Quinta 2 de Maio de 2024

Parte II Chaves programáticas

O movimento anti-guerra e a guerra/ocupação do Iraque

28 Jun 2005   |   comentários

O surgimento do movimento antiguerra foi um fato enormemente progressivo. Em meio aos preparativos para a invasão militar do Iraque, a mobilização de milhões de pessoas nos cinco continentes foi a maior oposição que se levantou contra a tentativa de Bush de redesenhar o mundo e o Oriente Médio a seu favor. Desde então, ainda que com enormes altos e baixos, este segue sendo um fator presente da realidade mundial, como demonstrou sua ação depois dos atentados do 11/3 na Espanha, que obrigaram a retirada das tropas deste país da coalizão prónorte-americana, ou na importante perda de votos de Blair nas recentes eleições na Grã-Bretanha, apesar de sua vitória.

No entanto, na Europa, onde este movimento foi mais forte, tanto as direções sindicais, incluindo os sindicatos “alternativos” e “combativos” como o IGM, o SUD, e os COBAS; como os principais referentes do movimento antiglobalização, como o ATTAC, incluindo os autonomistas, o impediram de ser uma ferramenta eficaz para parar a máquina militar norte-americana. Antes do início da guerra, estas direções imprimiram um caráter essencialmente pacifista que semeava ilusões nas potências européias que se opunham à guerra e nas Nações Unidas.

A única possibilidade de deter a guerra de fora do cenário do conflito era parando a máquina militar que a tornava possível. A “máquina de guerra” se compõe principalmente pelos Estados e governos que a levam adiante, somados às burguesias imperialistas que a financiam e esperam obter benefícios dela. Só com uma grande luta contra os governos dos países agressores era possível parar a agressão imperialista, ou ainda revertê-la e transformá-la numa luta social contra os governos imperialistas. Mas, salvo ações isoladas, as direções do movimento antiguerra impediram que a classe operária com seus métodos e programa, fosse o centro de gravidade da luta contra a guerra mediante a greve geral, o boicote e a sabotagem à indústria e ao transporte de equipamentos de guerra. É por isso que a política dos marxistas revolucionários contra a guerra é a combinação do derrotismo revolucionário nos países agressores, para o qual o movimento antiguerra é uma base de apoio, mas que deve avançar do atual pacifismo (objetivamente progressivo nos países imperialistas agressores) à luta aberta contra os governos imperialistas como os de Bush, Blair e Berlusconi. A experiência da luta da Argélia contra o império francês ou do heróico povo vietnamita contra o exército norte-americano, demonstrou que a combinação da resistência dos povos oprimidos com a mobilização nas potências imperialistas agressoras, permitiu a derrota dos mais poderosos exércitos do mundo, ainda que pelo papel de suas direções isto se tenha conseguido a um alto custo que não economizou perdas em vidas e anos de guerra.

