Sexta 26 de Abril de 2024

Sobre o lançamento da revista Estratégia Internacional Brasil

Por uma intelectualidade revolucionária que se funda com a classe operária

05 Dec 2004   |   comentários

No mesmo mês em que inauguramos nossa primeira Casa Socialista de Cultura e Política, tem lugar a publicação da primeira edição da revista Estratégia Internacional Brasil. Convidamos todos os leitores e simpatizantes deste jornal a conhecer nossa revista teórico-política, versão brasileira da revista Estrategia Internacional, órgão teórico da Fração Trotskista ’ Quarta Internacional, que já leva mais de uma década de existência e que no último período passou a ser publicada também em inglês, francês e alemão, além do original em espanhol. Lançamos agora sua versão brasileira como uma nova arma destinada a fortalecer no plano teórico o combate político que damos nessas páginas, em nossas declarações, manifestos e boletins, e em nossa intervenção cotidiana na luta de classes.

O esforço pela recuperação dos fios de continuidade revolucionária se dá aqui usando os métodos da polêmica teórica e ideológica intransigente, parte fundamental do arsenal bolchevique que reivindicamos, e que foi imprescindível para preparar as condições para a grandiosa vitória de Outubro de 1917.

Nosso intuito com a revista Estratégia Internacional Brasil é abrir caminho para uma compreensão marxista revolucionária do Brasil, recuperando os fios de continuidade revolucionária ’ como tradição teórica que vai de Marx a Trotsky, mas também como tradição revolucionária viva.

Nem as incontáveis penúrias impostas às massas pelas burocracias do leste europeu e da extinta URSS, nem a feroz propaganda imperialista após a queda das mesmas, podem apagar da memória coletiva do movimento operário a experiência das grandes revoluções e dos inúmeros ascensos revolucionários de massas que sacudiram o século vinte, e muito menos a experiência do bolchevismo, do marxismo revolucionário em posição de ofensiva nos primeiros anos da III Internacional, nem o acerto estratégico da fundação da IV Internacional, que nos fornece hoje uma bandeira límpida e fundamentos sólidos para reconstruir o movimento internacional do proletariado.

A recuperação dessa tradição revolucionária no Brasil é chave para o papel que nossa classe operária tem a cumprir no continente, na luta contra a opressão imperialista e o reacionarismo das burguesias nacionais, e nesse marco como vanguarda do proletariado mundial. Tarefa complexa, pois que a tradição revolucionária é extremamente débil em nosso país, e precisa portanto ser de certo modo inaugurada, a partir da fusão do melhor da teoria marxista revolucionária mundial com a experiência histórica de mais de um século de movimento operário no Brasil.

Tomar seriamente esta tarefa significa aqui em primeiro lugar uma ruptura com uma outra tradição, de conseqüências profundamente deletérias, que desgraçadamente se instalou e predomina na esquerda brasileira, e cuja fisionomia se distingue por dois aspectos centrais: a divisão mecânica de tarefas entre intelectualidade e militância partidária, e a diplomacia protocolar entre as distintas correntes intelectuais. Renovar as armas do marxismo significa olhar para trás e recompor sua unidade poderosa, sua coerência, e rechaçar sem rodeios a deformação e vulgarização stalinista, a capitulação e o revisionismo social-democrata, a sua mutilação e o seu resfriamento operados pelo marxismo ocidental. Significa, ao mesmo tempo, transformar radicalmente as relações entre a intelectualidade marxista e o movimento operário. Durante toda a última etapa histórica, mesmo entre os intelectuais que não abandonaram a trincheira do marxismo, e que de alguma forma tentaram contribuir para uma compreensão marxista da realidade, via de regra elaboraram suas concepções partindo de fora do movimento operário. Seu acompanhamento das lutas dos trabalhadores ’ para não falar do cotidiano gris da opressão silenciosa nas fábricas, nos bancos e nas grandes e pequenas empresas ’ foi invariavelmente exterior, superficial, inorgânico.

Por isso é preciso formar verdadeiros intelectuais revolucionários, como foram Marx, Engels, Lênin, Trotsky e as centenas de quadros e dirigentes que o movimento revolucionário criou. Não se trata apenas de formar novos intelectuais pretensamente marxistas, mas uma nova geração de intelectuais revolucionários que entrelacem suas vidas até o final com os destinos da classe operária brasileira e mundial. A juventude terá que mostrar no próximo período que, junto ao enorme potencial combativo que a realidade lhe exigirá mostrar, será capaz também de elevar-se teoricamente a ponto de expressar no campo das idéias a mesma energia inesgotável.

Somente assim será possível tocar os melhores elementos da velha geração, os que não se venderam ao reformismo e nem se deixaram seduzir pela fogueira de vaidades da academia; somente assim será possível devolver-lhes a fé na revolução, que tem separado historicamente o pensador comunista sempre pronto a inflamar-se diante dos choques com a realidade, do intelectual pretensioso e frio, perfeitamente inútil à causa da emancipação dos trabalhadores.

