Sábado 27 de Abril de 2024

PARTE II

A periodização

23 Dec 2007 | “ (...) apenas a opressão, por grande que seja nem sempre origina uma situação revolucionária em um país. Na maioria dos casos, para que exploda a revolução, não basta que os de baixo não queiram seguir vivendo como antes. Faz falta, além disso, que os de cima não possam seguir administrando e governando como antes.” (Lênin) [1]   |   comentários

Na primeira parte deste artigo buscamos aprofundar nos sujeitos
políticos que compõem o processo em questão: o PCB, os camponeses, os
marinheiros, o movimento operário, as classes dominantes e o imperialismo.
A seguir, buscamos fazer uma periodização do conjunto do processo.

O ascenso operário e camponês na década de 50 e a abertura de uma
situação pré-revolucionária

Após a ofensiva repressiva deflagrada pelo governo Dutra contra o
movimento operário desde 1947, o processo começa, ainda no marco de
uma situação não revolucionária, com o ascenso operário e camponês na
década de 50.

A partir da segunda metade do governo JK, a situação da luta de classes
no país vive um primeiro salto de qualidade. A crise económica se instala de
forma mais aguda, o ascenso das massas ganha um novo fólego e a divisões
entre as frações das classes dominantes se acentuam: é durante este período
que caracterizamos abrir-se uma situação pré-revolucionária no país.

A partir de 1957 começam a reverter-se as condições económicas que
provocaram o “boom” dos “anos dourados” de Kubitschek. Em função do forte declínio da receita das exportações de café, cujos preços caíram
continuamente desde 1955, e como todos os itens da conta de serviço
mantiveram-se negativos, mesmo considerando o superávit na conta de
capitais devido ao crescimento do fluxo de capitais internacionais para o
país, a situação da balança de pagamentos adquiriu uma dinâmica
catastrófica. Dinâmica esta que foi agravada pelas crescentes remessas de
lucros das multinacionais instaladas no país para suas matrizes no exterior.
O superávit de 194 milhões de dólares em 1956 transformou-se num déficit
de 180 milhões já em 1957, que saltou para um déficit de 253 milhões em
1958. Se em 1957 esse déficit foi coberto com recursos das reservas, a
utilização do mesmo mecanismo no ano seguinte as esgotariam, fazendo
com que a economia do país aumentasse em grande medida sua dependência
em relação aos capitais estrangeiros não só para novos investimentos mas
também para minimamente garantir o pagamento das importações
essenciais ao funcionamento da economia. A partir de 1959, a inflação, que
ao longo da década de 50 cumpria um papel chave na acumulação
capitalista, em função da crise na balança de pagamentos e das tendências
de refluxo dos capitais externos para o país, sofre um salto de qualidade,
fugindo ao controle. [2]

Frente a estas novas condições económicas, acentuam-se não só as
divisões entre as frações dominantes como também as greves operárias contra
o aumento da carestia de vida provocada pela inflação; sendo que em 1959
ocorreram enfrentamentos físicos com a polícia e saques a depósitos e
armazéns, e em 1960 as greves chegam a atingir, em distintos movimentos
ao longo de todo o ano, um milhão e quinhentos mil trabalhadores.

O aumento dos conflitos no interior da aliança entre o PSD e o PTB,
que se manifestava desde as eleições regionais de 1958, acentuam-se
progressivamente com o PTB cada vez mais pressionado pelo ascenso das
massas e o PSD cada vez mais pressionado pelo endurecimento e maior
alinhamento com os EUA por parte dos setores mais altos da burguesia e do
latifúndio agro-exportador.

A crise da renúncia de Jânio Quadros e a abertura de uma etapa
revolucionária

O governo de Jânio Quadros significou uma tentativa de um setor da
burguesia de encontrar um árbitro capaz de elevar-se por cima dos conflitos
entre as classes e frações de classe, ou seja, uma tentativa de governo bonapartista mais diretamente apoiado sobre as Forças Armadas. Neste
sentido, ao mesmo tempo em que buscava contentar setores udenistas e
pessedistas com a implementação de um plano de ajuste monetário para
conter a inflação; buscava contentar também setores petebistas e pecebistas
adotando uma política externa com traços de independência em relação aos
EUA (estabelecimento de comércio exterior com os Estados Operários,
negativa em avalizar intervenção dos EUA em Cuba e lei que limitava a
remessa de lucros para o exterior) e propondo a realização parcial e
controlada de reformas estruturais como a agrária etc. Este “jogo” , que ao
mesmo tempo agradava e provocava o desgaste de Jânio frente aos distintos
setores sociais, esteve combinado com uma renovação do alto-mando militar
na qual foram afastados os chefes nacionalistas e legalistas ligados ao
juscelinismo e empossados chefes da UDN militar historicamente golpistas.

O ano de 1961 marca uma inflexão na crise económica que vai atravessar
o país, com uma queda substancial da dinâmica de crescimento que vinha
se expressando ao longo de toda a década anterior; e a continuidade da
inflação revela rapidamente a falência do plano de ajuste monetário
implementado por Jânio, que vê desgastar-se rapidamente sua popularidade
junto às massas e passa a enfrentar crescentes dificuldades para a aprovação
de seus projetos no Congresso.

