Quinta 2 de Maio de 2024

Parte II Chaves programáticas

América do Sul: a região mais avançada da luta de classes internacional

28 Jun 2005   |   comentários

Apesar das trocas governamentais “progressistas” em vários países com as quais a burguesia conseguiu conter as tendências irrupção aberta do movimento de massas, a América do Sul segue sendo a região mais avançada do ponto de vista da luta de classes a nível internacional, com epicentro na Bolívia, onde continua aberto um processo revolucionário que já derrubou dois governos, o de Sánchez de Lozada em 2003 e o de Mesa em junho de 2005.

Ainda que mais atrasada, a crescente atividade das massas e as crises políticas na América Central - mobilizações antigovernistas na Nicarágua e no Panamá, por um lado, e a intervenção imperialista no Haiti, por outro -, mostram que a instabilidade estrutural se estende em praticamente toda a América Latina.

A situação é desigual na América do Sul. Nos países do Mercosul, no marco de uma importante recuperação económica e do efeito político das trocas governamentais, mantém-se uma maior “contenção” do processo da luta de classes, ainda que tenha aumentado consideravelmente a luta reivindicativa de setores importantes da classe operária. Isto não significa estabilização em longo prazo, nem a resolução das crises orgânicas da dominação burguesa (cujos mecanismos e instituições estão desgastados depois de décadas de aplicação de planos “neoliberais” no marco de democracias burguesas semicoloniais) nem a interrupção de processos de recomposição do movimento operário e de massas com expressão nos realinhamentos de setores de vanguarda, como é o caso de Brasil e Argentina.

Nos países andinos seguem primando a desestabilização e uma tendência maior à ação direta e à intervenção do movimento de massas, como mostram claramente os processos da Bolívia e do Equador.

Do ponto de vista económico, depois de vários anos de recessão e colapsos como o da "conversibilidade" na Argentina, a recuperação económica (em média de 5% para o conjunto da região) melhora os negócios para o conjunto da burguesia e alivia conjunturalmente o desemprego, mas não significa uma "redistribuição" da renda, como prometiam os progressistas, nem um apaziguamento da opressão imperialista e muito menos a diminuição da enorme polarização social e do brutal grau de exploração operária.

Por sua vez, subsistem fricções frente à pressão do imperialismo sobre a região que historicamente considera como "seu quintal". Os EUA estão embarcado numa ofensiva para recompor sua hegemonia a nível mundial, com traços cada vez mais saqueadores, intervencionistas e belicistas, como mostra o Iraque, que inclui como um de seus pontos de apoio importantes o disciplinamento e o avanço na recolonização da América Latina. No entanto, não está conseguindo reverter o quadro de erosão de sua hegemonia política e económica na América do Sul. Os EUA devem renunciar de fato a seu projeto original da ALCA e a algumas de suas tentativas mais ambiciosas, como o status de "imunidade" para suas tropas (salvo no Paraguai); não consegue isolar a Venezuela e perdeu agentes incondicionais com a queda de governos na Bolívia ou no Equador.

Isto, apesar de que a concorrência interimperialista sobre o solo latino-americano se amorteceu relativamente, pela reconcentração dos esforços da Europa em construir a UE e em expandir-se para Europa Oriental, enquanto na América Latina acordam com os ianques a defesa das transnacionais, o que diminui seu espaço como "alternativa amistosa" frente a Washington (sem desprezar as oportunidades, como mostram o acordo de Zapatero com Chávez e outros gestos) e com isso, circunscreve na conjuntura as margens de manobra das burguesias nativas para jogar com as contradições interimperialistas.

O disciplinamento automático com os planos ianques que primou nos anos 1990 sob o "Consenso de Washington" é coisa do passado. Enquanto o domínio ianque se sente mais pesadamente sobre o México e a América Central, suas posições ao sul do Canal do Panamá se debilitaram. Estes realinhamentos polarizam a ordem regional de Estados entre uma ala mais pró-ianqui, integrada por Chile, Colómbia e alguns outros países, e uma ala com um discurso demagogicamente “sulamericanista” em torno do Brasil, que se posiciona, muito timidamente, para pechinchar melhores condições em sua subordinação ao imperialismo, ainda que sem formar sequer um bloco unido e com diferentes políticas nacionais (de fato se dão constantes atritos entre diversos Estados da região).

Em diversos países e ainda que com diferentes ritmos e intensidades, amadureceram “crises nacionais gerais” nas quais se combinam a debilidade estrutural dos capitalismos semicoloniais, as crises político-estatais (expressão das crises orgânicas da dominação burguesa) e altos níveis de luta de classes que viraram contra a classe dominante as relações de forças mais gerais. Isto é particularmente notável na sub-região andina, que segue sendo na presente conjuntura a área de maior instabilidade política e de extrema tensão de todos os antagonismos sociais.

Na Bolívia, que combina de maneira explosiva o caráter de rapina da espoliação imperialista, a profundidade da crise “nacional geral” do capitalismo mais débil e paupérrimo da América do Sul, a decomposição político-estatal burguesa e o auge de um movimento de massas com grande tradição combativa e radical nos métodos e reivindicações, viveram-se novas jornadas de mobilização de massas que puseram fim ao governo de Mesa e frearam a tentativa mais aberta da oligarquia de Santa Cruz de controlar o poder, tendendo a reabrir o caminho do levante de Outubro.

No final de abril, no Equador, caiu sob o embate de um novo levante o governo de Gutiérrez, o ex líder do levante de 21 de janeiro do 2000, que chegou ao governo como o que “acabaria com a corrupção e recuperaria a soberania nacional” , para, em seguida, alinhar-se com o imperialismo e a reação interna. Gutiérrez, incapaz de impor o giro bonapartista com que trata de saltar por cima da rede de contradições em que terminou imerso, sem poder acalmar a direita empresarial e tendo perdido o apoio da esquerda e do indigenismo com o qual tinha chegado ao poder. Sua queda ilustra os limites do "progressismo" latino-americano, num país onde a debilidade do capitalismo local e a extrema crise política e social circunscrevem mais as margens de manobra deste tipo de governos de contenção.

No Peru, o agonizante Toledo (que subiu depois da queda de Fujimori como representante do "governo de todos os sangues", fiador da transição "à democracia") sobrevive no meio de um enorme descrédito, cotidianos escândalos de corrupção, a decomposição de seu próprio partido e uma inesgotável efervescência de massas, apostando em chegar às eleições graças ao papel de contenção e desvio eleitoral que cumprem o APRA e outras forças do regime, e sobretudo ao freio imposto pela CGTP e as diferentes variantes burocráticas, "apristas", stalinistas e maoístas.

