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Cultura

Há 100 anos do nascimento de Patativa do Assaré

11 Nov 2009   |   comentários

Patativa, António Gonçalves da Silva, é um cearense nascido na pequena cidade de Assaré. Era lavrador pobre de uma das regiões mais inóspitas do Brasil: o sertão nordestino, e estaria completando cem anos em 2009. O que o distinguiu dos milhares de lavradores da região, é que Antonio, após ser alfabetizado em apenas alguns meses, se transformou em uma das vozes mais significantes das arguras e também da cultura do nordeste. O interessante é que grande parte de suas poesias, que abordam o tema da seca, da falta de terra, do coronelismo e do abismo social foram escritas há mais de 40 anos, mas quando as ouvimos ou lemos parecem ter sido escritas ontem: muitas parecem respostas à atual burguesia que, assim como os coronéis dos poemas de Patativa, perseguem os camponeses sem terra.

João Cabral, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos são capazes de nos fazer compreender o sertão melhor do que mil dados que possam nos apresentar. E Patativa pode ser incluído neste critério, senão com mais força, com a mesma significância. Alguns irão provavelmente torcer o nariz com tal afirmação, pensando: colocar a poesia matuta ao lado de “Grande Sertão: veredas” é absurdo, afinal, as conquistas formais que existem em Guimarães são indiscutíveis. E são mesmo! Porém, se Guimarães deve muito a Joyce em sua narrativa, deve também muito à culltura do homem sertanejo e à literatura de cordel, às quais Patativa ligou-se profundamente .

Ator e autor da seca, Patativa, apesar de ter estudado apenas 6 meses em escola, teve contato com os poetas clássicos e considerava Castro Alves seu mestre. A questão é que Patativa, mesmo tendo conhecido a “alta” literatura, permaneceu profundamente popular, no sentido mais literal do termo, não apenas pelo conteúdode sua obra, que Guimarãoes e João Cabral também abordam, mas também esteticamente. Basta ver que em sua poesia a oralidade permanece quase absoluta, e isso é uma opção consciente, pois o poeta dominava também as técnicas da “alta” literatura. A oralidade se dá, obviamente, pela sua formação original de cordel, onde o matuto sertanejo, muitas vezes analfabeto, compunha suas poesias sem saber ler e escrever, e a única forma de transmití-la era declamando, muitos com a mesma memória prodigiosa de Patativa, que era capaz de declamar seus poemas mais antigos de cabeça.

A opção estética de Patativa por manter oralidade da poesia, inclusive a forma de falar do trabalhador do campo no nordeste, se faz um grande acerto. Podemos ver que ele perde sua força nas poesias onde se aproxima formalmente do estilo clássico. Optar pelo léxico do sertanejo é um artifício estético que aproxima quem lê ou quem ouve à poesia, ao universo nordestino contado não apenas por um autor da vida seca, mas também pelo ator da seca. Nesse sentido Patativa está mais próximo de Guimarões Rosa do que a visão pedante suponhe. Uma das genialidades que reside em suas obras, em especial “Grande Sertão: veredas” , é a forma como Guimarães usa na construção de seu léxico o vocabulário do sertão, fundindo-o com elementos da prosa de vanguarda. Guimarães sabia que Riobaldo não poderia ter fala erudita: se assim o fizesse, mesmo abordando todos os problemas que aborda em seus romances, distanciaria o leitor do Grande Sertão. O que ocorre é justamente o contrário quando entramos em contato com a poesia de Patativa: somos capazes de sentir em cada palavra de suas poesias o drama sertanejo.

E é justamente se valendo do léxico particular da oralidade sertaneja que transforma sua obra supostamente regional em universal, e dialeticamente só consegue ser universal pois se vale de todos os elementos regionais, sendo capaz de convencer qualquer um que o lê, e ainda mais aquele que o ouve declamar, de que aquele sofrimento é verdadeiro, e o convida a compartilhar a revolta por esse sofrimento que não é natural e pelo qual existem culpados.

Patativa do Assaré sem dúvida ainda vive em cada agricultor que ele ajudou a traduzir para todo o Brasil; vive nos camponses que hoje estão sendo perseguidos pelo governo Lula, que ousa inclusive falar sobre Patativa do Assaré e reinvindica-lo, ao passo que persegue aqueles a quem Patativa dedicou a vida a defender em suas poesias. Para estes dizemos: tirem as mãos de Patativa, seu legado artistico não vos pertence. Pertence sim a todos aqueles que hoje lutam pela terra, que ainda sofrem pela falta de água em pleno século XXI! É deles o legado de Patativa, eles são Patativa do Assaré!

À burguesia e seus jagunços assassinos, que fique o recado desta poesia de Patativa do Assaré:
“...E se o poderoso ingrato, Impedoso e incriemente, manda força para o mato prumode atira na gente, miguem vai temer a guerra. Vamo é defende a terra, quem precisa é quem se estira .E fome nao é brinquedo , Vai corre gente com medo Como rato em acanbira. Sem terra medo nao tenho, Pobre corage possui . Quando a força matá cem Vem mil e substitui, sei que ser triste a cena . É mesmo de fazê pena Morre cem de quando em quando. E mil fica resistindo , e morto pro céu subindo E os vivo embaixo lutando, E pur causa de nós sofrê, Iguá a boi manjarrá Samo obrigado a fazê Reforma agrara na marra, pra neto pra fio e pra pai a Reforma agora sai que achem bom e que achem ruim, seja na guerra e na paz, seu Dotó a gente faz Reforma agrarara assim.” (Patativa do Assaré, Reforma agrara é assim) mantida agrafia original

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