Sexta 26 de Abril de 2024

Realizou-se a II Conferência Nacional de ER-QI

10 Sep 2004   |   comentários

Foram quatro dias (21, 22, 23 e 29 de agosto) de intensa e rica discussão teórico-política. Todas as discussões que sintetizamos nesse jornal foram fruto de um debate aprofundado e dinâmico que, a partir dos aportes dos diversos militantes e convidados, foram avançando para definições superiores aos próprios documentos que serviram de base para a conferência.

Na Conferência estiveram presentes, além dos delegados e militantes, trabalhadores das principais lutas que ocorreram ou estão ocorrendo no país, como trabalhadores da Flakepet de Itapevi, da USP e dos judiciários. Destacou-se a presença do companheiro Brandão, da USP, como principal convidado, que ressaltou na Conferência que “nunca em seus mais de 17 anos de militância participou de uma atividade com tão alto nível de discussão teórico-política e com uma participação tão ativa do conjunto da militância” . Nossa corrente internacional, a Fração Trotskista ’ Quarta Internacional, que realizou a sua II Conferência Internacional em abril (ver Jornal Palavra Operária n° 9), também esteve representada pelo companheiro Emílio Albamonte, principal dirigente do PTS (Argentina).

Não vimos somente do ponto de vista nacional todas as discussões que fizemos nessa Conferência, mas buscamos inseri-las no que acontece no mundo e nas tarefas da FT-QI. Inclusive porque há vários elementos parecidos entre o que se passa no Brasil e nos outros países da América Latina. Além das discussões da situação internacional e nacional que estarão em linhas gerais abaixo, discutimos ideologia, balanço da organização e orientação política para o próximo período da nova Liga Estratégia Revolucionária ’ Quarta Internacional.

Discussão sobre a situação internacional

Neste ponto, abordaram-se os principais fatores da economia, da política e da luta de classes mundial. Sobre a situação no Iraque, como chave da situação, discutimos que pela primeira vez os EUA estão ameaçados de serem derrotados em uma guerra, 29 anos depois da derrota do Vietnã. Essa foi a primeira e única derrota do imperialismo norte-americano e levou à renúncia de Nixon, ao enfraquecimento dos EUA e a revoluções em alguns países do mundo. Essa derrota traz conseqüências até hoje; por exemplo, nos EUA há a chamada “síndrome do Vietnã” . Isso para ressaltar a importância do que acontece hoje no Iraque, onde o plano dos EUA é usar o país como plataforma para intervir em outros países. Esse plano hoje aponta para um fracasso.

Pela primeira vez desde o Vietnã, a população norte-americana se importa mais com a situação internacional do que com a economia do país. Mesmo assim, 47% da população pensa que está tudo bem com a situação no Iraque. A população está dividida e Bush tem uma forte base social reacionária interna. A polarização e o terrorismo islâmico ajudam a fortalecer esse sentimento.

Nesse marco, se desenvolve o processo eleitoral norte-americano, no qual democratas e republicanos discutem a melhor forma de sair do Iraque minimizando as perdas. Isso porque a resistência se espalha por outras regiões do Iraque, apesar dos chefes religiosos xiitas colaborarem com o imperialismo. A situação no Oriente Médio, com a Intifada palestina, ao contrário de apontar para uma estabilização pode se transformar em uma guerra generalizada. É por isso que o momento é muito complicado para a França e a Alemanha que pensam que quanto mais longe estiverem dessa região seria melhor para esses países.

Se o desfecho do conflito político-militar for favorável à resistência iraquiana, pode-se redefinir todo o cenário internacional abrindo uma situação revolucionária mundial.

Concluímos na discussão que estávamos certos quando, na FT, defendíamos contra todos os que diziam que o colapso da URSS abriria um “novo século XXI americano” , que a situação era intermediária e que isso dependeria do desenvolvimento da luta de classes nos próximos anos. Como parte dessa debilidade americana, acontecem fenómenos raros em todo o mundo.

