Quinta 2 de Maio de 2024

Parte III Movimento operário, subjetividade e direção

Pela reconstrução da IV Internacional

28 Jun 2005   |   comentários

O giro à direita da socialdemocracia e do stalinismo abriu um espaço à sua esquerda, que expressa a desilusão de amplos setores e sua rejeição às velhas direções reformistas, mas sem radicalização política nem desenvolvimento de tendências centristas progressivas até o momento.

Em nível internacional, no calor do movimento antiglobalização, criou-se o Forum Social Mundial, hegemonizado por organizações reformistas como o ATTAC, partidárias da "humanização" do capitalismo. Passados cinco anos da primeira reunião do FSM em Porto Alegre, este mostrou seu caráter de cobertura do reformismo socialdemocrata e de seus governos, como o de Lula no Brasil.

Desde o ponto de vista das organizações políticas, neste espaço não revolucionário, tentam desenvolver-se partidos reformistas de esquerda que dizem ser "anticapitalistas".

Um modelo deste novo tipo de partido "anticapitalista" é o Partido Socialista Escocês, impulsionado por um setor cindido da tendência trotskista The Militant, depois chamada Socialist Party, onde participam grupos socialdemocratas, ex-trabalhistas, nacionalistas escoceses de esquerda, e também grupos que se dizem revolucionários como o Socialist Workers Party. Outro paradigma é o Refundação Comunista na Itália, fundado no início dos anos 1990 por um setor do velho PCI, resistente ao giro abertamente centro-esquerdista da maioria desse partido, e por pequenos grupos trotskistas que permaneceram em suas fileiras por mais de dez anos, inclusive quando o Refundação foi parte da aliança de governo de Olivo. Este partido, que foi apresentado por grupos como o SWP britânico como um "exemplo", concretizou em seu VI Congresso um giro categórico à direita, deixando aberta a possibilidade de fazer parte de um futuro governo de centro-esquerda.

Estas organizações, ao serem “amplas” desde o ponto de vista programático, isto é, não revolucionárias, podem ter também uma base social-eleitoral mais ampla, como mostram o "sucesso" do Partido Socialista Escocês, do Bloco de Esquerda em Portugal ou da Aliança Vermelha Verde na Dinamarca.

Um setor importante de grupos e correntes que falam em nome do trotskismo ou têm suas origens na Quarta Internacional, como o Socialist Workers Party britânico e a LCR francesa (a seção mais importante do Secretariado Unificado), vem tratando de capitalizar esta crise do reformismo clássico com sua base eleitoral, através de uma política oportunista de impulsionar partidos ou movimentos "amplos" que lhes permitam confluir numa organização comum - ou em frentes eleitorais - com as alas de esquerda do reformismo. Este giro à direita se acelerou, sobretudo, com o surgimento do movimento "antiglobalização" - e posteriormente antiguerra, como mostra a coligação eleitoral RESPECT impulsionada e conformada pelo SWP inglês junto com setores burgueses da comunidade muçulmana desse país.

A justificativa da LCR ou do SWP para esta política oportunista é de que as organizações da esquerda revolucionária, pela fortaleza do stalinismo e da socialdemocracia, estiveram confinadas durante décadas a serem pequenos grupos, isolados do movimento de massas e que, hoje, apesar de não haver radicalização política, a existência de movimentos sociais como o movimento "antiglobalização" apresenta a oportunidade de superar esta situação e de evitar o perigo "sectário". Para isto se propõem a construir uma nova medicação, que vêem ligada a todo um período histórico.

Estas construções amplas, "anticapitalistas e pluralistas", que aparecem de fato como um atalho oportunista frente à dificuldade real para construir partidos operários revolucionários, expressam a profunda adaptação política e programática destas correntes, que constituem a ala direita do chamado movimento trotskista, ao regime democrático burguês. O exemplo extremo desta adaptação está na seção brasileira do SU , Democracia Socialista, que não só fez parte do governo municipal de Porto Alegre durante anos, como hoje um de seus dirigentes, Miguel Rosetto, é Ministro do Desenvolvimento Agrário no governo capitalista de Lula. O SU voltou assim à nefasta tradição "ministerialista" da socialdemocracia do começo do século XX, violando todo princípio elementar de não participar de governos burgueses.

O descontentamento com as políticas neoliberais de Lula e a expulsão do PT de quatro deputados estaduais que incluem membros de grupos que se reivindicam trotskistas, entre eles a DS, levou à formação do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), que constitui um experimento "avançado" da construção de partidos amplos policlassistas adaptados ao regime democrático-liberal.

Estes partidos "anticapitalistas" têm como ponto de delimitação a oposição ao "neoliberalismo" ou ao guerreirismo de Bush, não têm nenhum critério de classe nem composição social operária, de forma a serem sob todos os pontos de vista projetos de partidos pequeno-burgueses, adaptados à democracia capitalista, apoiadores da colaboração de classes direta por meio da participação de políticos patronais em suas fileiras ou em frentes eleitorais.

A retórica "socialista" está aa serviço do mero crescimento eleitoral e de ir ampliando seu espaço como esquerda do regime burguês. Falam de um “socialismo” sem revolução, à moda do velho reformismo socialdemocrata, que nada tem a ver com a destruição do Estado burguês e a instauração de um Estado operário, e sim com conseguir pequenas reformas mantendo o regime de exploração capitalista.