Continua, enfim, o ciclo ascendente da luta de classes a nível regional. O surgimento de um novo movimento de massas com tendências à ação direta, à luta nas ruas, aos piquetes, aos bloqueios, às greves, os contínuos levantamentos dos explorados que tiraram governos eleitos pelo sufrágio universal, transformaram-se numa constante desde o início do século XXI. Os pontos mais altos destes estiveram nas ações independentes do movimento de massas em países como Argentina, que em 2001 terminou com o governo de De la Rúa, na derrota da tentativa golpista e do boicote petroleiro contra o governo de Chávez na Venezuela, e sobretudo no ensaio revolucionário de outubro de 2003 na Bolívia que derrubou o governo de Sánchez de Lozada, que propós as tendências à insurreição e à tomada do poder por parte dos explorados ainda que estes tenham podido levá-las até o fim por problemas de direção. A profundidade da crise boliviana levou a um novo ato deste processo revolucionário em junho de 2005, quando depois de duas semanas de intensa atividade do movimento de massas, caiu o governo de Mesa.

A instabilidade política e o “clima de revolta” que percorrem o continente, com explosões de massas como as assinaladas e inumeráveis lutas operárias, camponesas e populares, são alimentadas pelos reiterados desastres económicos, conseqüência de duas décadas de aplicação de programas “neoliberais” de penetração do capital estrangeiro e agravamento do domínio imperialista, que têm exacerbado ao extremo as contradições do capitalismo semicolonial latino-americano, os antagonismos sociais e as crises políticas que corroem em diversos graus os regimes e governos burgueses. Ainda que nos dois últimos anos, a região tenha experimentado uma importante recuperação económica impulsionada pelas matérias primas ao calor da recuperação da economia mundial, as tendências à instabilidade seguem se manifestando, como mostra o novo embate das massas bolivianas que derrubou o governo de Mesa.

Este novo ciclo da luta de classes na América do Sul tem uma característica mais urbana, com protagonismo marcante dos pobres urbanos e incipiente entrada do proletariado, como mostraram os mineiros de Huanuni no Outubro boliviano, as experiências avançadas de controle operário e a luta salarial na Argentina e os fenómenos de reagrupamento da vanguarda operária no Brasil. Isto o distingue dos processos da década passada onde os atores dominantes eram os camponeses e os povos indígenas, como foi o caso do levantamento zapatista de 1994, do MST no Brasil, dos camponeses no Paraguai e seu ponto mais alto nas mobilizações que no Equador derrubaram os governos de Bucaram (1997) e Mahuad (2000). Obviamente, isto não nega que estes aliados estratégicos do proletariado sigam tendo um papel muito importante, como o demonstram nos países andinos, em particular na Bolívia, a participação dos camponeses e indígenas do Planalto e dos cocaleiros do Chapare. No entanto, como se pode ver na Argentina e no Brasil, a recomposição do movimento de massas se expressa mais pela via de uma lenta mas sustentada recuperação do movimento operário industrial e dos serviços, concentrados nas grandes cidades.

O fenómeno dos governos “progressistas” procura responder a esta situação para recompor um equilíbrio burguês. Frente à crise e ao descontentamento generalizados do movimento de massas criados pelo salto na espoliação imperialista que sofreu a região, as burguesias locais se viram obrigadas a recorrer a uma renovação em parte importante de seu pessoal político deixando para trás seus desgastados governos neoliberais e encaminhando-se a governos de caráter mais reformista com o objetivo de conter as tendências à radicalização nos lugares onde houve explosões de massas ou evitar que estas ocorram em lugares onde os processos estão mais atrasados Os governos de Lula, Kirchner ou Tabaré expressam diferentes projetos de conciliação de classes para conter o desenvolvimento das crises nacionais e dos processos de massas, o que inclui negociar uma readequação das relações entre as diferentes frações das classes dominantes e “adequar” com retoques mínimos as relações com o capital estrangeiro e o imperialismo.

Na Bolívia, depois de outubro, assumiu Carlos Mesa, que se vangloriava de ser “independente” dos partidos, um governo que se caracterizou por sua extrema debilidade e que não resistiu as enormes contradições com as quais teve que se enfrentar. Ainda que com um caráter mais preventivo, a renovação do pessoal político foi mais evidente no Brasil, onde pela primeira vez um ex-dirigente operário ocupa a presidência da república, ainda que como representante de uma frente de colaboração de classes, ou no caso de Uruguai, onde o governo de Tabaré Vázquez e da Frente Ampla assume pela primeira vez depois de décadas de alternância do velho bipartidarismo. Na Argentina o governo de Kirchner aparece com um discurso mais progressista, embora se sustente no aparelho tradicional do Partido Justicialista (PJ) e se veja favorecido pela recuperação económica.

Por enquanto estes governos tiveram sucesso em suas políticas de contenção da luta dos explorados. No entanto, sua estabilidade pode ser passageira, já que não solucionaram nenhum dos problemas estruturais que afetam os países da região e que levaram a grandes explosões económicas e sociais como foi o caso da Argentina e posteriormente da economia uruguaia. Nenhum solucionou o terrível ónus que significa o pagamento da dívida externa, nem os governos de Lula e Tabaré que continuam seguindo de forma ortodoxa os planos do FMI, nem o governo de Kirchner que se vangloria de ter solucionado de forma progressista o endividamento externo, quando, depois da saída do default, a dívida externa argentina significa a hipoteca de várias gerações de argentinos. Apesar de dizer-se porta-voz de uma pretensamente renovada burguesia nacional, nenhum alterou a estrutura económica regressiva e semicolonial destes países onde é predominante a penetração do capital estrangeiro em seu terreno industrial e de serviços. Também não amenizaram as enormes desigualdades sociais que se manifestam na crescente brecha de rendimentos entre os setores mais ricos e os setores mais pobres, ou a crescente concentração da terra em mãos de uns poucos latifundiários e o crescente empobrecimento dos camponeses. E agora o governo Lula se vê sacudido por escândalos de corrupção ao melhor estilo neoliberal. Inclusive na Venezuela, o governo de Hugo Chávez, que se encontra à esquerda dos governos anteriores (apoiando-se na liquidação do velho sistema de partidos e com características mais populistas como árbitro entre a crescente mobilização das massas e as forças da reação e do imperialismo), segue pagando pontualmente a dívida externa e, salvo mínimas concessões, não resolveu o urgente problema da terra e da miséria dos pobres urbanos.