Por exemplo, na Venezuela, que acaba de fazer um referendo com enorme mobilização eleitoral das massas, a economia vai bem já que é o quinto maior exportador de petróleo do mundo e que Bush é quem compra a maioria do petróleo venezuelano, o que levou a um comentarista da CNN, um dia depois do referendo, a dizer que a “Revolução Bolivariana” chavista é financiada por Bush e reconhecida pela Fundação Jimmy Carter e a OEA (que reconheceram o resultado da votação).

Os bombeiros na América Latina têm nome e sobrenome. Kirchner, da Argentina, e Lula são os dois fundamentais. São a garantia para o imperialismo norte-americano de que o continente não entre em erupção. Isso se demonstrou na intervenção conjunta no Haiti e no apoio ao referendo do presidente Mesa na Bolívia que permitiu salvar o Estado boliviano depois dos acontecimentos revolucionários de outubro de 2003. A América do Sul parece ser o subcontinente que menos retrocedeu no mundo após o colapso da URSS; isso se demonstrou com os levantes principalmente a partir de 1999, em países como o Peru, Equador, Argentina, Venezuela e Bolívia. Na América Latina concorrem duas tendências. Uma de ação direta das massas, como a Bolívia e a Argentina, e outra mais de estabilização como no Brasil com a eleição de Lula.

O que há de interessante no último período é que, depois de o proletariado não ter cumprido um papel central em nenhuma dessas lutas na América Latina, que foram essencialmente lutas camponesas, das classes médias e no máximo de funcionários públicos, começam a haver mudanças de politização e radicalização em setores dos trabalhadores. Essas mudanças se expressam nos mineiros de Huanuni na Bolívia e na luta dos metroviários, dos mineiros de Rio Túrbio, de Zapla e dos estaleiros na Argentina, e na greve dos trabalhadores da USP no Brasil. Alguns desses processos são eleitorais e outros mais profundos, inclusive ideológicos, que se expressa em que trabalhadores na Argentina e no Brasil se interessam pelo marxismo. Na Argentina organizamos centenas de trabalhadores em círculos marxistas e queremos aprofundar essa experiência no Brasil.

Olhando de um ponto de vista histórico, uma combinação entre os números do proletariado brasileiro, a história de combatividade do movimento operário argentino e a classe operária boliviana que tem um histórico de revoluções pode fazer com que a América do Sul possa vir a ser a Rússia do século XX, no contesto da revolução mundial.

Discussão sobre a situação nacional

Este ponto foi o que tomou a maior parte da discussão da Conferência. A política expressa nesse jornal foi fruto de uma aprofundada discussão sobre a dinâmica de desenvolvimento da realidade brasileira.

Discutimos que o governo Lula até agora tem conseguido “administrar” as profundas contradições que provocaram sua própria eleição. As características estruturais da crise económica, política e social que percorrem o país ainda não conseguiram desdobrar-se em fenómenos de grande magnitude da luta de classes que mudassem a correlação de forças entre as classes no país, o que atribui à etapa um caráter ainda não-revolucionário, de mesmo signo da etapa que predominou ao longo da ofensiva neoliberal de FHC. No entanto, se levamos em consideração que a eleição de Lula no atual marco de crises em que o capitalismo brasileiro se insere hoje coloca a perspectiva de um inédito enfrentamento de amplos setores do movimento de massas com as direções políticas que se constituíram no último ascenso operário e popular da década de 80 e desde então se transformaram no principal instrumento amortecedor da luta de classes no país, podemos dizer que essa etapa não-revolucionária traz consigo traços preparatórios de uma nova fase histórica da luta de classes no país.

Nesse sentido, o Brasil ainda confirma as duas variantes centrais que têm se expressado até agora para a dinâmica da luta de classes na América Latina: por um lado, a Bolívia, a Argentina e a Venezuela expressam as tendências a ações independentes do movimento de massas; por outro lado, o Brasil expressa das tendências a desvios de tipo “reformista” , constituindo-se como o principal componente “estabilizador” do subcontinente.

