Sexta 26 de Abril de 2024

Introdução

23 Dec 2007 | “O essencial é que estas reformas de base substituam a revolução. Estamos falando de reformas de base, mas devemos ter em mente que isso é uma forma de evitar a revolução que se avizinha”. (Antonio Queiroz do Amaral, intelectual que colaborou com o golpe) [1]   |   comentários

Ao longo de sua história, a classe operária latino-americana, com suas ações
independentes de grande magnitude, aportou com importantes tradições
para o movimento operário mundial. A revolução boliviana de 1952 e sua
derrota parcial do exército pelas dinamites dos mineiros, assim como a
Assembléia Popular que surgiu neste país na década de 70, como exemplo
embrionário de um organismo de tipo soviético... os Cordões Industriais
no Chile dos anos 70 com seu exemplo de auto-organização proletária ligado
a um profundo processo de ocupações de fábrica sob controle operário... a
semi-insurreição na cidade de Córdoba na Argentina em 1969 e as
coordenadoras inter-fabris que se desenvolveram neste país na década de 70
como embriões de duplo poder...

No Brasil, a classe operária, se por um lado esteve aquém no
protagonismo de grandes ações independentes ou na formação de
organismos de tipo soviético, construiu dois grandes partidos com enorme
influência de massas: o PCB e o PT.Mesmo que essa enorme energia tenha
sido desviada para a conciliação de classes, inicialmente pelo stalinismo e
posteriormente pela burocracia lulista, tais experiências demonstram que o
proletariado brasileiro chegou, uma e outra vez, à conclusão da necessidade
de expressar politicamente o seu peso social, e póde transformar tal
necessidade em força material.

Com o presente artigo buscamos contribuir com os elementos que
faltaram, e ainda faltam, para que o proletariado brasileiro possa transformar
essa capacidade de expressão política na sua efetiva emancipação social, e
para tal partimos de uma reflexão sobre as vias e os instrumentos através dos
quais a classe operária historicamente precisou e precisa constituir sua
independência política com relação à burguesia, no sentido mais profundo
que este termo assumiu em mais de 150 anos de luta do movimento operário
internacional contra a exploração e a opressão capitalista.

***

O processo da luta de classes que culmina no golpe de 1964 se insere numa
situação política mundial marcada por uma contradição entre os inúmeros
processos revolucionários e de libertação nacional nas colónias e semicolónias
e o bloqueio da revolução nos países centrais imperialistas.

À saída da 2ª Guerra mundial, o stalinismo estabelece um pacto (Pactos
de Yalta e Postam, pelos nomes das cidades em que foram assinados) com o
imperialismo no qual dividem o mundo em “zonas de influência” . A
burocracia soviética e os PCs em todo o mundo vão estabelecer uma relação
de colaboração e competição (Guerra Fria) com o imperialismo [2]. Nos países
atrasados, vão se constituir em num instrumento das burguesias “nacionais” ,
e por esta via do imperialismo, para conter e desviar os processos
revolucionários; ao mesmo tempo em que alentam lutas por reformas
colocando-as a reboque das direções “nacionalistas” burguesas.

A enorme destruição de forças produtivas durante a guerra assentou as
bases para um “boom” económico que, apesar de não ter um caráter
orgânico como na primeira fase de livre competição do capitalismo, adquiriu
índices de crescimento historicamente inéditos.

Além disso, pelo fato de Japão e Europa saírem destruídos da 2ª Guerra,
os EUA vão encontrar “caminho livre” para se projetar como potência
hegemónica em nível mundial.

Este conjunto de fatores estabeleceu um relativo equilíbrio capitalista a
partir de 1949 ’ ano que marca a derrota dos processos revolucionários que
percorreram os países centrais europeus imediatamente após o término da
guerra. Nos anos que seguem esta etapa da luta de classes mundial, o ascenso
revolucionário das massas nas colónias e semi-colónias e nos Estados
Operários deformados combinou-se com um predominante conformismo
social nos países imperialistas, “bloqueando” a influência dos processos
revolucionários que se desenvolviam nos país atrasados sobre o centro do
sistema capitalista. A relação de forças em nível mundial vai sofrer uma nova
inflexão apenas em 1968, quando o “Maio Francês” e o “Outono Quente”
italiano vão inaugurar uma nova etapa, ao mesmo tempo em que o boom
económico do pós-guerra já se esgotava, e os imperialismos competidores
dos EUA já haviam minimamente recobrado suas forças.