Há outras organizações trotskistas que rechaçam esta política quase reformista e que mantém formalmente o programa revolucionário, como a Lutte Ouvrière na França, o PSTU no Brasil, e o CRCI - agrupação internacional da qual participa o Partido Obrero da Argentina. Nossa corrente lhes propós uma campanha comum contra o "ministerialismo" do SU, resgatando um princípio elementar de classe de não participar de governos capitalistas. No entanto, estes se negaram, aliás permitindo que Rosetto continuasse por mais de dois anos no governo sem que desde a esquerda provocássemos uma crise na DS e no SU.

Estes grupos, ainda que com um discurso mais de esquerda, têm como prioridade o fortalecimento de seus próprios aparatos políticos nos espaços à esquerda que surgem dentro do regime, e não querem que a classe avance um só passo a uma estratégia revolucionária. Por isto são partidos que oscilam entre a autoproclamação sectária e o oportunismo político, entre o sindicalismo e o eleitoralismo, sem apresentar uma alternativa de classe internacionalista e revolucionária nem uma prática política que permita ao programa do trotskismo fazer carne num setor do proletariado. Por exemplo, o Partido Obrero na Argentina deu um salto em sua adaptação ao regime democrático-burguês estabelecendo uma colateral "piqueteira" mediante a administração de projetos sociais do Estado. O grupo italiano Proggeto Comunista, vem sendo parte há mais de uma década do Refundação Comunista, no qual, mais do que fazer um entrismo, contribuiu com a construção de um partido reformista de esquerda de colaboração de classes.

O PSTU vem tratando de hegemonizar burocraticamente um fenómeno ainda embrionário de ruptura política com o governo de Lula, com uma orientação sindicalista para a CONLUTAS que não permite que os milhares de operários de vanguarda se transformem na linha de frente da luta para expulsar a burocracia sindical que continua dirigindo sindicatos de milhões de trabalhadores.

Nesta nova etapa, na qual os trabalhadores começam a dar mostras de uma recuperação em sua subjetividade, na qual a ofensiva imperialista é repudiada e resistida por milhões no mundo, na qual voltou a estar colocado o internacionalismo, na qual para avançar qualitativamente é necessário romper com as direções reformistas e populistas que historicamente levaram ao desastre, nos coloca a necessidade mais imperiosa do que nunca de dar passos adiante na reconstrução/refundação do Partido Mundial da Revolução Socialista, a Quarta Internacional.

Nossa corrente, a Fração Trotskista pela Quarta Internacional, vem sustentando que não é suficiente ter programas gerais corretos e falar de socialismo e internacionalismo. A prova de uma organização revolucionária consiste em que esse programa se concretize em sua prática política, em que lute para ser parte da classe operária e para dirigir seus setores mais combativos, impulsionando o desenvolvimento das experiências mais avançadas de nossa classe e transformando-as em lições programáticas para os combates futuros. Como, por exemplo, a experiência de controle operário em Zanon, na Argentina, a luta pelo desenvolvimento das tendências antiburocráticas e pela independência política nos fenómenos que já estão ocorrendo no novo movimento operário na Argentina e no Brasil. Ou nossa intervenção e as conclusões político-organizativas tiradas do processo revolucionário na Bolívia. Porque só um trotskismo que se construa e se meça na luta de classes pode ser a base para a reconstrução de um movimento operário revolucionário e internacionalista.

Somos conscientes de que constituímos uma tendência revolucionária dentro do movimento trotskista e de que a refundação da Quarta Internacional e de partidos operários revolucionários nacionais não será produto do desenvolvimento evolutivo nem de nossos grupos nem de outras correntes que falam em nome do trotskismo, mas surgirá da fusão com elementos revolucionários da vanguarda operária e popular. Em nível internacional constituímos um pólo ideológico, político e organizativo que se propõe a recriar o marxismo revolucionário e transformar em programa as principais experiências da classe operária internacional.

Nesse marco, cremos que devemos pór todas nossas forças na perspectiva de recuperar o melhor das tradições revolucionárias da classe operária, devemos demonstrar a superioridade de nosso programa e de nossa estratégia e a miséria dos que, em seu afã de obter um cargo parlamentar ou sindical, conciliam com os reformistas.

Nós da Fração Trotskista pela Quarta Internacional apresentamos este Manifesto Programático para discutir com os operários avançados que começam a ser conscientes do poder social e político do proletariado para lutar contra o capital, com os jovens que fizeram sua experiência com as direções reformistas, e com todos os militantes honestos de organizações de esquerda que vêem a necessidade de resistir ao curso à direita de suas direções.

Estamos dispostos a debater e avançar na medida do possível com todas as correntes e militantes trotskistas que reivindiquem programaticamente e em sua prática política a tradição e o legado revolucionário do trotskismo, para dar passos concretos por meio da experiência comum, de comitês exploratórios ou comitês de enlace, segundo o grau de convergência que tenhamos, na reconstrução da Quarta Internacional como expressão do Estado-maior dos explorados do mundo, capaz de dirigir à vitória os próximos processos revolucionários.









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