Por outro lado, no México, a recente crise política com a tentativa de impedir a candidatura de López Obrador (candidato centro-esquerdista PRD para as próximas eleições presidenciais) voltou a pór no centro de mesa a verdadeira natureza das políticas de transição “à democracia” alentadas pelo imperialismo durante as décadas passadas. No México, com a passagem do velho "priato", depois de 70 anos, mediante uma “transição pactuada” a um regime mais “pluripartidarista” , acompanhado pela subordinação cada vez mais aguda da economia nacional ao imperialismo, através do TLC-NAFTA, sobrevivem todos os males estruturais do atraso, da miséria, da exploração e da opressão sanguinárias sobre os trabalhadores, os camponeses, os povos originários; e esta “democracia” não foi outra coisa senão um golpe às mais elementares e legítimas aspirações democráticas do povo trabalhador.

Todos estes elementos reafirmam que não há solução aos males estruturais do capitalismo semicolonial, nem sequer conquistas importantes para as massas - seja no terreno económico-social ou das liberdades democráticas, seja no terreno da independência nacional - através dos projetos reformistas, nacionalistas e progressistas, conciliando com a classe dominante e adaptando-se às estreitas margens das democracias “para ricos” semicoloniais, como propõem os Lula, os Tabaré Vázquez, Kirchner, Chávez ou Evo Morales. Só através da mais ampla, radical e generalizada mobilização de massas, com a classe operária dirigindo a aliança das massas oprimidas e exploradas e tomando em suas próprias mãos a solução de seus problemas, é que se pode resolver as demandas mais vitais e sentidas dos trabalhadores, dos camponeses e do povo pobre.

Isto reafirma a importância nos países da América Latina de demandas como o não pagamento da dívida externa; a renacionalização, sob controle dos trabalhadores, das empresas privatizadas; a luta pela escala móvel de horas de trabalho frente ao flagelo do desemprego e a escala móvel de salários frente à inflação dos produtos que compõem a cesta básica familiar; a expropriação dos grandes latifúndios e a partilha da terra entre os camponeses, medidas essenciais que a esquerda em seu giro à centro esquerda, isto é, em seu salto na integração ao regime burguês, abandonou e que hoje em dia são parte insubstituível de todo programa que queira enfrentar de forma conseqüente a dominação imperialista, à qual estão atadas por mil laços as débeis burguesias nacionais da região.

Brasil e o engano do reformismo “operário”

O governo de Lula expressa a fraude dos partidos operários reformistas que, canalizando o descontentamento das massas trabalhadoras depois de décadas de ofensiva burguesa e imperialista, posicionam-se como uma alternativa confiável para gerenciar os planos do capitalismo. Sua ascensão é produto da ruptura da velha aliança conservadora que sustentou o governo neoliberal de Fernando. Henrique. Cardoso e dos temores da burguesia brasileira ante o possível contágio das jornadas revolucionárias de 2001 na Argentina. Graças a Lula, a burguesia brasileira evitou o “cenário argentino” e garantiu a continuidade do programa neoliberal. Assim, o maior Partido de Trabalhadores da América Latina, não só conformou um “governo reformista sem reformas” como se transformou no governo da contra-reforma, com ataques brutais às mais importantes conquistas que os trabalhadores brasileiros haviam arrancado da burguesia em décadas de luta. Em seis meses de governo promoveu uma reforma da previdência social que nem sequer o governo de FHC tinha se animado a aplicar, e se preparava para novas reformas no campo trabalhista e sindical quando foi sacudido pelos escândalos de corrupção que levararam à renúncia de um dos dois principais ministros de Lula, José Dirceu.

Em amplos setores do movimento de massas, começa a surgir a desilusão com Lula e seu governo. Suas políticas anti-operárias e anti-populares contra os trabalhadores e o povo pobre, abriram um processo de reorganização e rupturas em importantes setores da vanguarda, tanto no plano político como no sindical, que podem estar preanunciando grandes movimentos no seio das massas. Nas classes médias que depositaram suas esperanças em que Lula terminasse também com o enriquecimento ilícito de altos funcionários estatais, as acusações de corrupção golpeiam profundamente. Um sintoma parcial destas tendências à ruptura no plano político se expressa no surgimento do PSOL, e no movimento sindical em realinhamentos e rupturas dentro da CUT, que se transformou em guardiã dos planos de Lula no movimento operário, das quais uma expressão é a formação da CONLUTAS (agrupamento hegemonizado pelo PSTU). Mas ambos os fenómenos correm o risco de repetir o curso reformista do petismo de adaptação à democracia burguesa e da conciliação de classes e de convivência com a burocracia sindical. Esta não é uma afirmação literária. Em seu segundo encontro nacional, o PSOL se negou a votar uma emenda à sua resolução nacional que propunha que este partido se declarava contrário a qualquer tipo de alianças com partidos da burguesia como o PDT ou o PSB, já de olho nas futuras eleições de 2006. Por sua vez, na CONLUTAS, o PSTU, que é hegemónico, encobre com uma retórica esquerdista sua recusa a travar uma batalha frontal para expulsar a burocracia sindical da CUT e de seus sindicatos e recuperá-los como ferramentas de luta para os interesses dos trabalhadores.

Comparados com os 48 milhões de assalariados, 22 milhões deles organizados na CUT, e com os 53 milhões que votaram em Lula, fica claro que estes fenómenos que se desenvolvem no Brasil ainda são muito pequenos. Frente a isto, é necessário superar as políticas impotentes e mesquinhas lutando para que milhões de trabalhadores avancem em sua experiência com o petismo levantando políticas transicionais de massas para que os processos de ruptura penetrem no conjunto dos explorados.

A demanda para que a CUT e seus sindicatos rompam com o governo constitui uma poderosa arma para varrer à burocracia sindical. É necessário chocar as aspirações dos trabalhadores com a política desta burocracia podre. Exigir que rompa com o governo e que abra um debate sobre a necessidade de um Partido Operário Independente, baseado nos sindicatos e nas organizações operárias em luta ,ajudará indiscutivelmente na experiência das massas com o petismo e será o caminho mais fácil para varrê-lo dos sindicatos.

A vanguarda brasileira começa a se reorganizar. Desde que assumiu o governo, ela vem travando importantes lutas. Sindicatos rompem com o governo e com a CUT. Por isso é necessário lutar por um pólo nacional antiburocrático, antigovernista e anticapitalista que se transforme num ponto de atração dos novos setores que se predispõe a lutar. A CONLUTAS pode e deve se transformar nesse pólo se for capaz de levantar a luta pela independência de classe e para varrer a burocracia sindical. Este pólo deve dirigir-se aos milhões de trabalhadores que estão organizados na CUT e em outras centrais sindicais, impulsionando frações revolucionárias nos sindicatos.