A renúncia de Jânio, em25 de setembro de 1961, é uma tentativa de autogolpe
na qual Jânio pretendia voltar à Presidência aclamado, aomesmo tempo
pelas massas e pelos setores entreguistas das Forças Armadas e do grande
capital norte-americano e nacional, com autoridade suficiente para que o
Congresso lhe outorgasse poderes especiais que lhe permitissemgovernar sem
a necessidade do apoio da maioria dos deputados. Jânio apostava que os
militares entreguistas e o grande capital iriampreferir seu projeto bonapartista
à formação de uma junta militar que passasse a governar através de um golpe
de Estado ou à posse do Vice-Presidente “esquerdista” João Goulart.

A maioria das frações burguesas e inclusive o governo norte-americano [3]
viram em Jânio Quadros um aventureirismo demasiadamente perigoso que
poderia sair de seu controle e não embarcaram no seu plano. Tampouco as
massas saíram às ruas para clamar por ele. A renúncia abriu uma crise de
vazio de poder na qual, durante 15 dias, nem os setores que lançaram uma
ofensiva golpista para instalar o governo de uma junta militar foram capazes
de assumir o poder; nem tampouco foram os setores burgueses que
defendiam dar uma chance a Goulart, com poderes restringidos. O relativo vazio de poder que preencheu esta disputa deu lugar a uma particular
intervenção das massas, que combinava importantes aspectos de
espontaneidade na resistência à tentativa de golpe com a direção consciente
do PCB e do PTB pela posse de Jango. Esta combinação adquiria um
potencial tão mais explosivo quanto maior era a possibilidade de deflagração
de uma Guerra Civil entre os distintos setores da burguesia e da cúpula das
Forças Armadas, potencial este que adquiriu seus contornos mais dramáticos
quando o III Exército (Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina) iniciou
o deslocamento para o Norte em defesa de Jango e os I (Rio de Janeiro) e II
(São Paulo) Exércitos iniciaram movimentações para o Sul em defesa do
golpe; ainda mais sendo o III Exército a mais poderosa arma do país em
número de efetivos e material bélico.

No Rio Grande do Sul, principal reduto eleitoral de João Goulart e do
PTB, as massas responderam ao chamado de seu governador Brizola para
resistir ao golpe com fortes elementos de espontaneidade que ameaçavam
ultrapassar o controle que as classes dominantes petebistas tinham do seu
“feudo” .

Nas principais cidades do estado as massas pararam para acompanhar
das ruas a evolução dos acontecimentos. A Praça da Matriz, em frente ao
Palácio Piratini (sede do governo do Rio Grande do Sul), passou a ser
ocupada permanentemente por milhares de pessoas, 24 horas por dia, sendo
que nos momentos de maior tensão chegaram a reunirem-se ali dezenas de
milhares de pessoas.

A União Estadual dos Estudantes (universitários) e a União Gaúcha dos
Estudantes Secundaristas decretaram greve geral a partir do dia 26 e os
estudantes passaram a formar comitês de resistência e a realizar comícios e
passeatas.

Já no dia 25 surge em Porto Alegre o primeiro “Comitê de Resistência
Democrática” . Nos dias seguintes, instalaram-se nos bairros, locais de
trabalho e no interior mais de 400 destes comitês que foram o centro de
inscrição voluntária para a resistência, totalizando, ao longo de 12 dias, mais
de 100 mil inscritos entre mulheres, trabalhadores, estudantes e aposentados.
Segundo o depoimento dos principais dirigentes dos comitês, compostos
por líderes sindicais e profissionais liberais, ainda que os comitês contassem
com a simpatia do governo, seu surgimento e seu desenvolvimento foi
marcado por forte espontaneidade. Desde o dia 26, a direção dos comitês
passou a publicar um jornal chamado “Resistência” , que chegou a alcançar
a tiragem de 200 mil exemplares. Segundo depoimento de dirigentes dos
comitês, em alguns casos houve treinamento militar de alguns batalhões
operários para eventual utilização de armas, visíveis nas marchas com
uniformes de trabalho pelas ruas de Porto Alegre, segurando cabos de vassouras que simulavam armas [4], apesar das “promessas” de distribuição de
armamento pelos comitês não terem se concretizado.

Se por um lado Brizola demonstrava de fato disposição para resistir
militarmente ao golpe [5], encabeçando as classes dominantes petebistas do
RS e em conjunto com o III Exército, por outro lado teve uma política
consciente para conter a intervenção das massas sob o controle do governo,
da polícia, do Exército e da burocracia sindical, negando-se a distribuir
armas para a população e trabalhando para conter a explosão de uma greve
geral no Estado. O armamento ficou sob controle estrito do aparato de
Estado, e em casos extremos de assessores políticos, jornalistas [6] e dirigentes
sindicais [7] de estrita confiança do governo; ao mesmo tempo em que os
dirigentes sindicais petebistas e pecebistas que formaram o “Comando
Sindical Gaúcho Unificado” (CSGU) negaram-se a convocar uma greve
geral, limitando-se a alertar os trabalhadores para deflagrá-la caso o Palácio
Piratini fosse atacado.

Brizola rapidamente transformou-se no principal centro de referência
nacional da resistência ao golpe e pela defesa da posse de João Goulart.

