o sentimento de que era impossível derrotar o imperialismo.

A falta de intervenção operária e de uma perspectiva de classe favoreceu o desenvolvimento de fenómenos políticos completamente aberrantes e reacionários como, por exemplo, as direções nacionalistas que encabeçaram algumas lutas pela autodeterminação nacional - Bósnia, Kosovo etc.-, ou as diferentes variantes de fundamentalismos islâmicos no Oriente Médio que conseguiram audiências de massas tomando as bandeiras do antinorte-americanismo.

As direções tradicionais do movimento operário capitularam ou diretamente foram cúmplices das políticas neoliberais. Enquanto a sindicalização caía a níveis historicamente baixos, e os governos promulgavam leis antisindicais, as burocracias reformistas chegaram inclusive a se transformar em sócios menores nos processos de privatizações.

Com a implosão da URSS e dos regimes stalinistas entre 1989 e 1991, o marxismo foi brutalmente desacreditado e a idéia da revolução socialista foi apagada do imaginário dos explorados. Os dirigentes burocratas nesses países competiram entre si para se transformarem nos novos burgueses.

Os Partidos Comunistas europeus, que desde a década de 1970 com o giro eurocomunista tinham abandonado inclusive toda retórica de classe, completaram sua transformação em partidos diretamente socialdemocratas e de centro-esquerda. Em alguns casos foram parte de coligações de governo “social-liberais” , como na França e na Itália.

A socialdemocracia, que se alterna no governo em grande parte da Europa com os partidos ou coligações de direita, transformou-se em agente direto da aplicação das políticas neoliberais, o que a tornou praticamente indistinguível dos partidos da direita tradicional. Em meados dos anos 1990, recuperou seu espaço eleitoral com os governos da chamada "terceira via". Entretanto foram estes governos reformistas os que mais avançaram no projeto imperialista da UE, tratando de liquidar as conquistas operárias e defendendo um programa de privatizações e de reforma da seguridade social e dos sistemas previdenciários.

O governo trabalhista de Tony Blair, eleito em 1997 depois de quase vinte anos de governos conservadores, é continuador do thatcherismo. Sua aliança com os Estados Unidos na guerra do Iraque acelerou a crise do Partido Trabalhista inglês com sua base operária, dando lugar ao surgimento de uma burocracia sindical defensora dos velhos esquemas de negociação. O fenómeno de crise chega também ao eleitorado de classe média que tinha ganhado nos últimos anos. A socialdemocracia alemã está passando por uma crise similar com a tentativa do governo de Schröeder de aplicar a chamada "agenda 2010".

Nos últimos anos, este giro à direita provocou um profundo descontentamento com os governos socialdemocratas, que vem se expressando eleitoralmente na oscilação da base dos partidos reformistas, em sua grande maioria operária, que desde os anos de 1980 alterna entre votar nestes partidos contra o fortalecimento dos partidos da direita e castigá-los por suas políticas governamentais.

Esta situação levou, em certos casos, a polarizações eleitorais com o fortalecimento de variantes de extrema esquerda e de direita. A expressão máxima desta situação foi a crise do PS francês nas eleições presidenciais do ano 2002, que levou a que o segundo turno se definisse entre a direita tradicional de Chirac e a direita xenófoba da Frente Nacional de Le Pen.

Na América Latina, direções nacionalistas burguesas, como o peronismo na Argentina, sofreram um profundo descrédito ao terem se transformado em executoras das políticas neoliberais. Isso não quer dizer, por exemplo, que a classe operária argentina tenha superado a consciência de colaboração de classes que durante décadas lhe inculcou o peronismo, mas sim que se abriu um período de crise destes partidos com sua base histórica, majoritariamente operária e popular. Esta crise está abrindo espaço ao surgimento de novas mediações como o chavismo e o populismo, que se fortalecem com sua retórica antinorte-americana no marco do possibilismo generalizado do movimento de massas. Estas se constituem como obstáculos importantes para avançar na independência de classe e na construção de uma alternativa operária e revolucionária.









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