Argentina e a luta pela hegemonia da classe operária

Com o pano de fundo da depressão económica que mais tarde levaria ao default da dívida externa, em dezembro de 2001 produziram-se as jornadas revolucionárias na Argentina que derrubaram o governo de De la Rúa. Este ponto alto da luta de classes foi resultado da combinação da luta massiva da classe média (parte da qual tinha sido virtualmente desapropriada de suas poupanças pelo congelamento de depósitos bancários) contra o estado de sítio e contra os políticos tradicionais expressa na palavra de ordem “que se vayan todos” , da batalha de dezenas de milhares de jovens da vanguarda, conhecida como a Batalha de Praça de Maio, e de um começo de explosão dos pobres urbanos que saquearam grandes comércios e supermercados. Como conseqüência destes acontecimentos, o regime burguês viveu um período de incertezas, de debilitamento da autoridade estatal e uma crise de governabilidade de suas instituições fundamentais expressada em sucessivas trocas governamentais por um curto período de tempo.

Subproduto destes acontecimentos revolucionários, emergiram e se consolidaram novos atores sociais que passariam a fazer parte do novo panorama político aberto depois de 2001: fortaleceu-se o movimento de desempregados, conhecido como “piqueteiro” , que agrupou uma fração dos milhões que ficavam sem trabalho; surgiram as assembléias populares que expressavam as exigências dos setores médios empobrecidos e, por último, ainda que mais minoritário, o movimento das fábricas ocupadas cujo emblema foram as lutas e o controle operário das fábricas Zanon e Brukman, que gerou um impulso ao mostrar como lutar frente aos fechamentos de empresas e as demissões, mediante a gestão direta da produção. O limite deste processo foi a não entrada em massa do proletariado com seus métodos de luta, devido ao papel aterrorizador do desemprego e à política traidora da burocracia sindical. Esta carência se manifestou em que a aliança de classes entre setores da classe média e dos desempregados expressa no grito “piquete e panela, a luta é uma só” , ainda que tenha tido um caráter progressivo foi incapaz de levar adiante uma luta séria contra o Estado burguês; de forma que depois de um primeiro momento de ascensão foi reabsorvida pela via do começo da reativação económica para os setores médios e do clientelismo estatal para os desempregados. Este resultado demonstra o papel insubstituível da classe operária para hegemonizar a luta contra o capital e seu Estado.

Este elemento está ausente em concepções semipopulistas como a do Partido Obrero da Argentina, que identificou o "piqueteirismo" como a vanguarda do sujeito social revolucionário, concepção que liquida a classe operária como unidade e dilui a força social efetiva de cada um de seus setores, abstraindo - como se fosse possível - o piquete como força territorial, do poder social que emana da produção e dos serviços. Ou pior ainda, no caso do populismo, opondo o “territorialismo” à centralidade do proletariado.

E também porque em nome da "essência revolucionária da pobreza” se abandona a luta para conquistar a maioria da classe operária e sobretudo seus batalhões centrais concentrados nos pontos nevrálgicos das relações de produção capitalistas.

Depois de um período de instabilidade, a ascensão do governo de Kirchner, com sua retórica centro-esquerdista, permitiu restaurar a autoridade do Estado e aplacar os aspectos mais agudos da crise, ainda que esta se mantenha de forma latente. Ao calor da reativação económica, começa a surgir a classe social que esteve ausente nas jornadas revolucionárias: a classe operária, que começou a lutar por uma importante recuperação salarial cujo ponto mais alto foi o triunfo da greve dos trabalhadores do metró encabeçados por um corpo de delegados independente da burocracia. Este setor está confluindo com o mais avançado da experiência operária do período anterior como são os trabalhadores de Zanon e sua heróica defesa da gestão operária de sua fábrica, que já tem mais de três anos e é um exemplo para a vanguarda operária nacional e internacional e onde os trotskistas que escrevemos este manifesto temos um importante papel de direção.

No entanto, este novo movimento operário que está surgindo tem pendentes as tarefas que 2001 deixou abertas. Em primeiro lugar, a luta pela coordenação das expressões mais avançadas da classe operária para que estas sejam um pólo contra o domínio de anos da burocracia sindical sobre o movimento operário. Ainda que localmente e por momentos esta coordenação se expressou, como foi o caso da Coordenação do Alto Vale de Rio Negro que agrupou várias categorias e organizações combativas da província de Neuquén, hegemonizadas por Zanon e pelo sindicato ceramista que encabeça; ou na recente greve dos metroviários onde confluíram ativistas dos ferroviários, da saúde, dos telefónicos, ceramistas etc. É necessário avançar para uma coordenação permanente dos setores avançados da vanguarda. Mas esta unidade não é suficiente. É necessário dar um passo superior, isto é a luta pela independência política dos trabalhadores para que estes possam hegemonizar o conjunto dos setores explorados da nação oprimida. Por isso está colocado impulsionar a formação de um grande Partido de Trabalhadores baseado nas próprias organizações de luta da classe operária, nos sindicatos, nas comissões internas, nos corpos de delegados das grandes empresas, e obviamente pelas organizações representativas dos desempregados independentes do governo. Falamos de um verdadeiro partido que arranque as massas da influência do peronismo, que possa decidir o curso dos acontecimentos na vida política nacional. Um partido que possa expressar no terreno político a força social dos 10 milhões de trabalhadores assalariados e dos mais de 3 milhões de desempregados.

Bolívia e a necessidade da auto-organização operária e popular como contrapoder

A Bolívia mostra uma tendência recorrente das massas à luta e à ação direta. Da “guerra da água” de 2000 em Cochabamba em diante as massas bolivianas mostraram uma enorme capacidade de combate e renovadas energias. Desenvolveram nestes combates inumeráveis meios e formas de luta como o bloqueio de rotas (essencialmente camponês) tendendo ao “cerco” sobre a cidade; a greve geral operária e popular, com a mobilização de massas convergindo e pressionando sobre os centros nevrálgicos do poder estatal; a insurreição das barricadas, como “luta de todo o povo” na disputa pelo território e procurando impedir as operações das forças estatais; e as ações militares avançadas, expressão da insurreição em seu aspecto mais ofensivo.