A greve geral política começa em diversas categorias que param sem
coordenação uma com a outra, consolida-se rapidamente como uma greve
geral no Rio de Janeiro e na Bahia, e continua expandindo-se por todo o
país. A greve combina fortes elementos de espontaneidade das massas que
paralisam seus trabalhos e saem às ruas para defender as liberdades
democráticas com o chamado consciente do PTB e do PCB para defender
a posse de João Goulart. Esta combinação se dá com particular
espontaneidade principalmente no Rio de Janeiro, onde Lacerda deflagrou
uma forte repressão sobre o movimento de massas e suas organizações.

O processo que se desenvolvia no sul do país e a greve geral se
combinaram com movimentos de resistência civil e rebelião militar em
outras partes do país.

Frente à ameaça de que a intervenção das massas saísse do controle, as
classes dominantes se unificaram [8] em torno da implementação do regime
parlamentarista antes da deflagração do confronto dos I e II Exércitos
contra o III Exército. O regime parlamentarista significou um “acordo
tácito” e momentâneo entre as distintas frações das classes dominantes
(desde as alas janguistas até as alas golpistas) para conter a explosão das
massas; pacto este no qual os golpistas, que descarregaram a repressão sobre
as massas e ameaçaram instaurar uma ditadura sobre o país, terminaram
em grande medida impunes.

Brizola, que em seus discursos dizia que estava preparado para marchar
com 90 mil homens armados sobre Brasília para dissolver o Congresso
udenista e pessedista e convocar uma Assembléia Constituinte, tratou de
desmobilizar as massas gaúchas e junto com Jango aceitar a conciliação com
os golpistas. O PCB tratou de desmontou a greve geral e seguiu o mesmo
caminho. Juntos, ambos foram responsáveis pelo controle e pelo desvio de possíveis ações independentes das massas, canalizando a energia posta nas
ruas para uma pressão institucional sobre o novo governo.

A fase mais aguda da crise se fecha. Apesar da direção burguesa do
petebismo “de esquerda” e da traição do stalinismo, a crise política que
circunscreveu a renúncia de Jânio Quadros abriu um novo momento da
relação de forças no país. A partir deste momento, o país vive uma etapa
revolucionária caracterizada pela combinação entre o agravamento das crises
e oscilações tanto no nível da luta de classes, como no grau de divisões entre
as classes dominantes.Mas, oscilações que mantinham um patamar mínimo
de atividade das massas, ao mesmo tempo em que freqüentes novos
fenómenos políticos ameaçavam abrir uma crise mais aguda, e as classes
dominantes eram incapazes de se unificar minimamente em torno de uma
saída mais sustentada para a situação, são fluxos e refluxos da etapa
revolucionária que vai se fechar definitivamente apenas com o golpe militar
de 31 de março de 1964.

O caráter de conciliação e crise do gabinete Tancredo Neves

Por constituir-se como saída emergencial em que as distintas frações
dominantes se unificaram para conter a expansão da greve geral e a possível
eclosão de uma guerra civil, o gabinete Tancredo Neves não foi capaz de
cumprir qualquer outra tarefa, seja por temer a elevada moral das massas,
seja pela inexistência de acordo entre as frações burguesas em relação aos
passos a seguir. Foi um governo essencialmente de paralisia e transição, no
qual os distintos das classes dominantes mediam forças e preparavam suas
táticas para tentar retomar o controle da situação. Ao mesmo tempo,
cresciam as greves operárias contra a carestia de vida e as ocupações de terras,
ainda que desde o ponto de vista político, o PCB conduzisse estes processos
para uma pressão pacífica a favor dos plenos poderes presidenciais a Jango
e suas “reformas de base” . Este gabinete durou 9 meses, caindo em junho de
1962.

O gabinete parlamentarista chefiado por Brochado da Rocha: as novas
demonstrações de força do proletariado e as “manobras” de Jango

Antes mesmo de completar um ano como chefe de governo, a enorme
instabilidade da saída parlamentarista provocou a queda deTancredo Neves,
agravando ainda mais a polarização entre as alas das classes dominantes em
torno dos nomes do “desenvolvimentista” Santiago Dantas e do
“conservador” Auro de Moura Andrade para assumir o posto de primeiro
ministro. A maioria do parlamento estava pela posse deste último, que chegou a ser nomeado, porém não póde assumir devido à intervenção do
movimento de massas, que responde tomando as ruas de várias cidades do
estado do Rio de Janeiro, e rapidamente uma greve geral política paralisou
o país em apoio ao nome preferido por Jango, sendo que terminou eleito um
terceiro, também apadrinhado de Jango, Francisco Brochado da Rocha.

Na verdade, tal era a situação do país que a simples ameaça de greve geral
lançada em 4 de julho pelos dirigentes sindicais foi suficiente para que
Moura Andrade renunciasse ao cargo, de modo que Goulart ainda tentou
impedir que, no dia seguinte, em 5 de julho, o país parasse de norte a sul.
Porém, os dirigentes sindicais conheciam bem o estado de ânimo dos
operários brasileiros, e disseram que não podiam mais suspender a greve,
literalmente sob pena de ficarem “desmoralizados” .

