Sexta 26 de Abril de 2024

Memorial ao Terceiro Congresso

06 Sep 2005 | O primeiro grupo de oposição surgido em nosso partido, enviou ao 3º Congresso um memorial, cujo conteúdo é desconhecido pelos organismos de base. No momento em que todas as acusações então firmadas e todos os desvios apontados, explodem escandalosamente no nosso partido e na própria I.C. “A luta de classe”, julga oportuno dar, sem comentários, para que o partido faça o seu juízo, a reprodução integral do referido memorial.   |   comentários

Memorial

Ao Terceiro Congresso do P.C. do Brasil.

Camaradas,

Desde o tempo do jornal “A Nação” vinha lavrando entre os companheiros do parido certo descontentamento devido aos múltiplos erros na orientação daquele, muitos dos quais a própria redação não ocultava. Para estas faltas muito contribuía a deficiência material e ainda a falta de tirocínio proveniente do fato de se ver o partido, de um momento para outro, na posse de um diário. Revelava-se, porém, já nesta época a substituição da crítica ao regime capitalista e ao imperialismo pela crítica pessoal aos seus instrumentos pela crítica da vida privada da burguesia através de seus fatos mais escandalosos, críticas estas que pouco contribuem para a educação revolucionária do proletariado. Os erros em que incorria revelavam uma ideologia pequeno-burguesa, conseqüentemente reacionária. O ecletismo na redação do jornal patenteava a mais absoluta falta de idoneidade teórica da direção do parido, que não se pode desculpar procurando atribuir tais ou quais faltas a determinados companheiros porque a redação do jornal nomeada pela C.C.E. não só era por esta “dirigida e controlada” (art. 26 dos estatutos), mas se confundia mesmo com ela.

Com o desaparecimento do jornal, não cessaram os desvios notados na linha marxista. Ao contrário, agravaram-se.

Que até então fora um simples meio, o Bloco Operário e Camponês de agitação, tornou-se caixinha de segredos dos conchavos, tramados a revelia do partido, com parlamentares profissionais e políticos da burguesia.

A questão do Kuomitang, preconizado pela C.C.E., foi a pedra de toque de todos os desvios, a cristalização dos erros em que incidiu “A Nação” . Do destino ulterior desta absurda concepção dão-nos conta alguns trabalhos publicados a propósito do 6º Congresso da Internacional Comunista.

A situação tornava-se intolerável dentro do partido para todos os que não queriam colaborar neste desvio. O trabalho do partido era prejudicado nessa confusão, a divergência em pontos essenciais em que era impossível transigir, obstou todo o trabalho eficaz por parte dos elementos divergentes.

Assim, os erros doutrinários da C.C.E. a estratégia tonta por ela preconizada e a concepção de um antagonismo irremediável entre o agrarismo e o industrialismo em substituição à luta de classes, provocavam nas esferas superiores do partido os resultados mais lastimáveis, a mais completa confusão.

Como conseqüência, em São Paulo, nas eleições de fevereiro, o B.O.C. resolve apoiar os candidatos do Partido Comunista.

Em Pernambuco, o B.O.C., delibera, com a aprovação ou indiferença da C.C.E, o apoio a um candidato avulso que se apresentara às eleições motu-proprio.

Membros do núcleo do partido no sindicato dos choferes promovem manifestações de apreço ao ministro da justiça porque este fizera à corporação uma concessão temporária. Como agiu a direção do partido neste caso?

A campanha pró-lei de férias que visava demonstrar o seu caráter de manobra política da burguesia e desmascarar a ficção do Estado acima das classes, transformou-se no mais estreito colaboracionismo com o Conselho Nacional do Trabalho, na mistificação do proletariado, depois dos acontecimentos da U.T.G., resultantes de uma provocação policial.

Era impossível permanecer nesta situação. A ausência das mais rudimentares noções do marxismo na grande maioria do partido, a intervenção indevida de membros do C.C.E nas discussões das células, absorção de todos os recursos do partido, mesmo os pecuniários, pela C.C.E, a carência de toda sorte de recursos nos organismos de base e intermediários, o funcionamento irregular das células, a desorganização conseqüente do fechamento do jornal e a lei celerada, a dificuldade de comunicação com as outras regiões, tornavam inexeqüível a formação de opinião no seio do partido e sua manifestação por meio das instâncias regulares.