O “ensaio revolucionário” de Outubro de 2003 marcou um salto qualitativo com relação aos processos que lhe precederam e que tinham como atores centrais os camponeses e indígenas. Desta vez, pelo caráter social mais urbano, pela radicalização nos métodos e por um começo de entrada em cena da classe operária se propós um confronto mais direto entre as forças sociais fundamentais da sociedade boliviana, abrindo um processo revolucionário, o que o diferencia do resto dos processos que até agora se desenvolveram na América Latina. A combinação do levante das massas com processos de insurreição espontânea como o da cidade de El Alto culminou com a queda do governo de Sánchez de Losada e a ascensão do governo de Mesa no meio de uma crise revolucionária aberta na qual se esboçaram alguns elementos embrionários de dualidade de poderes. No entanto, as principais direções - sobretudo a de Evo Morales e a de Felipe Quispe - se opuseram vigorosamente a concretizar de alguma forma a frente única que as massas impunham nas ruas e estradas, e, sobretudo, ao surgimento de formas superiores de frente única de massas democraticamente organizadas que pudessem se converter-se em órgãos de poder operário e popular.

Como conseqüência disso, consolidou-se uma ampla desproporção entre a espontaneidade dos milhares que saíam às ruas, com enorme determinação e iniciativa, e as instituições existentes do movimento de massas, que só agrupam efetivamente uma minoria - a COB - ou que por seu caráter não eram os canais mais adequados para o levante insurrecional em curso - como as juntas de vizinhos. As direções reformistas e burocráticas defenderam em todo momento diversas variantes de saídas por dentro do regime democrático burguês e apoiaram a transição constitucional e a ascensão de Carlos Mesa, desmontando o embate revolucionário aberto.

Não obstante, a fuga de Sánchez de Losada foi experimentada como um importante triunfo pelos setores mobilizados. O governo de Mesa teve uma enorme debilidade, produto de sua origem. Durante um primeiro período tentou governar apoiando-se nas direções do movimento de massas - fundamentalmente o Movimento ao Socialismo de Evo Morales. O MAS demonstrou assim seu caráter conciliador e defensor do regime democrático burguês.

A tentativa de Mesa de romper o estancamento da situação, pressionado pela direita reacionária de Santa Cruz de la Sierra e pelos interesses do imperialismo e das multinacionais petroleiras e gaseíferas, abriu caminho para a ruptura deste débil consenso e a uma renovada situação de tensão entre as classes nos primeiros meses de 2005 e à primeira renúncia de Mesa, em março, que tentava assim reunir o apoio necessário para garantir a “governabilidade” . O acordo por cima com o velho parlamento apoiado nos desacreditados partidos que em seu momento apoiaram Sánchez de Losada foi de curta duração. Um novo embate do movimento de massas que reivindicava a efetivação da agenda “de outubro” , concretizada na demanda de nacionalização dos hidrocarbonetos, pós fim aos 18 meses de governo de Mesa e evitou que a oligarquia de Santa Cruz assumisse o governo através da ascensão Hormando Vaca Díez como presidente. Mineiros e setores médios da cidade de La Paz se uniram para evitar que se consolidasse um governo da elite de Santa Cruz. Diferentemente de Outubro de 2003, onde a repressão cumpriu um papel chave na radicalização das massas de El Alto, desta vez o Exército não interveio, já que isto poderia ter desatado um levante revolucionário.

Conseguiu-se novamente uma saída dentro dos marcos constitucionais do regime democrático burguês e o “esvaziamento de poder” se resolveu com a ascensão provisória de Eduardo Rodríguez, ex-presidente da Suprema Corte de Justiça, candidato da Igreja, do ex-presidente Mesa e de Evo Morales. Mas estes mecanismos estão mostrando seu esgotamento. As jornadas revolucionárias de junho de 2005 demonstraram uma vez mais que amplos setores de vanguarda e de massas sentem um profundo desprezo pelo parlamento e pelas instituições do regime político. A burguesia também está dividida e o setor rico de Santa Cruz quer impor também sua agenda de direita de avançar na "autonomia" da região, isto é, de serem os sócios das multinacionais na exploração dos hidrocarbonetos.

Este novo pico do processo revolucionário aberto implicou uma experiência importante para amplos setores do movimento de massas, sobretudo em El Alto, que atuou claramente como vanguarda do processo. Em primeiro lugar, abriu-se um debate acerca da idéia da Assembléia Popular como órgão de frente única das massas mobilizadas, como expressão do duplo poder, cuja conformação foi proclamada em El Alto por dirigentes da FEJUVE e da COB, mas sem nenhuma política para concretizá-la verdadeiramente. Ao calor desta discussão, começou a se difundir amplamente a possibilidade de responder com a auto-organização das massas às necessidades de coordenação, abastecimento, condução política e autodefesa militar.

Em segundo lugar, reuniram-se sistematicamente mais de 500 juntas de vizinhos em El Alto, com a participação dos setores mais radicalizados, que em alguns casos conseguiram impor sua política aos dirigentes conciliadores como Abel Mamani. Por último, trabalhadores da planta de gás líquido de Senkhata, que provê às cidades de La Paz e El Alto, discutiram coordenar com as Juntas de Vizinhos a distribuição a favor dos setores mais necessitados e contra os especuladores.

O MAS de Evo Morales voltou a cumprir nesta crise revolucionária o papel de salvador do regime que tinha cumprido em Outubro de 2003. Consolidando-se como o principal partido nacional (tal como tinha se demonstrado já nas eleições municipais e, depois, ratificando sua influência no movimento de massas nas mobilizações de março). A nível nacional, o MAS aparece mais consolidado como aparelho político, e mais integrado ao Estado burguês, cumprindo o papel de pata esquerda do regime e de contenção das tendências mais revolucionárias das massas. Emergiu deste conflito com sua bancada mais unificada e acostumada às manobras parlamentares enfrentando-se com experimentados políticos profissionais da burguesia. Mas ao mesmo tempo mais questionado por setores avançados das massas e com crises em sua própria base, o que o obrigou a ir a esquerda no discurso com poses mais nacionalistas, mas sem poder impor sua hegemonia entre os setores mobilizados (o que se expressa sobretudo em El Alto).

A necessidade de criar órgãos de poder do movimento de massas é um problema estratégico para os futuros combates do presente processo revolucionário na Bolívia. Aí radica a importância do chamado a uma Assembléia Popular. É necessário que a COB, a FEJUVE e a COR altenhas, as federações de colonizadores do Chapare, Yungas e demais organizações em luta, convoquem com urgência uma Assembléia Popular para que os trabalhadores e o povo possam discutir, fixar uma posição independente e um curso de ação, unificando a luta contra o governo e os planos da reação e do imperialismo. Não se trata de fazer "acordos de dirigentes" e sim de coordenar efetivamente, discutindo e organizando desde as bases. É necessário convocar uma Assembléia Popular com representantes de base com mandato de suas assembléias de todos os setores operários, camponeses, povos originários, do Planalto e do Oriente, de cada fábrica, mina, bairro popular ou comunidade, para discutir um programa de ação operário e camponês frente à crise nacional e um plano de luta que culmine na greve geral política com bloqueio nacional de rotas, retomando o caminho de Outubro na perspectiva de um governo operário e camponês, única maneira de tornar efetivas as demandas populares como a nacionalização dos hidrocarbonetos sob controle dos trabalhadores e uma Assembléia Constituinte verdadeiramente livre e soberana.