A greve geral foi então deflagrada, apesar da oposição de Goulart e da
vacilação da direção do PCB, e contou com adesão total de trabalhadores
marítimos, portuários, estivadores, aeroviários e aeronautas em todo o país.
No estado do Rio e na cidade de Santos, a greve parou praticamente todas as
categorias de trabalhadores, no setor industrial, público e também no
comércio. O trecho a seguir, escrito logo após os acontecimentos, em 1962,
dá uma dimensão das condições excepcionais do que se passava no país:

(...) a 5 de junho de 1962, asmassas saíramàs ruas emvárias cidades do Estado do Rio.
Lincharamcomerciantes, expropriaramos expropriadores. Asmassas estavamdispostas
a intervir, diretamente, na crise, no processo político do país. As facções das classes
dominantes, que disputavam a hegemonia do Governo, trataram, assustadas, de
conciliar-se, como, aliás, sempre acontece. Procuraram ocultar, reduzir as proporções
do episódio, para que não servisse de estímulo, de exemplo, e não se repetisse no resto
do país. A imprensa, praticamente, não se referiu aos casos do comerciante enforcado
e do que teve a cabeça esmagada a golpe de pedra, porque atirou contra o povo. [9]

Durante o gabinete de Brochado da Rocha, Jango manobra com a
ameaça de uma nova greve geral política e a ameaça de um golpe de Estado
apoiado nas alas “nacionalistas” das Forças Armadas para pressionar o
Congresso a aceitar a realização do plebiscito que reinstalaria seus plenos
poderes através do presidencialismo. Em tal manobra, pedia poderes
especiais ao Congresso para realizar suas “reformas de base” . Entretanto, ao
mesmo tempo, negociava com a ala mineira do PSD, dirigida por Juscelino,
Kubitschek (que projetava candidatar-se à presidência em 1965) um “acordo
nacional” não só em torno do plebiscito, mas também para garantir uma
mínima governabilidade junto ao Congresso. Acordo este que terminou
atraindo inclusive setores da UDN.

A greve geral acontece no dia 15 de setembro de 1962, ainda que mais
fraca que a anterior.Mas Jango já havia pactuado com o PSD o novo regime,
em expresso na própria aprovação do plebiscito [10], 15 de setembro, que já
trouxe consigo uma mudança no sistema de determinação do gabinete
parlamentarista, no qual passa a ser o próprio Jango (e não o Congresso),
quem determina o Primeiro Ministro.

A demonstração de forças da classe operária foi tamanha que a direção
do CGT conseguiu impor outras conquistas, sob pena de não retomar as
atividades. O presidente Goulart cedeu, e assim foram conquistadas a
libertação dos grevistas presos, o apoio do governo para a sindicalização
rural e a promessa de aumento do salário mínimo em janeiro de 1963.

Em setembro foi eleito o gabinete de Hermes Lima, mas na prática
Santiago Dantas já se colocava à frente do novo governo, passando a articular
com os EUA o que seria três meses depois o “Plano Trienal” .

Enquanto um amplo setor das classes dominantes apostava na
possibilidade de disciplinar Goulart e aproveitar a autoridade do líder do
PTB sobre o movimento de massas para controlar a situação; os setores
golpistas, completamente céticos em relação a essa possibilidade,
intensificam os preparativos para uma saída de força. Ao longo de 1962, se
fortalecem o IPES e o IBAD como agências pró-imperialistas vinculadas aos
militares da Escola Superior de Guerra (ESG) que militavam como um
partido a serviço da propaganda, agitação e organização do golpe.

A linha de subordinação do movimento operário ao governo burguês
de Goulart, implementada pela direção do CGT, não se apoiou na enorme
demonstração de força das massas expressa nas duas greves gerais ocorridas
para impulsionar uma política independente da burguesia, para resistir à
ameaça golpista, responder às demandas democrático-estruturais como o
problema da terra e da opressão imperialista e atender às demandas mais
sentidas do proletariado. Pelo contrário, a direção do CGT dirigiu uma
forte campanha de apoio a Jango e em defesa das “reformas de base”
janguistas. É o que observamos no manifesto lançado pelo CGT após a
vitória: “O caminho do plebiscito foi aberto e também ao presidente da
República foram concedidas todas as condições para a constituição de um
governo nacionalista e democrático” . A partir desse momento, isto é, desde
que foi marcado o plebiscito para janeiro, as direções do CGT passam a
colocar a campanha pelo voto “Não” ao parlamentarismo como centro da
mobilização operária, ligando os operários à defesa das “reformas de base” .

O “Plano Trienal” de Celso Furtado e Santiago Dantas

O plebiscito vai ocorrer em 5 de janeiro de 1963. Mas este apenas
consuma o processo que se iniciou com a definição do gabinete Hermes
Lima, em setembro de 1962, e se consolidou com a viagem de Santiago
Dantas aos EUA em dezembro deste mesmo ano: João Goulart expropriava
a energia das massas e a colocava a serviço de, junto com o PSD, consolidar
um novo pacto político com o governo norte-americano. Este novo pacto
teve como bases estruturantes o Plano Trienal ’ um plano de austeridade
monetária ’ e a indenização das empresas norte-americanas estatizadas
(AMFORP e ITT) por Brizola mediante os valores exigidos pelas matrizes.
Mas para que o Plano desse certo era necessário impedir que as greves
continuassem pressionando pelo aumento dos salários, que serviam como
pretexto para que a burguesia continuasse buscando aumentar seus lucros
através do aumento dos preços, pressionando a inflação para cima. E isso só
seria possível com a repressão aberta sobre as greves que continuavam
crescendo em relação aos anos anteriores.

