Sexta 3 de Maio de 2024

Cultura

Entrevista com o cineasta mexicano Paul Leduc

08 Aug 2007 | Ocorreu em São Paulo, na semana do dia 24 ao 29 de julho o 2o. Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo. Em sua segunda edição o estival contou uma estrutura de mostras, dentre elas uma mostra de filmes de Paul Leduc, cineasta mexicano, que iniciou sua produção desde o cinema independente na década de 70 no país. O Jornal Palavra Operária realizou, durante o festival, uma entrevista com o cineasta sobre alguns de seus filmes e a produção cinematográfica na América Latina.   |   comentários

Palavra Operária: Como você vê a produção cinematográfica no México durante a década de 70 até a atualidade? E como se inserem suas produções em tal contexto?

Paul Leduc: O cinema mexicano começa quase junto com o próprio cinema. Quando Lumière inventou o cinema uma de suas primeiras câmeras foi parar no México, e uma de suas equipes esteve aí para filmar o ditador Porfirio de Díaz. Alguns anos depois uma das câmeras ficou no México, com uma personagem chamada Salvador Toscazo que depois filma a Revolução Mexicana. Logo, como nos outros países da América Latina, o cinema cresceu lentamente até o período da II Guerra Mundial. Nos anos 40, a produção dos EUA e da Europa baixou, e assim o cinema mexicano cresceu muito. Especialmente pela questão do idioma na América Latina, começa a ter um mercado aberto. Chegou-se a produzir 160 filmes por ano. Nos anos 70, retomando sua pergunta, surge uma nova geração, que não se definiu pela idade, havia jovens e pessoas mais velhas que ainda não tinham conseguido fazer seus filmes como os jovens. Toda a minha geração encontrou dificuldades materiais para fazer cinema, tendo que inventar outras. Isso criou o cinema independente no México, que tinha vários problemas: económico, de não ter acesso aos grandes capitais, de distribuição dos filmes, o que é bastante característico da América Latina. E tiveram pessoas como o mexicano Jorge Sanchez que fazia distribuição em sindicatos, universidades, centros de cultura etc., que permitiu chegar ao público.

Eu me inseri nesse cinema independente mexicano, que teve muito do cinema novo brasileiro, da Revolução Cubana e da Fundación del Nuevo Cine Latinoamericano. Na América Latina tinha um movimento de diferentes cineastas e com diferentes características, mas aos poucos nós cometamos a nos reunir tendo como sede o Festival de Cine de La Habana e a partir dessas reuniões se criou um Comitê de Cineastas Latino- Americanos, e em seguida veio a Fundación del Nuevo Cine Latinoamericano, fundada por Gabriel García Márquez e a Escuela de Cine de San Antonio de Los Valles. No início nos reuníamos em Havana, mas logo, aproveitando outros festivais, nos encontrávamos e discutíamos tanto projetos de filmes como idéias que surgiam no Panamá, Venezuela, Colómbia, Haiti. Então se criou um movimento de cineastas latino-americanos, que ia do cinema cubano ao brasileiro.

PO: Como surgiu a idéia para o filme “Reed ’ México Insurgente” [1] e porque você escolheu fazer um filme sobre a Revolução Mexicana?

PL: Surgiu simplesmente porque li o livro, que é muito bom, e muito cinematográfico. A idéia não era que fosse o meu primeiro filme porque necessitava de muitas coisas, mas surgiu a possibilidade de fazer essa produção, de conseguir um trem, cavalos, etc. Para mim e toda a equipe era o primeiro filme e nos demos conta que era complicado fazer um filme pequeno. O filme é sobre a Revolução Mexicana porque era um tema muito presente, falava-se muito da revolução. Porque havia um cinema mexicano sobre a Revolução Mexicana, mas um cinema que mitificava a revolução e em muitos sentidos. Porque nesses anos o partido governante era o Partido Revolucionário Institucional (PRI, partido de direita), que surgiu na revolução. E era também um projeto pós-1968, apesar de não falar diretamente de 68, tocava de alguma maneira do que tinha sido em parte a idéia do movimento, que era um movimento estudantil, mas que se ligou a bases de outros tipos, o que não ocorreu no México. O livro de Reed fala disso, da relação de um jornalista estrangeiro frente a um movimento social da magnitude da revolução no México.

PO: Como você vê o cinema latino-americano atual, especialmente o cinema mais político?

PL: Acredito que quando surgiu o movimento nos acusavam de fazer um cinema muito político. Era um cinema que falava diretamente de temas políticos; logo começou a surgir um cinema dos novos jovens, que faziam um cinema que não deixava de ser politizado, mas não fazia diretamente um discurso político. Hoje o cinema se despolitizou um pouco. Não acho que isso seja necessariamente ruim, de qualquer maneira está refletindo a sociedade. Creio que a maioria dos cineastas latino-americanos, não todos, mas a maioria tem uma consciência social, que deixou de ser política.

PO: Como surgiu a idéia de fazer um filme sobre a Frida Kahlo [2] , e como você localiza esse filme do conjunto da sua obra?

PL: Quando fizemos esse filme toda a equipe tinha muita liberdade e pensamos em fazer o que nos desse vontade pois esse filme não ia ter grande repercussão, porque Frida não era conhecida na época. Era um pouco diferente em relação a como se faziam as biografias na época, e contraditoriamente esse foi um dos filmes mais visto, provavelmente. Em parte porque Frida se tornou nos últimos anos uma figura de uma importância parecida com a da Coca-cola, coisa que certamente ela não teria gostado, porque se inventou um personagem para sua vida, e Frida agora está estampada nas camisetas”¦ O caso de Frida não é especial. Lembro-me que uma das primeiras exibições do filme no mundo foi no Festival de Berlim, e que após o filme havia uma discussão com o público, com algumas feministas berlinenses que me perguntaram por que o filme não mostrava o lado proletário da Frida, todo o seu sofrimento como artista. E ela não foi proletária, do ponto de vista económico, e isso não lhe tira o mérito. Mas tinham inventado uma imagem dela que não tem a ver com a realidade. Frida é uma personagem muito complexa e por isso a escolhi, me interessou, por que sintetiza muitas outras mulheres de sua época, mulheres avançadas para seu tempo, ligadas à cultura. Em sua casa Frida ela contou sua vida através de seus quadros. Na sua casa existia toda uma cenografia, que contava partes da sua vida, e acho a história da Frida visualmente muito rica, presa por sua doença, em casa, nas suas ambições interrompidas por tudo isso e como buscava e chegava à liberdade.

[1Reed, México Insurgente é o primeiro filme do cineasta, baseado no livro do jornalista John Reed, sobre a Revolução Mexicana.

[2O filme “Frida, Natureza Viva” .

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