Uma política revolucionária deste tipo só podia surgir do combate aberto contra as direções e a ideologia pacifistas que estas propagandeavam, que condena por princípio toda guerra como "imoral” , levando a igualar a violência contra-revolucionária dos opressores com a legítima luta dos oprimidos. Por isso, o ponto de partida do programa revolucionário é definir que a guerra do Iraque é uma clara guerra de agressão imperialista contra uma nação oprimida. Sob a máscara da "democracia” , o governo de Bush procura liquidar toda soberania nacional para submeter seu povo e expropriar suas riquezas. Toda guerra de defesa e libertação nacional de uma nação oprimida é, para os revolucionários, uma guerra justa e legítima, como foi - por exemplo - a luta pela libertação nacional da Argélia contra os colonialistas franceses ou a guerra do Vietnã. Neste tipo de guerras, os revolucionários nos localizamos no campo militar dos países semicoloniais, independentemente do caráter do regime que os governe porque o triunfo do país imperialista significará duplas correntes para o povo da nação semicolonial, e padecimentos piores ainda do que com sua ditadura doméstica. No caso do Iraque nos localizávamos pela derrota militar do imperialismo norte-americano e de sua coalizão, apesar do caráter reacionário e ditatorial de Saddam Hussein. Seguimos os ensinamentos do marxismo revolucionário, cujos fundamentos propós com total clareza Trotsky frente a uma eventual guerra entre o regime semi-fascista do Brasil, dirigido por Vargas nos anos 1930, e a imperialista Inglaterra. Nesse marco, dizia: “neste caso, eu pessoalmente estaria junto ao Brasil ”˜fascista”™ contra a ”˜democrática”™ Grã-Bretanha. Por quê? Porque não se trataria de um conflito entre a democracia e o fascismo. Se a Inglaterra ganhasse, colocaria outro fascista no Rio de Janeiro e ataria o Brasil com duplas correntes. Se, pelo contrário, saísse vencedor o Brasil, a consciência nacional e democrática deste país tomaria um poderoso impulso que levaria à derrubada da ditadura de Vargas. Ao mesmo tempo, a derrota da Inglaterra daria um impulso ao movimento revolucionário do proletariado inglês” . Por isso, o primeiro ponto de nosso programa revolucionário frente à guerra do Iraque foi o da derrota das tropas imperialistas. Mas esta localização no campo da nação oprimida não significa, como fazem as correntes populistas, confundir a justa defesa da nação oprimida com sua direção eventual. Como demonstrou toda a história do século XX e, mais recentemente, a ditadura militar argentina na guerra das Malvinas contra o imperialismo britânico, ou Saddam Hussein nas duas guerras do Golfo, a burguesia da nação oprimida é incapaz de tomar as medidas militares e políticas que levariam a derrotar o imperialismo. Seu temor da luta de classes e de impulsionar o armamento generalizado da população para defender-se, demonstram que, mesmo sendo agredidas pelo imperialismo, preferem a derrota nacional a liberar forças sociais que questionem seu domínio de classe. Por isso os revolucionários nos localizamos no campo militar da nação oprimida e desde essa trincheira propomos um programa que combine as tarefas da libertação nacional com o método e os objetivos da revolução proletária, como forma de disputar a direção da guerra com a burguesia nacional, que mais cedo do que se espera terminará capitulando e permitindo as mais desmoralizantes derrotas nacionais. Porque o proletariado é a única classe que pode unificar e dirigir ao conjunto das camadas exploradas numa luta até o final contra o imperialismo, como parte de uma estratégia revolucionária e internacionalista.

No caso do Iraque, só uma ação independente da classe operária e das massas iraquianas poderia ter derrotado o invasor, deixando o povo iraquiano em melhores condições para libertar-se do regime de Hussein, ao mesmo tempo que seu triunfo nacional teria constituído um extraordinário estímulo para a luta contra a exploração e pela liberdade de todos os povos oprimidos da região e do mundo.

Esta mesma lógica se mantém hoje, sob a ocupação militar e frente ao desenvolvimento da resistência. Muitos setores que ontem se opuseram à guerra porque a consideravam uma ação injustificada do governo de Bush, hoje, pelo caráter islâmico da resistência iraquiana, se negam a lutar pelo triunfo das massas do país ocupado. Isto é um raciocínio equivocado que não propõe como principal questão a derrota do imperialismo. Um triunfo das massas iraquianas daria um impulso às massas de todo o Oriente Médio que poria em questão a dominação imperialista nesta estratégica zona do planeta, que concentra as principais fontes de petróleo, ameaçando ao mesmo tempo o poder das burguesias da região. Por sua vez, a derrota dos imperialistas no Iraque potencializaria a luta do proletariado e das massas dos países centrais ao debilitar os governos beligerantes, como no passado foi para os EUA o caso da derrota no Vietnã. Só a partir desta localização é possível lutar por uma direção e um programa claramente anti-imperialistas que levem ao triunfo da nação oprimida. Isto passa em primeiro lugar por denunciar, apesar de seus diferentes interesses, o caráter colaboracionista do clero xiita, fundamentalmente sua principal figura Al Sistani, com as tropas norte-americanas. Em segundo lugar, questionar a forma com que conduzem a resistência os setores sunitas, que lhe imprimem a um caráter tribal, e, sobretudo, a ala minoritária fundamentalista islâmica que utiliza métodos brutais como atentados contra a população xiita, que só fortalecem a ocupação imperialista. Só uma direção que procure transformar a classe trabalhadora, a única que pode levar a luta contra o imperialismo e todos seus agentes até o final, em classe dirigente da nação oprimida, poderá conseguir uma unidade efetiva contra o invasor imperialista e converter-se numa fonte de inspiração para os povos oprimidos da região e de todo mundo.