A campanha e o resultado do plebiscito mostraram não apenas o peso de
Goulart sobre o movimento de massas, mas também o fato de que amplos
setores burgueses e militares chegaram à conclusão, ao longo do período
anterior, de que a volta do presidencialismo poderia ser uma forma mais
segura de tentar conter as massas e sair dos impasses recorrentes em que os
sucessivos gabinetes parlamentaristas se afundavam.

A resposta de Goulart à vitória obtida com quase noventa por cento dos
votos é um verdadeiro “tapa na cara” de todos aqueles setores que insistem
em embelezar o herdeiro de Vargas e suas intenções “progressistas” . É
também uma resposta típica de um governo burguês que utiliza a
mobilização das massas sem nunca querer romper seus laços de dependência
com o imperialismo. É assim que Goulart empreende um novo giro à direita,
conclamando o PSD a integrar o governo e lançando o Plano Trienal de
Celso Furtado, que significava um plano de estabilização baseado no ataque
às condições de vida das massas; e utilizando seu prestígio popular renovado
para também fortalecer seus laços com os EUA. [11]

O movimento operário, no entanto, ao contrário de recuar, recrudesce
sua mobilização com greves totais de aeroviários, estivadores e centenas de greves parciais que praticamente paralisam a economia do país na primeira
metade de 1963.

Em 11 de maio de 1963, é organizado um comício com 1.500 pessoas
envolvendo sargentos das três armas, membros do CGT, da FPN e da UNE.
Um general da reserva (Alceu Jovino Marques) e o subtenente Gelsy
Rodrigues Correa, que fez um pronunciamento radical pelas reformas de
base, são presos após o evento. A essa altura a divisão entre o alto mando e
a sub-oficialidade se agudiza. Gelsy afirmou então:

A elite reacionária que não abre mão de seus privilégios e que infelizmente está
infiltrada em todos os setores da administração do país, como conseqüência da
política de conciliação que com as forças imperialistas (..) que nos é imposta pelo
atual governo, já se articula contra nós e alguns dessa elite têm a ousadia de tentar
nos apresentar ao público como perturbadores da ordem.

Nesse primeiro semestre de 1963, Goulart tentava se apoiar na criação
da Unidade Sindical dosTrabalhadores (UST) para diminuir o peso político
do CGT. Outra manobra que ilustra sua política, para a qual nem mesmo
a direção stalinista, que vinham colaborando com as suas políticas era
suficientemente “confiável” . A manobra carecia, no entanto, de base política,
dividido que estava o movimento sindical em torno de posições muito mais
polares. Isso obriga Goulart a recuar dessa política poucos meses depois e
garantir o apoio imediato das Confederações Sindicais ligadas ao CGT.

A queda do gabinete Furtado-Dantas: um primeiro “giro” de Jango para
apoiar-se em maior medida sobre o movimento de massas

Em junho de 1963 eclode uma forte greve dos transportes aéreos após a
demissão de um comandante que era presidente da Federação Nacional dos
Aeroviários e dirigente do CGT. A demissão era política, após este haver
defendido a estatização de todas as empresas brasileiras de transportes aéreos.
Os trabalhadores conseguem o apoio do ministro do Trabalho (Almino
Afonso) e saem vitoriosos.

No mesmo mês, Celso Furtado e Santiago Dantas renunciam após
desmoralização de seu “Plano Trienal” que não conteve a inflação de mais
de 25% nos primeiros cinco meses de 1963. Almino Afonso também sai. A
raiz dessas mudanças está em que, se por um lado Goulart utiliza o prestígio
conquistado através do plebiscito para implementar uma política de
austeridade contra as massas e tentar se aproximar do imperialismo; por
outro lado, justamente porque o movimento operário cumpria um papel
central na sustentação de seu governo, ele não foi capaz de implementar as
medidas de repressão às greves que eram necessárias para desindexar a economia (interromper a cadeia de aumento de salários e preços que
pressionavam para cima a inflação), e por isso levou à falência o Plano
Trienal. Jango nega-se a reprimir abertamente sua base de apoio no
movimento de massas (restringindo-se a apoiar a repressão sobre setores de
vanguarda), e o Plano Trienal vai à falência em meio às denúncias de Brizola
contra a AMFORP e a ITT, que impediram Jango de cumprir suas
promessas de indenizações às matrizes destas empresas nos EUA.

Com a falência do Plano Trienal, os preparativos para o golpe militar,
tanto do ponto de vista interno quanto externo, dão um salto de
qualidade. As frações golpistas da burguesia, que em 1961 eram
extremamente reduzidas, ampliam-se e consolidam novas posições,
avançando inclusive sobre setores até então janguistas. O imperialismo
norte-americano, que nos dois anos anteriores já vinha introduzindo no
país verbas para financiar as alas golpistas da burguesia, armamento e
inclusive “boinas verdes” , com a falência do Plano Trienal e a queda do
gabinete de Furtado e Dantas acentuam em grande medida seus distintos
tipos de “ajuda” e endurecem a relação com o governo brasileiro. É aqui
que acaba de se definir a posição imperialista favorável ao golpe, aplicandose
a tática de acordos diretos com governos e prefeituras dispostos a
colaborar com a contra-revolução.