Esta situaçãomundial não excluiu que, por uma determinada combinação
de fatores ’ cracks económicos, enorme pressão revolucionária das massas e
intervenção do imperialismo ’ em alguns países as direções nacionalistas
burguesas e pequeno-burguesas ou até mesmo stalinistas fossem além do que
desejavam no sentido da expropriação da burguesia para não serem
superadas pelas massas, como por exemplo ocorreu na China, na Iugoslávia
e posteriormente em Cuba.

Às vésperas do golpe militar de 1964, a Revolução Cubana de 1959 ’ a
primeira revolução socialista da América Latina ’ apesar de golpear fortemente
o imperialismo e influenciar em importante medida as massas oprimidas no
mundo, em especial as latino-americanas, termina contraditoriamente fortalecendo o poderoso aparato que combatia a revolução em nível
internacional: a burocracia do Kremlin e os PCs em todo o mundo [3].

***

Atualmente, costuma-se dizer nos meios marxistas que criticar a “clássica”
interpretação stalinista-evolucionista da formação do capitalismo no Brasil -
de um país que começa feudal e deveria passar pelas mesmas etapas do
desenvolvimento dos países europeus - seria como “chutar um cachorro
morto” . Também costuma-se definir que a grande inflexão no pensamento
marxista brasileiro, quando pela primeira vez foi realizada uma crítica “global”
às teses stalinistas, foram as elaborações de Caio Prado Jr. desde seu clássico
“A formação do Brasil contemporâneo” , de 1942. No entanto, essa visão não
corresponde aos fatos, e para se sustentar é obrigada a ocultar a originalidade
das análises históricas dos trotskistasMário Pedrosa e Livio Xavier, fundadores
da Liga Comunista Internacionalista, que já no início da década de 30
desenvolveram o essencial das teses sobre a relação entre a burguesia brasileira
com o imperialismo e o latifúndio, as quais Caio Prado posteriormente virá
a conhecer. A ignorância de muitos que poderiam argumentar que o
intelectual dissidente do stalinismo não conhecia as elaborações trotskistas
por serem estas demasiado marginais não resiste à prova histórica, e para
demonstrá-lo está o intercâmbio de cartas entre Caio Prado e Lívio Xavier já
em 1933 [4], e por isso tampouco pode eximir a falta de honestidade intelectual
do historiador paulista, que naqueles anos lutava sob a bandeira do stalinismo
organizando a Aliança Nacional Libertadora em São Paulo.

A insistência ’ por parte do conjunto da academia e da esquerda ’ em
negar o papel dos trotskistas na interpretaçãomarxista da formação capitalista
do Brasil, seja por ignorância ou pelo argumento da “marginalidade” ,
encontra seu fundamento último tanto em resquícios da perseguição
inquisitória que em seu apogeu o stalinismo desferia contra o trotskismo,
como emrazões políticasmais diretamente “pragmáticas” . Emprimeiro lugar,
para a LCI, a análise marxista do capitalismo brasileiro era inseparável do
programa da revolução proletária. Em segundo lugar, mas não menos
importante as idéias e a prática de Trotsky incomodam profundamente todo
o tipo de “marxismo” que busca refugiar-se na academia ou encontrar
pretextos para a conciliação de classes. Para os “marxistas” que não querem
lutar pela revolução ou que ainda procuram “aliados” na burguesia, foram e
continuam sendo muito mais “cómodas” as teses de Caio Prado.