Um novo auge do fenómeno religioso

Historicamente as classes dominantes utilizaram a religião para reforçar o domínio sobre as classes exploradas, pregando entre as massas despossuídas a paciência e a submissão frente à miséria e à opressão, justificando o sofrimento com a ilusão de uma vida no além, enquanto na terra, instituições como a Igreja Católica ou as igrejas protestantes, acumulam riquezas materiais e poder político. Esta dupla moral clerical se manifesta em todos os terrenos. Vemos por exemplo, no caso da Argentina, na cumplicidade da Igreja com o terrorismo de Estado. É particularmente obscena no que diz respeito ao sermão repressivo a favor da castidade e da discriminação, enquanto bispos e sacerdotes integram redes de abuso de menores.

Por isso Marx definia a religião como “o ópio do povo” . Os marxistas revolucionários somos ateus irreconciliáveis e lutamos contra a ingerência da religião na vida pública, defendendo e lutando para conquistar direitos democráticos básicos como o direito ao aborto e à livre escolha da sexualidade. No entanto, sabemos diferenciar nossa atitude de denúncia e combate contra as instituições e as hierarquias religiosas que cumprem um papel reacionário em manter o status quo, da tarefa paciente de persuasão das massas operárias e populares a partir de nossa visão materialista do mundo e das relações sociais que caracterizam uma época histórica dada. Isto tem conseqüências programáticas, como, por exemplo, a política dos bolcheviques para os povos do oriente do ex-império czarista, aos quais a União Soviética garantia plenos direitos de autodeterminação nacional, respeitando suas tradições culturais. Ainda que no “mundo ocidental” as igrejas e as hierarquias religiosas não governem diretamente em nenhum país, nos últimos anos estamos assistindo a um aumento considerável do poder eclesiástico e de sua influência na vida política. Os exemplos abundam.

Nos Estados Unidos, a direita cristã tem um grande peso no governo de George Bush, somando-se ao clima reacionário e aos ataques às liberdades democráticas com campanhas contra o direito ao aborto, contra o caráter laico da educação e contra a liberdade sexual - como, por exemplo, contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esta ofensiva se repete, por exemplo, na política da Igreja Católica no Estado Espanhol, que se via favorecida pelo anterior governo de Aznar. O próprio Bush se sente “inspirado por Deus” e justifica suas políticas imperialistas com termos como “cruzada” e “eixo do mal” , que recordam as guerras religiosas. Inclusive ideólogos norte-americanos falam de uma “guerra de civilizações” e identificam os povos muçulmanos como a “ameaça” à democracia “ocidental” .

A Igreja Católica segue sendo um importante fator de poder a favor de sustentar a ordem capitalista, como demonstrou claramente o extinto papa João Paulo II com seu papel no processo de restauração do capitalismo na Polónia e nos Estados de Europa do Leste.

O sionismo, ainda que se defina mais por seu caráter colonial e pró-imperialista do que por ser um movimento teocrático, surgiu com o objetivo de fundar um Estado exclusivamente judeu, e em 1948 sua empresa culminou na fundação do Estado de Israel sobre a base da limpeza étnica da população palestina, dando lugar a um enclave racista que justifica com o “mito bíblico” suas políticas expansivas sobre o conjunto do território palestino e a opressão contra o povo palestino. Os partidos religiosos têm um peso importante e seus simpatizantes são majoritariamente colonos que vivem nos assentamentos nos territórios ocupados, verdadeiras tropas de choque contra a população palestina. Mas a religião também foi tomada como bandeira por movimentos que de uma forma distorcida expressam o ódio dos oprimidos, tal é o caso das direções islâmicas que hoje vemos atuar, por exemplo, na luta palestina ou na resistência iraquiana contra a ocupação norte-americana.

O caráter reacionário das direções religiosas

O fracasso histórico do nacionalismo burguês árabe deu lugar ao auge do fenómeno conhecido como “Islã político” , que com um discurso antinorte-americano e anti-sionista está conseguindo um lugar importante nos setores mais radicalizados das massas árabes e muçulmanas, como expressa por exemplo a organização palestina Hamas ou o partido libanês Hezbollah.

A instrumentalização ativa da religião para objetivos políticos se acentuou a partir da década de 1960 para enfrentar as tendências nacionalistas e laicas. Esta politização da religião deu um salto com o triunfo da revolução iraniana em 1979, que culminou com o estabelecimento, depois de liquidar a sua ala esquerda, de um reacionário regime teocrático, encabeçado pelo aiatolá Khomeini.