Como resultado, ainda em junho, Goulart procura empreender um
duplo movimento: põe um gabinete de centro, incluindo um grande
burguês paulista e ex-governador de SP como Carvalho Pinto na pasta da
Fazenda: mas passa ao mesmo tempo a apoiar-se em maior medida sobre o
movimento de massas para barganhar em melhores condições com os EUA.
Este “giro” se expressa na implementação de lei que restringia a remessa de
lucros para o exterior por parte das multinacionais, provocando a
interpelação de certa forma humilhante da embaixada norte-americana para
que a lei não fosse regulamentada. Jango também instala a CPI que passaria
a investigar o IBAD, e busca suspender as operações desta organização
baseando-se em acusações de corrupção a parlamentares.

Nesse período, em 23 de agosto, Jango realiza um comício no centro do
Rio de Janeiro em homenagem ao nono aniversário do suicídio de Getúlio
Vargas junto com o CGT e outras organizações populares, reunindo cerca
de 10 mil pessoas. De conjunto, a manifestação expressou a insatisfação
popular que já então existia com respeito à demora do governo para
implementar as reformas de base, assim como o descontentamento geral
com as condições de vida que se agravavam, inclusive com a nova escalada
inflacionária sobre os gêneros de primeira necessidade. No entanto, a
direção do CGT, ao mesmo tempo em que buscava canalizar tal
insatisfação, com faixas contendo dizeres como “Jango, o povo votou no presidencialismo, chega de vacilações” e “O povo quer reformas ou fará a
revolução” , [12] não oferecia qualquer caminho independente para omovimento
operário.

A rebelião dos sargentos e a greve dos 700 mil: novas demonstrações de força das massas traídas pelo PCB

A “rebelião dos sargentos” iniciou-se para garantir a posse dos sargentos
nacionalistas eleitos em 1962 e proibidos de assumir por artigo da
Constituição de 1946. No dia 11 de setembro o STF sanciona a proibição.
No dia 12 o CGT lança manifesto chamando “estado de alerta” . No dia
seguinte, explode uma sublevação de sargentos daMarinha e da Aeronáutica
no Distrito Federal, que tomam o edifício do Ministério da Marinha, uma
estação telefónica, a central telegráfica e os aeroportos civil e militar. O
Exército do DF não adere e suas tropas de confiança conseguem retomar o
ministério, com o saldo de um militar e um civil mortos.

No mês de outubro ocorre a última grande greve da classe operária
urbana antes do golpe de abril. A greve dos 700 mil é resultado da unificação
das campanhas salariais de diversas categorias, principalmente operários da
alimentação, químicos e metalúrgicos, mas também têxteis, marceneiros,
calçadistas, entre outras categorias. Era um desafio à legislação trabalhista e
à tradição corporativa que impediam negociações coletivas dessa espécie.

A patronal encara o movimento, desde o começo, como uma batalha de
classe. Seu órgão, a Fiesp, se recusa a negociar conjuntamente, apesar da
intervenção do Ministério do Trabalho favorável à reivindicação dos
trabalhadores. Como resposta ao impasse, em 29 de outubro deflagra-se a
greve envolvendo cerca de 700 mil operários na capital e em 40 cidades do
interior paulista. O movimento paredista englobava 80 sindicatos
representando 11 categorias operárias.

Mais de mil trabalhadores são presos. Com enorme pressão da patronal
e do governo paulista, no dia 31 de outubro oTribunal Regional doTrabalho
(TRT) manifesta-se contrário aos trabalhadores. A greve só termina, no
entanto, em 4 de novembro, com um reajuste médio de 80% para todas as
categorias envolvidas na mobilização, além da garantia de liberdade para os
grevistas presos.

A rebelião dos sargentos demonstrou a disposição de setores das bases
da Aeronáutica e da Marinha de se enfrentarem ao alto-comando e com as
instituições do regime por suas reivindicações elementares e democráticas, como o direito de votarem e serem votados. A greve dos 700 mil demonstrou
a disposição da classe operária paulista em unificar suas fileiras em torno de
reivindicações comuns.

O PCB foi o responsável pelo isolamento dos sargentos, impedindo que
o “estado de alerta” convocado no dia 12 de setembro se transformasse em
uma greve geral em solidariedade aos rebelados, e articulando o desmonte
da greve junto com Goulart com a promessa de envio para o Congresso de
projeto de lei regulamentando a elegibilidade dos sargentos; o que vai ser
concretizado no comício de 13 de março de 1964, sob a condição de que o
sargento entrasse para a reserva, conforme aceitava o próprio alto-comando
das Forças Armadas. A direção stalinista impediu que a greve dos 700 mil
se transformasse em uma greve geral nacional, e que elevasse seu patamar de
reivindicações económicas para um patamar de reivindicações políticas,
colocando a classe operária como sujeito da resistência ao golpe militar que
era preparado de forma cada vez mais explícita.