Ora, deixadas de lado as censuras burguesas e stalinistas ou as autocensuras
carreiristas, o que o exame histórico aponta é que os primeiros
trotskistas brasileiros já haviam mostrado, trinta anos antes do período em
que focamos aqui nossas atenções; que desde a primeira chegada dos
portugueses o Brasil viveu, através de sua vinculação com a metrópole, os
diversos estágios de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Até
inícios do século XIX, sua posição de colónia fornecedora de matérias
primas, minérios e produtos agrícolas servia para abastecer o capitalismo
comercial mercantilista; assim como depois de 1808 ’ com a revolução
industrial percorrendo a Europa e modificando radicalmente as relações
sociais de produção até então existentes, foi conduzido pela mão da coroa
portuguesa para a hegemonia económica da Inglaterra ’ que nesse momento
vivia o apogeu do capitalismo industrial de livre-concorrência. Mostravam
os pioneiros do trotskismo no Brasil como a partir de meados do século
XIX, a influência da Inglaterra sobre o país viria a aumentar no ritmo da
expansão da fase imperialista do capitalismo, quando se formaram os
primeiros grandes monopólios e o mundo colonial começou a ser visto não
mais como mero fornecedor de matérias primas, mas como potencial
mercado consumidor para os produtos industrializados.

O capitalismo brasileiro tem portanto origem colonial, vinculado à
economia capitalista européia em suas diversas fases, num sistema baseado
sobre a mão de obra escrava e destinado à exportação de produtos agrícolas.
Sua economia original não era nemfeudal, nemescravista, nempropriamente
capitalista, mas uma singular combinação desses elementos. Já desde os
primórdios, o atrelamento ao imperialismo e a dependência com relação ao
aparelho do Estado se tornam cada vez mais características profundas da
burguesia, e a forma e o grau com que tais elementos se combinam nos
interesses particulares de cada setor burguês foi, não poucas vezes, o motor
fundamental de suas divisões internas. Nas palavras dos trotskistas:

A burguesia brasileira nasceu no campo, não na cidade. [5] (...) A urgência e penúria do
mercado interno constitui um dos pontos nevrálgicos da instabilidade económica e
política do Brasil. Para o desenvolvimento dos mercados internos todos os meios são
bons e umgoverno forte e centralizado é condição essencial. A penetração imperialista
é um revulsivo constante que acelera e agrava as contradições económicas e as
contradições de classe. O imperialismo altera constantemente a estrutura económica
dos países coloniais e das regiões submetidas à sua influência, impedindo o seu
desenvolvimento capitalista normal, não permitindo que esse desenvolvimento se realize de maneira formal nos limites do Estado. Por essa razão, a burguesia nacional
não tem bases económicas estáveis que lhe permitam edificar uma superestrutura
política e social progressista. O imperialismo não lhe concede tempo para respirar e
o fantasma da luta de classe proletária tira-lhe o prazer de uma digestão calma e feliz.
Ela deve lutar em meio ao turbilhão imperialista, subordinando sua própria defesa à
defesa do capitalismo. Daí, sua incapacidade política, seu reacionarismo cego e
velhaco e - em todos os planos - a sua covardia. Nos países novos, diretamente
subordinados ao imperialismo, a burguesia nacional, ao aparecer na arena histórica,
já era velha e reacionária, com ideais democráticos corruptos. A contradição que faz
com que o imperialismo - ao revolucionar de modo permanente a economia dos
países que lhe são submetidos - atue como fator reacionário em política encontra a
sua expressão nos governos nos fortes e na subordinação da sociedade ao poder
executivo. (...) Além disso, as exigências do desenvolvimento industrial obtêm, como
condição essencial, o apoio direto do Estado: a indústria nasce ligada ao Estado pelo
cordão umbilical. [6]

Nas análises de Pedrosa e Xavier, entre outros, encontram-se também
importantes indicações para o estudo que de outromodo teve de tomar rumos
muito mais tortuosos, desde a real situação existente no campo brasileiro,
passando pela necessária crítica à concepção pecebista do “passado feudal” .
Seus acertos fundamentais, fruto de uma compreensão verdadeiramente
dialética da formação social brasileira, ficam mais evidentes quando
acompanhamos hoje o modo como, pouco a pouco, os mais sérios dos
estudos sobre a questão agrária foram desvendando, nas distintas formas de
exploração realmente existentes (parceria, cambão, etc), a articulação
concreta que a história preparou entre a desagregação da produção do
período colonial baseada no trabalho escravo e a consolidação de relações de
assalariamento tipicamente capitalistas na região. O que ficou demonstrado
de maneira cada vez mais categórica foi que o grande capital monopolista se
mostrou perfeitamente capaz de adaptar-se aos diversos regimes de trabalho
existentes no campo brasileiro, e mais, que a exploração capitalista se
beneficia de todos eles e os aplica de maneira combinada, sempre de maneira
a maximizar a exploração da força de trabalho e a obtenção de lucros a partir
do monopólio da terra. Longe, portanto, da idéia de um capitalismo que se
desenvolve “chocando-se” com uma estrutura “feudal” pré-existente, a qual
ele estivesse destinado a eliminar [7].