Hoje experimentamos uma atmosfera de recomeço, depois de duas décadas de dolorosas derrotas que desarticularam o movimento operário e semearam a confusão e a dispersão nas fileiras marxistas. Se hoje a mudança nessas condições começa a ganhar a forma de uma lenta retomada e uma recomposição inicial da subjetividade operária e popular, isso nos obriga a superar tanto a atitude de resignação pessimista como a de rejeição em bloco do que passou. Isso significa elevar-se acima da tentação de procurar uma espécie de novo marco inicial, a partir do qual a história pudesse começar a ser escrita do zero, desta vez sem máculas.

Compreendemos que a etapa histórica que vivemos hoje é preparatória para novas crises, guerras e revoluções, não ainda como uma realidade presente, mas como uma perspectiva tão concreta como o são as enormes contradições da situação mundial hoje, por mais que esse processo esteja marcado, como inevitavelmente estará, por importantes fluxos e refluxos da luta de classes. Por isso, através das distintas conjunturas que marcarão o próximo período, nossa tarefa primordial é fazer avançar a causa da construção de um partido revolucionário em nível nacional e internacional.

Se os processos de restauração capitalista no Leste Europeu e as derrotas sofridas pela classe trabalhadora na década de 1990 criaram as bases para o surgimento de uma ideologia de triunfalismo capitalista e de negação da perspectiva socialista, materializadas nas teorias que propagavam o “fim da história” e o “fim do trabalho” ; este início de milênio começa a apontar para o ressurgimento de um ideário anticapitalista ’ mesmo que não ainda marxista ’ de distintas fisionomias, junto a amplos setores de vanguarda em diversos países, o que expressa profundas transformações no panorama internacional.

O atual cenário internacional, convulsionado pela ofensiva imperialista no Iraque, de cujo resultado dependem em grande medida os caminhos da situação internacional e o novo equilíbrio de forças entre as distintas potências, lança por terra todas as visões idílicas de desenvolvimento pacífico do capitalismo.

É nesse marco que precisamos ver o campo de combate ideológico atual, e centrar fogo já não no pensamento único do "fim da história" ’até porque ele já foi mais do que rechaçado pelo próprio evolver histórico-, mas sim nas distintas variantes do "possibilismo", seu descendente direto, que exerce nas condições transformadas atuais o mesmo papel de obstáculo ao reencontro da perspectiva comunista com as massas.

Apenas uma intelectualidade radical e ligada à luta revolucionária da vanguarda operária pode mostrar que os possibilistas são os verdadeiros utópicos, ao imaginar que é possível uma transformação social a partir de pequenas mudanças, e que se pode acreditar na convergência de interesses entre as potências imperialistas, destas com os países semicoloniais, e de todos com o movimento operário e as massas oprimidas. Somente assim poderemos refutar, ao mesmo tempo teoricamente e na prática, aqueles que reduzem todo horizonte de transformação aos marcos da democracia liberal burguesa, essa envoltura degradada da ditadura do capital.

Nacionalmente, a tarefa de uma tal intelectualidade é de identificar e atuar sobre a grande contradição que a eleição de Lula traz: a de que agora os trabalhadores se enfrentam com o que no período anterior se constituiu como sua principal direção histórica, liberando energias e dando vazão a tendências muitas vezes invisíveis, mas que preparam fenómenos de enorme magnitude.

É a dialética entre desengano e prostração, indignação e revolta, atuando na psicologia das massas, que dará o tom do próximo período. Da resolução positiva dessas contradições depende a possibilidade de uma saída revolucionária, num dos países mais importantes do continente. É um terreno vasto, que exige uma atuação resoluta dos comunistas.

A revista Estratégia Internacional Brasil se insere nessa perspectiva, e deseja contribuir para um movimento, tão necessário quanto urgente, no sentido de recuperar a unidade entre a teoria marxista e a atividade prática do movimento operário brasileiro. Esperamos não estar sozinhos nessa tarefa, quanto mais porque as condições para tanto não são assim favoráveis há décadas. As elaborações que oferecemos ao leitor são uma pequena contribuição, na medida de nossas forças, à tentativa de responder a essa exigência da realidade.

O surgimento da revista Estratégia Internacional Brasil faz parte da ofensiva ideológica que a realidade nos exige e a que nossa Liga Estratégia Revolucionária procura responder com todos seus esforços. Não casualmente a lançamos no mesmo momento em que os círculos marxistas que impulsionamos começam a mostrar sua potencialidade efetiva. A propaganda marxista revolucionária da qual a revista é um instrumento, deve ser vista como trabalho complementar ao desenvolvido nos círculos marxistas. Se a união entre trabalhadores, jovens e estudantes nos círculos recupera as melhores tradições históricas do movimento operário, e tempera os laços de solidariedade revolucionária entre aqueles ali envolvidos, as elaborações da revista são um esforço para que as ferramentas teóricas básicas que nos círculos marxistas são adquiridas e socializadas, possam ser confrontadas com a realidade cambiante de nossos tempos e assim devidamente afiadas para cumprir seu papel transformador.









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