O estado de sítio: uma tentativa de um golpe bonapartista

Em outubro de 1963, Goulart tenta elevar-se sobre as distintas classes
sociais e frações de classe em luta, através do pedido de estado de sítio ao
Congresso, o qual deveria lhe delegar poderes especiais. Com esta medida,
Jango busca fortalecer-se como árbitro dos conflitos em jogo, apoiando-se
mais diretamente sobre as Forças Armadas (ou pelo menos nos setores não
udenistas das mesmas). A tentativa é completamente fracassada. Desde a
UDN civil e militar até Brizola ou o PCB se contrapõem ao estado de sítio
ambos os lados desconfiados das intenções de Jango. O CGT chega a
ameaçar a deflagração de uma greve geral em resposta a isso, caso a medida
fosse decretada. Dentro das próprias Forças Armadas, Jango percebe que sua
política sofreu resistências, já expressando as novas posições conquistadas
pelos golpistas após sua derrota em 1961. Em duas semanas, Goulart chega
duas vezes a decidir pelo estado de sítio, mas recua em ambas as
oportunidades com medo de radicalizar ainda mais os ânimos à esquerda e
à direita.

A política de “Frente Ampla” e a linha dos comícios: um segundo “giro” de
Jango para apoiar-se em maior medida sobre o movimento de massas

Com o fracasso da tentativa de estado de sítio, Jango busca constituir
uma frente (conhecida como “Frente Ampla” ) que abarque desde Brizola e
o PCB até setores do PSD para pressionar o Congresso a favor das chamadas
“reformas de base” (neste momento ainda mais parciais, pela busca de aliança com setores do PSD); e em caso de resistência ou novas tentativas de golpe
da UDN civil e militar em aliança com o imperialismo, ter base social e
programa em uma eventual nova tentativa de golpe de estado bonapartista
como a tentada em outubro. Esta política teve como base a plataforma que
ficou conhecida como “Frente Ampla” e se apoiou na tática de comícios de
massas realizados por todo o país, dentre os quais o do dia 13 de março, que
foi o primeiro de grande magnitude, e cuja série culminaria com um grande
comício no dia internacional do trabalhador, o 1º deMaio. Em 13 de março
200 mil pessoas lotaram a Praça da República e a Central do Brasil, no RJ.
Goulart anuncia a estatização de todas as refinarias de petróleo e a
desapropriação de terras à margem de estradas e açudes federais, além de
medidas de reforma urbana, eleitoral e universitária.

O PCB, que desde a posse de Jango em setembro de 1961 vinha se
localizando como “conselheiro pela esquerda” do governo, mas reservandose
uma postura crítica que lhe permitisse manter minimamente sua
autoridade junto aos setores de vanguarda da classe operária diante das
políticas mais de direita de Jango, a partir de dezembro de 1963, muda
qualitativamente de localização: passa a sustentar mais abertamente João
Goulart, incluindo conversações diretas com o presidente e seus assessores
e até mesmo uma entrevista de Prestes apresentando Jango como o futuro
Fidel brasileiro. Brizola tardou a entrar na frente, e ainda assim quando o fez
localizava-se com uma postura mais crítica em relação a Jango do que o
PCB, o que terminou fazendo com que aglutinasse em torno de si setores do
movimento operário e camponês descontentes com o nível de subordinação
do PCB a Goulart.

A rebelião dos marinheiros: a última demonstração de força das massas,
mais uma vez traída pelas direções

Como explicamos em maiores detalhes na parte deste artigo que trata
especificamente dos marinheiros, em 25 de março de 1964, diante da prisão
dos dirigentes de sua Associação, os marujos revoltados abandonaram os
navios e repartições e se concentraram aos milhares no Sindicato dos
Metalúrgicos do Rio de Janeiro. A única opção que as direções tiveram para
conter a disposição de revolta das bases que queriam arrancar seus dirigentes
da cadeia pela força foi fazer votar que os marinheiros ali concentrados se
declaravam em assembléia permanente até que os presos fossem libertados.
O grau de influência dos marujos se expressou no fato de que os fuzileiros
navais de elite enviados para debelar a manifestação, ao chegarem à frente
do sindicato, baixaram as armas e aderiram à assembléia. Aqui, mais uma
vez, a direção da Associação, profundamente influenciada pelo PCB, negociou com o governo Jango algumas concessões parciais ao movimento
’ como a queda do ministro golpista que havia efetuado as prisões e a
nomeação de um ministro ligado ao janguismo ’ e uma libertação paulatina
dos presos que não desmoralizasse as Forças Armadas e permitisse o
destencionamento gradual da situação. O PCB teve a política criminosa de
deixar os marinheiros isolados, negando-se a convocar uma greve geral em
solidariedade. Através do CGT, mais uma vez ameaça com greve geral em
28 de março, mas não a concretiza e em seguida recua.

O golpe: uma derrota anunciada

Em 30 de março ocorre a reunião no Automóvel Clube do Rio, na qual
Goulart discursa para os sargentos. A rebelião dos marinheiros, somada ao
discurso de Goulart para os sargentos é o pretexto final para o golpe militar,
desencadeado entre 31 de março e 1° de abril.