Essas concepções, presentes em diversos documentos da LCI, e as quais
caberia é claro desenvolver nos mais variados sentidos, aparecem na obra de
Caio Prado Jr, e várias das melhores partes dos seus trabalhos estão dedicadas
a expandir e concretizar certas definições que estão apenas em germe
naqueles documentos.

Bem entendida, a posição defendida pelo intelectual Caio Prado Jr., não
representava na época a que se refere este artigo (anos 1950 e 1960), um
setor político relevante nos embates dentro do PCB; porém ela adquire
grande importância atualmente, uma vez que suas posições serviram como
referência nas décadas seguintes para uma grande parcela do contingente de
militantes e de intelectuais que procuraram uma referência alternativa para
diferenciar-se das posições históricas de um PCB já então em franca
decadência. E de fato, de todas as dissidências do stalinismo brasileiro,
nenhuma alcançou a influência assumida por Caio Prado.

As teses do historiador paulista conseguiram servir a este propósito,
pois procuraram estabelecer uma crítica radical e pela esquerda às
concepções históricas do PCB, caracterizadas por ele como “dogmáticas”
e “vazias” , que conduziu a uma “prática oportunista” . Caio Prado aparece
como um crítico radical do PCB, contestando com agressividade várias
das teses consagradas sobre a burguesia nacional. Através de uma análise
rigorosa do processo de formação estrutural da burguesia, o historiador
desenvolverá a tese da inexistência do passado feudal, da origem agrária da
burguesia, de seu atrelamento estrutural com o imperialismo, do grande
papel dos vestígios do período escravista e inclusive da sua relação com a
superexploração capitalista (através dos mecanismos de rebaixamento
salarial, etc).

Porém, criticando a visão tradicional veiculada pelo PCB que não passava
da contraposição formal e mecânica entre uma burguesia industrial nascente
e uma oligarquia agrária “feudal” , Caio Prado não quis chegar às conclusões
programáticas que advinham de sua análise, para o qual seria necessário ser
conseqüente com a dialética entre a desigualdade do desenvolvimento histórico e a combinação de seus diferentes estágios em países como o Brasil,
e com a inserção dessa dialética na luta de classes internacional.

Assim sendo, jamais alcançou a conclusão fundamental sobre a
necessidade da revolução proletária, e como pressuposto básico da sua
estratégia a necessidade, em todas as etapas da luta de classes, de uma política
proletária independente; e no entanto essa conclusão deriva de sua própria
análise, quando Caio Prado traz ao primeiro plano o enorme peso da
herança do passado colonial em todos os aspectos da sociedade brasileira, e
os meios pelos quais esse mesmo peso se perpetuou, diversificando suas
formas aparentes, através dos distintos períodos de modernização da
economia do país até hoje.

Ao contrário, toda a crítica caiopradiana às “concepções a priori” sobre
a burguesia e sobre a revolução brasileira desemboca numa visão que é, em
primeira e última instância, reformista. O maior exemplo disso é a própria
Revista Brasiliense, grande projeto editorial de Caio Prado, fundada em
agosto de 1955, a qual se organizou precisamente a partir de um grupo de
intelectuais impactados por sua tese “Diretrizes para uma Política
Económica Brasileira” . Ao longo dos números da revista, que será editada até
1964, vai se delineando todo um projeto nacional-desenvolvimentista, com
grande ênfase na tarefa histórica de formação de técnicos e pesquisadores,
impulso à indústria, superação das desigualdades regionais do país, etc.Mais
tarde, no livro “A Revolução Brasileira” , escrito em 1966, Caio Prado
defende a tese de que a revolução que se colocava para o Brasil era apenas
um processo de grandes transformações económicas e sociais, explicitamente
separado da idéia de ruptura com a dominação política burguesa mediante
a tomada do poder pelos trabalhadores.