As contradições económicas, políticas e sociais mais profundas que percorrem o país desenvolvem-se de forma latente e começam a se expressar pelos poros da sociedade, combinando-se de forma explosiva com a nova localização do PT no regime de domínio ’ que deixa de ser o “partido da contenção” e passa a ser diretamente o “partido do governo” ’ e gerando fenómenos da luta de classes semelhantes aos que surgem em outros países da América do Sul. Desenvolve-se um processo de politização das massas e importantes processos de organização e fenómenos de luta em amplos setores de vanguarda, expressando elementos moleculares de radicalização e auto-determinação. O primeiro processo de rupturas com o governo e o PT e de reorganização dos setores de vanguarda é o que da origem ao P-SOL, à Conlutas e ao Fortalecer a CUT e é o que provoca o fortalecimento do PSTU. Esses conjunto de elementos definem o desenvolvimento de uma situação transitória com aceleração e recrudescimento dos conflitos sociais e políticos dentro da etapa ainda não-revolucionária.

Conjunturalmente, observamos uma combinação entre um relativo fortalecimento do governo proporcionado pela recuperação do crescimento económico associada ao papel de contenção das direções do movimento de massas ligadas ao PT e ao governo, combinado com importantes lutas de resistência e uma dinâmica crescente reorganização do movimento sindical que se prepara para se defender dos brutais ataques que o governo pretende realizar com as reformas sindical e trabalhista.

Discutimos também que apesar de que no Brasil não houve fenómenos de levante de massas como em outros países da América Latina há na vanguarda fenómenos de luta e radicalização, ao que se soma um fenómeno mais profundo, que é o fenómeno ideológico. Isso se expressa no interesse pelo marxismo que tem se manifestado em diversos setores de trabalhadores e jovens. Esse fenómeno, ainda que inicial, abre perspectivas muito mais estratégicas para os revolucionários.

Uma discussão teórico-política sobre o Partido Operário Independente

Em linhas gerais, há três níveis de consciência na classe trabalhadora. O mais elementar é que um eletricista considera que tem que se unir aos outros eletricistas, um mecânico aos outros mecânicos. A expressão disso foram os sindicatos de categorias que surgiram no início de movimento operário. O segundo nível de consciência são os sindicatos por ramos de atividade (indústria, etc) e um partido operário que tem como objetivo mudar a legislação trabalhista com reformas em benefício dos trabalhadores. Este é o nível de consciência do proletariado brasileiro após a experiência com o PT. Há um terceiro nível de consciência que é o mais profundo, que podemos chamar de nível de consciência hegemónica, no qual o proletariado se vê como organizador de todas as classes exploradas, os camponeses, os pobres das cidades, etc, para reorganizar a sociedade em forma revolucionária. Nosso problema no Brasil é como passar do segundo ao terceiro nível. Não podemos acreditar que 40 milhões de assalariados urbanos, após a experiência do PT, vão fazer essa passagem entrando na Liga Estratégia Revolucionária, no PSTU ou no PSOL (ainda que o P-SOL fosse revolucionário, o que não é). Não existe isso. As organizações que os trabalhadores tem em mente hoje no Brasil são os sindicatos e o PT. É o problema de como passar da consciência de classe elementar à hegemónica. Nossa discussão não se trata de milhares ou dezenas de milhares, e sim, de milhões ou dezenas de milhões. Então, para construir um partido revolucionário no Brasil é necessário chamar um novo partido operário independente atrelado aos sindicatos e controlados por estes. Dizemos aos trabalhadores: já se fez uma experiência com o PT, os sindicatos tem que discutir política porque essa experiência fracassou, os dirigentes se transformaram em neo-liberais, se tornaram aliados das classes dominantes, é necessário tirar as lições da experiência com o PT e construir um novo partido controlado pelos sindicatos. Mesmo que o PSTU, o PSOL, PCO e outros pequenos grupos se tornassem revolucionários e nos unificássemos em um grande Congresso de 15 ou 20 mil militantes revolucionários no Brasil, ainda assim esse não seria o partido revolucionário da classe operária brasileira. Seria um pequeno partido marxista que deveria seguir lutando por um partido operário controlado pelos sindicatos. É claro que, se na luta por um POI surge um pequeno partido de 15 ou 20 mil, não será um partido revolucionário para os 40 milhões de assalariados urbanos, mas estaremos mil vezes melhor que na situação atual. Uma situação de crise revolucionária ou de profundas crises económicas, como aconteceu na Argentina em 2001, pode fazer saltar a consciência do segundo para o terceiro nível.









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