O único meio que podia movimentar e agitar a massa amorfa e inativa do partido, fazendo-lhe tomar novo curso, era fazer convergir sua atenção para a atividade exercida pelo organismo central.

Por isto, aproveitando o incidente com encarceramento sindical, exigimos a convocação de uma conferência.

A C.C.E fez-se de desentendida. Não queria a conferência e aproveitou a ocasião para cair sobre os signatários da carta, ex-comungao-os sem parcimónia. A nossa carta à C.C.E. concebida em termos que não se propunha a angariar assinaturas fáceis e numerosas, foi taxada pela C.C.E de demagógica. Não foi respondida aos signatários, mas, em compensação, a C.C.E trabalhou por que alguns signatários menos seguros em suas assinaturas, retirassem suas assinaturas, com declarações de arrependimento. A resposta à nossa carta, dirigida aos demais membros do partido, vejo pelo número um de “Autocrítica” em que se fazia a pior das demagogias contra os signatários. A C.C.E, como possessa, caia sobre nós, tentando mostrar-nos aos demais membros do partido como inassimiláveis bacharéis falidos, exploradores da boa fé de companheiros, etc. Era franca a decisão de preparar nossa degola, dosada. Os companheiros do partido não signatários da carta tinham recomendações de não nos vender o número um da “Autocrítica” .

Compreendemos a situação e agimos em conseqüência. Tínhamos exigido o que era do nosso direito: uma conferência prevista pelos estatutos, exigimo-la de uma C.C.E., já reduzida à metade da que tinha sido escolhida pelo segundo Congresso. Uma Conferência em que defendêssemos o nosso ponto de vista em que o partido se exercitasse proveitosamente para seu terceiro Congresso.

O curso do partido, a recusa da conferência, a impossibilidade de discutir livremente as manobras da C.C.E, preparando a nossa degola forçaram os dissidentes ao abandono do partido, à cisão.

Não recusamos a pecha de indisciplinados e cisionistas. Condições há em que a indisciplina e a cisão são um dever.

Seria, porém, os dissidentes os únicos indisciplinados? O conceito de disciplina de um comunista é a mesma noção de disciplina burguesa? A disciplina do partido trabalha unicamente nos deveres dos “soldados” para com “generais” conforme as expressões de “Autocrítica” ?

A C.C.E. brandiu com tanto ardor a arma da disciplina e, porque no entanto, pelo menos até nossa saída, consentiu que dois de seus membros nela figurassem como simples “honorários” ?

A disciplina comunista não pode ser feita de passividade para os membros do partido e de oportunismo para os seus dirigentes.

Saídos do partido para não colaborar numa orientação, que se mais se acentuar e não for liquidada pelo 3º Congresso, importará a perniciosa confusão e desvio da linha revolucionária, aguardamos dada a sua proximidade, a realização do 3º Congresso do partido para perante este expor nossos pontos de vista em questões fundamentais do movimento comunista e das perspectivas revolucionárias. Durante todo esse tempo, abstivemo-nos propositadamente de toda crítica à atividade do partido, não hesitando em eliminar do nosso meio os elementos que, fabricando uma pretensa teoria da “anteposição da organização sindical à luta parlamentar” , interpretação esta de origem nitidamente oportunista o que tendia a criação no movimento proletário do Brasil de uma mentalidade economista.

Isto posto, é do nosso dever de militantes comunistas dirigirmos o presente memorial ao 3º Congresso, o qual vale por um proteste a uma explicação. Protesto contra os desmandos e desvios da C.C.E que não soube salvaguardar a integralidade do partido. Explicação da nossa atitude à suprema instância do partido.

Nestas condições esperam os signatários deste que o 3º Congresso lhes dê ocasião de expor perante o partido as questões nas quais se fundaram tais divergências.

Luta de Classe n.3, junho 1930









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