Paralelamente a isso, sua argumentação conduz a esvaziar o potencial
revolucionário das massas brasileiras e de suas demandas. Sobre a questão
agrária, em particular, ao mesmo tempo em que prega o desenvolvimento do
capitalismo no campo e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores
agrícolas, Caio Prado simplesmente descarta a demanda por reforma agrária
como parte do programa revolucionário no Brasil. Em suas palavras,

A reivindicação pela terra se liga entre nós, quando ocorre, a circunstâncias muito
particulares e específicas de lugar e momento. E tem sua solução, por isso, em
reformas ou transformações também de natureza muito particular e específica. Não
se pode legitimamente generalizá-la para o conjunto da economia agrária brasileira,
como expressão de contradição essencial e básica. [8]

Sobre a parte “nacional” do programa pecebista, Caio Prado Jr. irá
defender a concepção de que, ao invés de uma “revolução antiimperialista”
defendida pelo PCB e que a burguesia nunca iria apoiar pelos motivos
expostos, o que se tratava era de lutar por uma “política nacionalista” , que os
trabalhadores deveriam defender e a qual seria apoiada “espontaneamente”
pelos eventuais setores da burguesia que estivessem dispostos a fazê-lo, sem
necessidade de uma política de alianças específica e “pré-estabelecida” . Ao
mesmo tempo, tal política nacionalista deveria ser entendida como “condição
precípua” para conquistar um “real desenvolvimento económico” . Nesse
sentido estaria, por exemplo, o apoio veemente prestado por ele à Lei de
Remessas de Lucros proposta por Goulart, e cuja aprovação pelo Senado em
1962 foi festejada como um passo para a “verdadeira independência
económica” do Brasil.

Finalmente, para tentar resgatar o “sentido progressista” do
desenvolvimento capitalista do Brasil, Caio Prado faz uma diferenciação
entre o processo de proletarização do europeu, que teria se dado como
queda, e o do brasileiro, que se daria como ascensão. Suas palavras sobre a
“integração da massa trabalhadora” no “conjunto” da sociedade brasileira
são reveladoras:

Enquanto a supressão do tráfico [negreiro] punha termo ao mais grave fator de
perturbação do processo de integração social da nacionalidade brasileira (...) o afluxo
de trabalhadores europeus e a abolição da escravidão significariam na sua expressão
mais ampla e profunda o início da integração da massa trabalhadora no conjunto da
sociedade brasileira, na qual não passara anteriormente de setor marginal e sem outra
função e expressão que satisfazer as necessidades de energia física aplicada ao trabalho
e à produção (...) Superava-se assim, definitivamente, a natureza e estrutura colonial
da sociedade brasileira, abrindo caminho para a sua completa integração nacional. [9]

Frente à realidade de um capitalismo que se mostrou, justamente ao
contrário, estruturalmente incapaz de “integrar” o conjunto da força de
trabalho disponível à atividade económica, Caio Prado apresenta, no
mínimo, uma visão excessivamente otimista do caráter do desenvolvimento
burguês no Brasil, delineando as concepções nacional-desenvolvimentistas
que farão dele um dos principais ideólogos do que viria a ser futuramente o
petismo com sua pretensa “superação” do stalinismo.