Nessa perspectiva, o papel das direções reformistas se demonstra cada vez mais nefasto. Depois de Outubro e até hoje, o MAS de Evo Morales se colocou como “pata esquerda” do regime, apoiando Mesa e sua política de reação “democrática” . Hoje volta a servir aos interesses da contra-revolução, defendendo a “saída institucional” e o chamado a eleições, opondo-se por todos os meios a que as mobilizações consigam abrir caminho à efetiva nacionalização do gás, isto é, à expulsão das petroleiras. Tudo isto em nome de sua estratégia de reformas “na democracia” , isto é, atuando dentro do regime e conciliando com os empresários, os latifundiários e as multinacionais.

O programa e os métodos do reformismo “democrático” de discurso indigenista traem os interesses mais elementares das massas do campo e da cidade e da libertação nacional que dizem representar.

Por outro lado, Jaime Solares, dirigente da COB e outros dirigentes, pese a seus discursos “vermelhos” , voltaram a apelar frente ao esvaziamento do poder com a renúncia de Mesa, ao suposto “patriotismo” dos militares, propiciando uma solução “cívico-militar” . Esta política funesta, que já fracassou no levante de 21 de janeiro de 2000 no Equador (onde todos os indigenistas, maoístas e outros reformistas apoiaram Lucio Gutiérrez) alimenta ilusões de que as Forças Armadas e a polícia bolivianas, algozes de Outubro, podem “pór-se do lado do povo” , o que só pode trazer confusão e desarmar os trabalhadores contra qualquer ameaça repressiva ou golpista. Evo, Solares e outros, apesar de suas diferenças, coincidem numa estratégia de colaboração de classes com setores burgueses e de pressão sobre o regime e são inimigos frontais de que as massas operárias e camponesas se orientem para uma saída política independente.

É necessário ir forjando ao calor dos atuais combates uma nova direção à frente de nossas organizações, que levante uma estratégia de mobilização revolucionária de massas baseada na plena independência política dos trabalhadores e na aliança operária, camponesa, indígena e popular contra o imperialismo e seus aliados.

Faz falta uma nova direção, operária e revolucionária, à frente da COB e dos sindicatos. A “matéria prima” para ela começa a formar-se nos milhares de lutadores e dirigentes de base que, ao calor de combates como os de Outubro, vêm fazendo uma grande experiência política e de luta. A luta por um reagrupamento desta vanguarda em torno de uma política de independência de classe, para que a classe trabalhadora dirija a aliança operária, camponesa indígena e popular até derrotar as multinacionais e seus aliados “nativos” e impor por via insurrecional uma saída operária e camponesa, é a luta para pór de pé um grande partido dos trabalhadores, que se nutra das melhores tradições de luta do proletariado e das massas, para propor um programa revolucionário, socialista e internacionalista.

Venezuela e a necessidade de expropriar a grande patronal para derrotar o imperialismo

Depois do desmoronamento do velho regime político oligárquico, a Venezuela viveu uma enorme polarização social e política. A efervescência do movimento de massas ocupou o cenário político atrás da figura de Hugo Chávez ansiando fazer realidade suas demandas e expectativas, já que durante décadas de neoliberalismo tinha visto piorar cada vez mais suas condições de vida e seus direitos políticos serem pisoteados. Os pobres urbanos e setores importantes dos trabalhadores se transformaram assim nos protagonistas de um vasto movimento social nos quais o presidente venezuelano se apóia socialmente, ao mesmo tempo em que tenta contê-lo com certas reformas sociais, tentando pór de pé novas formas políticas institucionais frente à derrubada do regime político dos partidos tradicionais.

No entanto, aproveitando a crise económica internacional, a oligarquia que vinha de um retrocesso passa novamente à ofensiva. Assim, as figuras do antigo regime, junto à burocracia sindical opositora da Central de Trabalhadores da Venezuela e os chefes das câmaras patronais, incitando as classes médias que viram cair seu nível de vida pelos precoces fracassos económicos do governo, entraram numa febril atividade política contra-revolucionária com o objetivo de apartá-lo do poder.

Mais uma vez será o movimento de massas, centralmente os pobres urbanos, que com suas ações massivas, sairão às ruas para enfrentar a nova investida da patronal pró-imperialista para tirar Hugo Chávez do poder. Ao longo de 2002 e começo de 2003, o presidente venezuelano teve que enfrentar uma tentativa de golpe de estado e um lock out patronal que agudizou a crise económica que vinha se arrastando. Em ambos os acontecimentos, Chávez, seus ministros e servidores públicos ficaram paralisados e com pouca iniciativa. Foi graças às mobilizações contundentes dos trabalhadores e do povo pobre que póde ser derrotado o golpe e graças também à resistência dos trabalhadores, que chegaram a controlar a produção em algumas das instalações da indústria petroleira ou se opuseram ao boicote patronal; que se póde desarticular a ofensiva golpista. Estas duas derrotas consecutivas nas ruas da oposição pró-imperialista e que contava com o apoio do alto escalão do exército, foi o que permitiu a Chávez pactuar em maio de 2003 um referendo revogatório com a OEA, o grupo de países "amigos da Venezuela" e a Fundação Carter, que se realizou em agosto de 2004, e do qual saiu triunfante. Novamente o movimento de massas responderá com uma votação em massa que levou ao triunfo dos candidatos chavistas nas posteriores eleições regionais e locais onde obteve 21 do 23 governos e 239 das 332 prefeituras, podendo assim legitimar-se por meio do voto.

Mas Chávez, em nenhum momento, depois das intentonas contra-revolucionárias da oposição pró-imperialista, se propós a mexer nos interesses mais sensíveis da burguesia golpista nem do imperialismo, isto é, seu poder económico, seus bancos e suas grandes empresas. Justo quando era o momento para desferir um duro golpe à burguesia e ao imperialismo. Ao contrário, em vez de se propor a derrotar a grande patronal e o imperialismo em terras venezuelanas, Chávez chama a conciliação constante com setores da burguesia que se mostram "dialoguistas", já que seu objetivo é desenvolver uma burguesia nacional funcional a seus planos políticos. Em nenhum momento deixou de pagar a fraudulenta dívida externa contraída pelo velho regime oligárquico que condena ao atraso o país e é um mecanismo de espoliação imperialista. Assim, depois do golpe, Chávez chegou pedindo perdão e mandou às massas que o trouxeram ao poder voltarem às suas casas, e sentando-se depois para "dialogar" com representantes da oposição, mas com nenhum representante da classe operária nem dos pobres urbanos e camponeses pobres. A verdade é que o presidente venezuelano precisa apoiar-se nas massas e em suas mobilizações, mas ao mesmo tempo precisa impedir que estas adquiram um curso independente.