Mas enquanto o xiismo radical surgido da revolução iraniana atraía a simpatia da juventude pobre e marginalizada que tentava converter o islamismo num movimento anti-imperialista, a Arábia Saudita, o outro grande pólo de irradiação religiosa, aliado incondicional dos Estados Unidos, propiciava a difusão nos países muçulmanos de uma variante islâmica conservadora - o wahabismo - financiando a construção de mesquitas e madrasas (escolas religiosas para a educação de meninos de setores populares), para se contrapor à onda expansiva da revolução iraniana. Na década de 1980, este “petro-islã” financiou à “jihad afegã” que tinha como causa a luta contra a União Soviética, que sustentava com as tropas do Exército Vermelho um regime pró-soviético, mas anti-popular, no Afeganistão. Os Estados Unidos apoiavam e também financiavam os militantes da “jihad” que chamava de os “combatentes da liberdade” , aproveitando o profundo anti-comunismo e o caráter reacionário deste movimento, que, depois de uma década de combates, obrigou o Exército Vermelho a retirar-se, o que acelerou a queda da própria União Soviética. Mas os grupos armados islâmicos que atuavam no Afeganistão sob a direção de Osama bin Laden desenvolveram sua própria dinâmica e posteriormente deram lugar ao surgimento do reacionário governo talebã e à rede Al Qaeda. Esta organização se transformou no pior inimigo da monarquia saudita e dos Estados Unidos, que, uma vez desaparecida a União Soviética e liquidado o nacionalismo, não precisava mais dos serviços destes grupos islâmicos.

Enquanto organizações como a Al Qaeda, o taleban ou o GIA argelino têm um caráter completamente reacionário, o que se vê na opressão insuportável para as mulheres, nos castigos exemplares contra os que não obedeçam completamente as prescrições religiosas, e também em seus métodos terroristas que não diferenciam em seus alvos os trabalhadores e os civis, que em geral terminam sendo as vítimas de seus atentados, como se viu por exemplo no atentado à estação de Atocha em Madri; há outras organizações como Hezbollah no Líbano, o Movimento de Resistência Islâmico (Hamas) e a Jihad Islâmica palestinos, ou setores da resistência iraquiana, que são parte de movimentos mais amplos de libertação nacional, de onde surge sua legitimidade, inclusive para ações militares terroristas, como forma de enfrentar potências muito superiores desde o ponto de vista militar.

Os revolucionários defendemos os militantes destas organizações islâmicas radicais contra o ataque das forças reacionárias, sejam imperialistas ou do Estado de Israel. Defendemos o direito do Irã, como país semicolonial, de resistir às pressões do imperialismo norte-americano e europeu. Defendemos os direitos democráticos das comunidades muçulmanas no ocidente que sofrem o ataque dos governos imperialistas, como nos Estados Unidos onde os árabes são considerados suspeitos e podem ser detidos em cárceres clandestinos e torturados. Também defendemos seus direitos culturais em países imperialistas que posam de "democráticos” como a França, que proíbe nas escolas o uso do véu pelas jovens muçulmanas. Como propomos mais acima, pronunciamo-nos categoricamente pela derrota dos Estados Unidos e o triunfo da resistência iraquiana, porque consideramos que uma derrota do imperialismo fortalece a luta das massas oprimidas.

A partir desta posição antiimperialista, combatemos as direções islâmicas que perseguem uma estratégia reacionária de estabelecer um Estado teocrático que liquida liberdades democráticas básicas e que, portanto, as transforma em inimigas da libertação dos trabalhadores, dos explorados e dos oprimidos. A ilusão que alimentam de uma “comunidade dos crentes” pretende ocultar as obscenas divisões de classes das sociedades islâmicas e é inimiga de que a classe operária à frente das massas oprimidas da região enfrente o imperialismo e seus governos locais servis com uma política independente. Toda vez que chegaram ao governo, mostraram seu caráter de agentes das classes capitalistas locais e mantiveram a submissão da grande maioria do povo com regimes repressivos. Portanto, além de sua demagogia social e das contradições que possam ter com os Estados Unidos, constituem nos países muçulmanos os principais obstáculos para a revolução operária e socialista.









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