Sexta 3 de Maio de 2024

Cultura

BREVE OBITUÁRIO (1922 - 2010)

José Saramago: uma voz crítica na literatura

25 Jun 2010 | (24 de junho de 2010) O escritor, novelista, dramaturgo, poeta e jornalista português faleceu no passado dia 18 de junho. Deixou quase 40 títulos, além de comentários em seu blog e discursos em conferências e instâncias similares.   |   comentários

Proveniente de uma família humilde, Saramago publicou sua primeira novela em 1947: Terra do pecado, que não teve muita repercussão. Seguiu igualmente escrevendo, mostrando em suas obras – como recordou em seu discurso de aceitação ao Prêmio Nobel de Literatura – aos “condenados da terra a que pertenceram meu avô Jerônimo e minha avó Josefa, camponeses rudes obrigados a alugar a força dos braços em troca de um salário e de condições de trabalho que só mereceriam o nome de imfames”. Em 1969 se afiliará ao Partido Comunista, sob a ditadura de Salazar.

Em 1980, com Levantado do chão, conseguirá chamar a atenção com um relato acerca da dura vida dos camponeses que culmina com a Revolução dos Cravos em 1974. Saramago contou no discurso já citado sua inspiração: “gente popular que conheci, enganada por uma Igreja tão cúmplice como beneficiária do pode do Estado e dos latifundiários, gente permanentemente vigiada pela polícia, gente, quantas e quantas vezes, vítima inocente das arbitrariedades de uma justiça falsa”.
Outra obra renomada será Memorial do convento, onde mostra, segundo suas próprias palavras, o “século XVIII em um tempo e em um país onde florescem as superstições e as fogueiras da Inquisição, onde a vaidade e a megalomania de um rei fizeram levantar um convento, um palácio e uma basílica que assombrariam o mundo (...). E também se aproxima a uma multidão de milhares e milhares de homens com as mãos sujas e calejadas, com o corpo exausto de haver levantado, durante anos sem fim, pedra a pedra, os muros implacáveis do convento, as alas enormes do palácio, as colunas e as pilastras, os aéreos campanários, a cúpula da basílica suspendida sobre o vazio”.
Em 1991, com O Evangelho segundo Jesus Cristo, Saramago seguirá com a denúncia e os duros questionamentos à religião e suas instituições. Em 1995 oferecerá Ensaio sobre a cegueira e lhe outorgará por ele mesmo o Prêmio Nobel em 1998 (a censura em seu próprio país – ainda que seja um Estado laico – por esta novela o levará ao auto-exílio em Lanzarote).

Consolidado como um grande novelista, Saramago possui um estilo direto e preciso em suas descrições, junto a um peculiar “ritmo” incessante. Suas obras tem sido traduzidas a muitos idiomas, e suas intervenções públicas, onde denuncia o caráter falso da democracia (por ser uma fachada dos poderes econômicos e militares), somam-se a seu debate contra as religiões e à idéia de um deus. Escreveu em 2001: “as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens; (...) pelo contrário, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos tem o valor de proclamar em todas as circunstâncias um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, o nome que, por medo de morrer, o colocamos um dia e que viria a dificultar nosso passo a uma humanização real”.
Por isso um dos principais órgãos do Vaticano, o jornal L’Osservatore Romano, imediatamente que foi noticiada sua morte, o qualificou de “populista extremista”: “foi um homem e um intelectual de nenhuma admissão metafísica, até o final ancorado em uma convicta confiança no materialismo histórico, aliás ao marxismo”.

O PC de Portugal, por outro lado, sustentou que “continuará colocando José Saramago como um de seus militantes mais destacados”. Isto, ainda que Saramago não tenha sido obediente ao stalinismo luso. Pouco “orgânico” muitas vezes, afastou-se da linha do partido para apoiar outras forças como a que levou em 1996 e 2000 como candidato o “socialista” Jorge Sampaio – que chegou à presidência de Portugal -. Eram evidentes seus incômodos e confusões políticas: seguia se reivindicando comunista “de espírito” ou “hormonal” (esclarecendo que nunca se concretizou até agora esse projeto de sociedade – chamando aos Estados operários burocratizados “capitalismo de Estado”), criticou às FARC, chamou aos PS e PC europeus “esquerda estúpida” e opinava que o marxismo era só “uma filosofia”.

Contudo, fica por aproveitar o melhor: a obra de um grande escritor que, com suas perguntas e reflexões, permite pensar o devir da espécie humana na história, questionar muitos de seus medo profundos (como a idéia de deus e as religiões) e imaginar um futuro melhor.

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