Como tentamos demonstrar ao longo deste artigo, a “dissidência
stalinista caiopradiana” vai terminar cumprindo um papel funcional ao
domínio burguês na medida em que sua sofisticação no plano teórico servirá
como uma “cobertura de esquerda” para a mesma prática política concreta de conciliação de classes do velho stalinismo e como obstáculo para a política
de independência de classe e a estratégia da revolução proletária. Não é por
acaso que, em 1966, ano em que escreveu “A Revolução Brasileira” , o crítico
Caio Prado, em coro com o PCB, se mostra extremamente pessimista em
relação à capacidade das massas brasileiras de protagonizar uma revolução
social para derrubar a burguesia do poder, e trata de diminuir e esconder
todo o processo revolucionário que culminou no golpe de 64. Trata-se do
seguinte mecanismo: como a burguesia e os militares “nacionalistas e
democráticos” janguistas e brisolistas terminaram passando de malas e
bagagens para o golpismo pró-imperialista ou acovardaram-se frente ao “fato
consumado” , era quase uma necessidade justificar este movimento (para o
qual foi extremamente útil a tese da relação orgânica da burguesia com o
latifúndio e o imperialismo), mas ao mesmo tempo era necessário concluir
que o pré-64 não deu origem a uma revolução por uma espécie de
“debilidade estrutural das massas” e não pela traição do PCB, pois do
contrário só haveria uma conclusão possível: a necessidade de lutar pela
construção de um partido revolucionário sobre as botas do stalinismo, para
dirigir a revolução proletária. É neste marco que no pós-64, tanto nos meios
acadêmicos como nos meios políticos, surge uma profusão de trabalhos
teóricos que tiram da marginalidade as teses originalmente elaboradas pelos
trotskistas dos anos 30 (obviamente que sem nunca mencioná-los), inclusive
enriquecendo-as e munindo-as de maiores evidências empíricas, mas
entretanto, aprofundando ainda mais o movimento já iniciado por Caio
Prado, ou seja, desprovendo-as de todo o conteúdo revolucionário.

[1Citado em Antonio Rago Filho, A Ideologia 1964, p. 72.

[2Nos países centrais, como a exemplo da França, Itália e Grécia, os PCs vão chamar os operários a
entregarem as armas com as quais resistiram ao fascismo de volta para a burguesia, aceitar taxas
exorbitantes de exploração para reconstruir o capitalismo e posteriormente vão defender reformas
nos marcos do “Estado de bem-estar” .

[3É neste marco que se insere a célebre frase de Fidel Castro: “Não façam da Nicarágua uma nova
Cuba” , num momento em que a Nicarágua vivia um agudo processo revolucionário.

[4Ver “Marxismo próprio” , por Lincon Secco, professor de história da USP, publicado na Folha de São
Paulo, 4 de fevereiro de 2007.

[5Na Contracorrente da História - Documentos da Liga Comunista Internacionalista 1930 ’ 1933,
organizado por Fúlvio Abramo e Dainis Karepovs. Trecho do “Projeto de teses sobre a situação
nacional” , Editora Brasiliense, 1987

[6Ibidem. Trecho do Esboço de uma análise da situação económica e social do Brasil, de M. Camboa
(pseudónimo de Mario Pedrosa) e L. Lyon (pseudónimo de Lívio Barreto Xavier), Publicado em La
Lulle de Classes, número 28/29, fevereiro-março de 1931.

[7A análise científica da situação no campo brasileiro, seja no interior nordestino, seja nos estados do
Centro-Sul, mostra essa combinação de diversos modos de organização do trabalho e diversos meios de pagamento. Assim, não apenas numa mesma família, mas às vezes no caso de um único indivíduo
isolado, o trabalho no campo era freqüentemente dividido entre culturas de grãos, mandioca etc (para
consumo próprio e venda por baixos preços através de mecanismos primitivos como o “mangaio” ) e
outras culturas ligadas à produção industrial, sobretudo o algodão e a cana. Ao mesmo tempo, era
muito comum que algum membro da família se assalariasse, ou ao menos em trabalhos temporários
requisitados pela indústria agrícola em expansão, enquanto o restante da mesma família permanecia
ligado ao regime de trabalho anterior. Em geral, nesses casos, a entrada proveniente do salário servia
ao pagamento do aluguel das terras e outras despesas de monta, enquanto o cultivo rudimentar
garantia a sobrevivência diária. Do ponto de vista das grandes e médias fazendas, o mesmo raciocínio
se aplica: um número significativo delas possuía, em grau ainda maior do que hoje, ao mesmo tempo
diversos tipos de trabalhadores, desde arrendatários a parceiros, diaristas permanentes, diaristas
eventuais e várias outras combinações.

[8Caio Prado Jr., A Revolução brasileira, São Paulo, Editora Brasiliense, 1966.

[9Ibidem.









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