Chávez veio, assim, tentando “elevar-se” , por assim dizer, acima das classes sociais e cumprir o papel de árbitro entre os interesses do capital estrangeiro e nacional, e os do conjunto do capital, e os das massas exploradas, tentando conciliar e harmonizar estas forças antagónicas. Pelo outorgamento de certas concessões ao movimento de massas, baseado na alta renda petroleira e a busca de certa liberdade em relação ao capital estrangeiro é o que nos permite afirmar que o regime de Chávez tem traços bonapartistas sui generis de esquerda. Mas está longe dos traços fundamentais que adquiriu este tipo de regimes em casos como o de Cárdenas ou o de Perón. Diferentemente deste último que se apoiava no papel dos sindicatos e da classe operária em sua queda de braço com o imperialismo norte-americano, Chávez se apóia nos pobres urbanos e fundamentalmente nas Forças Armadas, o que lhe dá um caráter ainda mais tímido com relação a estas experiências que chegaram até a nacionalizar importantes pólos da economia nacional e tiveram fortes confrontos com o imperialismo. Por isso o objetivo do presidente da Venezuela é rediscutir as relações com EUA. para negociar em uma melhor correlação de forças os termos de intercâmbio, sem romper os laços fundamentais da subordinação nacional à ordem imperialista.

No entanto a situação venezuelana segue aberta, pois as contradições que engloba anunciam novos choques entre as classes. O imperialismo permanentemente ameaça a Venezuela, e a única forma de derrotá-lo é expropriando a burguesia e os interesses do capital estrangeiro. Mas esta tarefa só pode ser realizada pela classe operária, hegemonizando e dirigindo uma aliança revolucionária com o resto dos setores explorados, já que Chávez não o fará por seu caráter de classe. Por isso é necessário lutar pela expropriação dos principais centros capitalistas e pór toda a economia nas mãos dos trabalhadores, dos camponeses e dos pobres da cidade e do campo, para organizá-la em função das necessidades da maioria trabalhadora. Só a classe trabalhadora pode dirigir conseqüentemente a luta da nação oprimida contra o imperialismo.

Por isso, longe de pregar a subordinação política dos trabalhadores ao chavismo e ao morno programa de reformas da revolução “bolivariana” , como fazem a maioria das forças de esquerda, é urgente desenvolver a luta por uma política operária independente, conseqüente contra a reação interna e o imperialismo, mas explicando pacientemente a necessidade de não depositar a menor confiança política em Chávez e em seu projeto nacionalista.

No plano internacional Chávez levantou a necessidade da unidade “bolivariana” . Em todos os seus encontros com os governos latino-americanos lança esta proposta demagógica e assim se apresenta ao movimento de massas. Como marxistas revolucionários, lutamos para romper com o atraso e a escravidão a que nos submete o imperialismo, por uma poderosa federação dos países latino-americanos. Mas não será a atrasada burguesia latinoamericana, atada por mil e um laços ao imperialismo quem cumprirá este objetivo. Estas burguesias não podem nem poderão desenvolver a unidade latino-americana. Nas últimas décadas vimos inclusive como deram um salto como agentes do capital estrangeiro, e, quando muito, o que fazem é pechinchar frente às exigências mais brutais do imperialismo, esperando melhorar os termos de intercâmbio, mas para seu benefício, não das massas exploradas do continente, e no marco da subordinação ao imperialismo, sem romper com o qual é impossível sequer propor-se a superação do atraso, da miséria das restantes mazelas do capitalismo semicolonial. Por isso afirmamos que a luta contra o imperialismo, que é inseparável da luta contra seus aliados locais, as burguesias nativas, só pode ser travada conseqüentemente pelo proletariado dirigindo o conjunto das massas oprimidas de seus próprios países. Contra a demagogia “bolivariana” ou “sulamericanista” de nacionalistas e reformistas, dizemos que a necessária unificação económica e política da América Latina numa poderosa federação só poderá ser realizada pela classe operária, tomando em suas próprias mãos, e à frente dos explorados e oprimidos, a luta continental contra o imperialismo. Por isso a principal consigna para atingir este objetivo é a luta pela Confederação das Repúblicas Socialistas da América latina e do Caribe.

Cuba, um ponto nodal para os revolucionários latino-americanos

Cuba segue sendo um Estado operário, ainda que profundamente deformado e debilitado. As conquistas fundamentais da revolução estão sendo dilapidadas, mas ainda não foram destruídas. O núcleo fundamental da economia segue estando nas mãos do Estado. Há enormes obstáculos para o processo de restauração nas bases da propriedade herdadas da revolução, nas relações de força entre as classes, na consciência “igualitária” e anti-imperialista das massas.

A estratégia norte-americana de subordinar mais estreitamente o mundo semicolonial mediante uma política de força baseada no poderio militar e na imposição de uma dominação política mais direta - o que significa um salto no processo de recolonização da América latina - se choca diretamente contra a existência de um Estado operário em Cuba, considerada pelos meios dirigentes norte-americanos como um obstáculo a seus planos regionais. Neste sentido, estrangular a revolução cubana é uma prioridade estratégica para os EUA. Assim, forçar a "transição democrática" é um dos objetivos declarados do imperialismo e promovido pela "dissidência" interna da direita para garantir a passagem o mais ordenada possível à restauração capitalista. Por sua vez, a União Européia passou a impulsionar abertamente a "transição" e a financiar e promover os "dissidentes". Há anos, a Espanha e outras potências européias, no marco das rivalidades comerciais interimperialistas que tornavam atrativo o mercado cubano, diferenciaram-se da política ianque de bloqueio e não só praticam um amplo intercâmbio comercial com Cuba, como estimularam investimentos de seus monopólios na ilha. Em todo este tempo, reivindicavam a "abertura democrática" que permita a livre organização interna das forças restauracionistas, mas mantendo boas relações diplomáticas com Castro e sem assumir uma linha de apoio ativo à oposição como agora. A continuidade das políticas adotada por Castro não faz outra coisa que fortalecer as tendências pró-capitalistas e debilitar as reservas da economia nacionalizada e a energia e disposição das massas para resistir ao assédio imperialista. O imperialismo tira proveito do isolamento e das concessões de Castro para aumentar a pressão para forçar o giro político para a "transição", necessário para abrir inteiramente as portas à recolonização capitalista de Cuba.

No entanto, longe de ser inevitável a recolonização de Cuba, o fato decisivo é que a revolução está ainda viva. Nem o assédio imperialista nem a desastrosa condução burocrática puderam até agora esgotar suas forças. Os trabalhadores e o povo cubano demonstraram ao longo de quatro décadas seu heroísmo e extraordinária capacidade de resistência. Neste sentido, a estratégia imperialista se chocará com enormes obstáculos para se impor definitivamente. O proletariado cubano, a força social decisiva da ilha, precisa preparar-se nesta perspectiva estratégica, isto é, preparar-se para irromper revolucionariamente e tomar em suas próprias mãos os destinos de Cuba, derrubando a burocracia que capitula ao imperialismo e, cada dia que mantém sua dominação, afunda mais profundamente as conquistas da revolução. Frente ao assédio imperialista - contra o bloqueio e toda outra forma de agressão -, o ponto de partida do marxismo revolucionário é a defesa incondicional do Estado operário, a despeito de suas graves deformações burocráticas e de sua direção. Em caso de agressão militar estamos incondicionalmente no campo de Cuba, pela derrota do imperialismo. Mas em nenhum caso isso significaria dar apoio político à direção castrista, que está levando à ruína as conquistas da revolução, desmoralizando as massas e abrindo o caminho à restauração do capitalismo. Não é possível separar a luta contra o imperialismo das tarefas da revolução política, deixando esta para uma “segunda etapa” . A defesa da revolução põe em primeiro plano e tem como condição a luta intransigente contra a dominação da burocracia e por um regime de democracia operária.

Na medida em que as conquistas fundamentais da revolução, ainda que debilitadas, subsistem, o programa de uma nova revolução será essencialmente político, combinando-se com as tarefas de caráter social que surjam da necessidade de combater os elementos semi-capitalistas e capitalistas que se desenvolveram. Os elementos essenciais de nosso programa apontarão, naturalmente, para limitar os elementos de mercado e as concessões ao que seja compatível com os interesses da revolução, para a defesa e ampliação das bases da economia nacionalizada, o fortalecimento do proletariado como classe social e politicamente dominante. Só assim poderá abrir-se o caminho para avançar na construção do socialismo.

É necessária uma revisão radical da política económica. Os trabalhadores têm direito de exigir a revisão das concessões ao capital estrangeiro, de acordo com os interesses da revolução. Deve restabelecer-se o monopólio do comércio exterior. Os trabalhadores, dos quais se exige todo o sacrifício e esforço em nome da batalha "pela produção" devem ter o direito de controlar e decidir sobre todas as questões vitais da produção e do abastecimento, na fábrica e nacionalmente. Deve elevar-se o salário dos trabalhadores e diminuir as desigualdades ao mínimo estritamente compatível com as necessidades da transição ao socialismo, isto seria possível às custas dos altos rendimentos dos servidores públicos estatais e dos novos "ricos", e dos altos gastos improdutivos que provoca a gestão burocrática. Para isto é necessário acabar com os privilégios da burocracia. A política de reformas deve ser substituída por uma nova política económica do interesse dos trabalhadores do campo e da cidade e pelo fortalecimento da economia nacionalizada, segundo o princípio do planejamento democraticamente centralizado.

Parte central é a luta pela legalidade das correntes que defendem a revolução, e lutar por plenas liberdades políticas e de organização para as massas. O saneamento da economia cubana exige, em primeiro lugar, a mais ampla liberdade de organização para os trabalhadores, começando pela abolição de toda a legislação e dos estatutos que consagram o "papel dirigente" do Partido Comunista nos sindicatos e restantes organizações de massas. Os operários devem recuperar pleno direito à greve, a autonomia de seus sindicatos e o direito a criar novos sindicatos, comitês de fábrica ou outras formas que desejem. Devem lutar pela plena liberdade de discussão, reunião e imprensa para os trabalhadores cubanos. A juventude, tão sensível à atmosfera de opressão política, deve ter as mais amplas liberdades políticas, culturais e de organização. O monopólio político do Partido Comunista e seu papel de partido "de Estado" devem terminar já. Não haverá verdadeira democracia para as massas trabalhadoras sem direito a organizar-se independentemente do Partido Comunista. Combater a opressão política do regime castrista não significa aceitar a demagogia da democracia "pura", isto é burguesa, marionete do imperialismo para impor seus planos de "transição" isto é, de contra-revolução com maquiagem democrática. O bonapartismo burocrático com suas instituições, como a Assembléia Nacional, deve ser substituído por uma genuína democracia operária e revolucionária, baseada em órgãos de poder dos trabalhadores, democraticamente organizados de baixo para cima, integrados por representantes eleitos diretamente e com mandato da base, que possam ser revogados em qualquer momento e que não ganhem mais do que o que recebe um operário qualificado.

A política externa de Cuba deve inspirar-se num genuíno internacionalismo operário e não na "coexistência" com o imperialismo e no apoio às burguesias "amigas" do terceiro mundo. Hoje, mais do que nunca, o destino da revolução cubana está unido ao desenvolvimento da luta de classes na América latina e no mundo. Os trabalhadores e a juventude cubana precisam estreitar os laços com a América latina e os Estados Unidos na luta comum contra o imperialismo. Os maiores obstáculos neste caminho são o castrismo e seus aliados stalinistas e reformistas do continente, que a serviço de sua estratégia de colaboração com a burguesia prostituíram a bandeira do internacionalismo proletário. Hoje, a defesa de Cuba exige que seja uma ponta de lança da revolução continental. A unidade económica e política com outros países da região seria o ponto de partida para pór fim ao isolamento, mas isto só pode realizar-se sob uma política de classe: os trabalhadores têm que tomar em suas mãos a luta continental pela expulsão do imperialismo sob a consigna de uma Confederação de Repúblicas Socialistas da América Latina e do Caribe! Os trabalhadores de Cuba precisam de uma nova direção. O Partido Comunista e o regime não podem se “auto-reformar” , é necessário derrubar a burocracia castrista. Os setores pró-burgueses e pró-imperialistas de oposição e a Igreja utilizam as reivindicações democráticas para capitalizar o cansaço frente à asfixiante opressão política do castrismo e à dura situação económica. Para combater estas tentativas e ajudar o proletariado cubano a tomar em suas mãos os destinos da revolução é preciso pór de pé uma oposição operária, marxista e internacionalista, isto é, construir um verdadeiro partido operário e revolucionário, armado com o programa da revolução política para arrancar o poder da burocracia e impor um regime de democracia operária revolucionária, no caminho da construção do socialismo.









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