Desde a derrota do golpe em 1961, a UDN civil e militar, através do
complexo Ipes-Ibad, conseguiu realizar um eficiente trabalho de cooptação
e corrupção não só dos altos comandos, mas também da alta e média
oficialidade das Forças Armadas, utilizando tanto o financiamento norteamericano
como a propaganda anticomunista. O recrudescimento da luta
de classes e a opção de Goulart em apoiar-se em maior medida sobre o
movimento de massas fez com que os setores das classes dominantes e das
cúpulas militares, que em 1961 se colocaram contra o golpe, passassem de
malas e bagagens para o udenismo golpista. A explosão inflacionária,
combinada com a propaganda ideológica udenista, mobiliza um importante
setor das classes médias ao redor das bandeiras contra-revolucionárias, o que
se expressou na “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” que ocorreu
no dia 19 de março reunindo 500 mil pessoas em São Paulo, e em 2 de abril
reunindo 1 milhão no Rio de Janeiro.

Para o movimento final, em março de 1964, os EUA expediram para o
Brasil, na operação que ficou conhecida como Brother Sam, um porta-aviões,
destróieres de apoio, dentre os quais um com mísseis teleguiados, navios
carregados de armas e mantimentos, assim como quatro petroleiros com
combustível para jatos, gasolina de avião, óleo diesel e querosene; sete aviões
de transporte, 110 toneladas de armas, oito aviões de caça, oito aviõestanque
etc. Segundo seus próprios depoimentos, os golpistas se preparavam
para uma resistência que poderia durar até 30 dias.

Quando o golpe foi deflagrado, o “dispositivo militar” de Goulart,
composto pelos militares supostamente “nacionalistas” , não respondeu. Em
estados onde os altos comandos ainda se mantiveram formalmente fiéis ao
presidente, a alta e média oficialidade não responderam. A única exceção significativa foi o Rio Grande do Sul, onde setores importantes do III Exército
se dispuseram a resistir mediante ordem do presidente, ainda que agora esta
arma se encontrasse significativamente mais dividida que em 1961. O CGT
convoca uma greve geral, mas seus principais dirigentes são rapidamente
presos, os principais sindicatos sofrem intervenção, e apesar de terem se
iniciado paralisações de protesto em algumas categorias, estas não conseguem
resistir à repressão. A greve chega a ser deflagrada em algumas categorias
importantes, como ferroviários de SP, portuários de Santos, ferroviários,
portuários, metalúrgicos e têxteis do RJ, mas rapidamente é derrotada.

Goulart optou por acovardar-se e exilar-se no Uruguai, mesmo rumo
que seguiu Brizola.

Capitani, um dos principais dirigentes da Associação dos Marinheiros e
Fuzileiros Navais do Brasil, assim relata os últimos momentos do golpe:

As primeiras unidades de fuzileiros em retirada encontraram-se com os marinheiros
reunidos no Ministério (...) O silêncio transformou-se num grito geral. ’ Vamos
lutar, não vamos nos entregar! (...) Eram gritos misturados a um choro generalizado.
Eu também estava chorando e nem percebia. Na minha frente, os marujos,
chorando, gritavam: ’ Capitani, vamos lutar, vamos resistir, vamos morrer juntos!
Subi num pequeno cepo de ferro e gritei: ’ Vamos lutar! Nesse momento, Aragão
chegou trazendo o restante dos fuzileiros em retirada, acompanhado por um grupo
de sargentos, dos quais muitos eram meus conhecidos. Percebendo o impasse, disse:
’ Capitani, não faça isso. Perdemos a batalha, mas não a guerra. Vai ser um massacre!
’ Almirante, nós vamos lutar. O grupo de sargentos rodeou-me. ’ Vamos até o Comando, discutimos a situação e traçamos um plano ’ diziam. Fui empurrado
para dentro do carro, junto com Aragão. Ele e os sargentos estavam quietos, olhando
para o vazio. Percebia que todos choravam e que, mesmo à beira de uma explosão
emocional, a disciplina militar reprimia tudo. Sequei as lágrimas e tentei me
recompor. (...) Quando chegamos ao comando do Corpo de Fuzileiros, Aragão disse:
’ Tu ouviste as notícias e as informações. O presidente nos abandonou. Entregou
tudo, está no Uruguai ou dirigindo-se para lá. Brizola deverá acompanhá-lo em
seguida. Sem o presidente é impossível qualquer resistência. Ficamos sós. Não vou
te deixar sair daqui, tu vais levar todos à morte. (...) ’ Capitani, vai ser um banho
de sangue ’ falou um sargento. Tentei argumentar que se começássemos um
movimento poderíamos desencadear uma resistência em outros lugares. Outro
sargento falou: ’ Não sem o presidente. O povo está desmobilizado e desorganizado.
Os sindicalistas que deveriam comandar a mobilização sumiram e nem vieram
buscar as poucas armas que colocamos à disposição. (...) Eles estavam certos.
Perguntei: ’ O que vamos fazer? ’ Manda um bilhete, um recado para os
marinheiros pedindo que voltem às suas unidades. Diz que perdemos a batalha e não
a guerra ’ repetiu. (...) De uma janela do Corpo de Fuzileiros, vimos a massa de
marinheiros, lentamente, subindo para os barcos e dispersando-se em várias
direções. [13]

[1V. I. Lenin, “La celebración del 1º deMayo por el proletariado revolucionario” (15 de junio de 1913).
Obras Completas, T XIX, pág. 461 y ss. Editorial Cartago, Buenos Aires, 1969.

[2Lúcio Flávio de Almeida, Uma ilusão de desenvolvimento, Editora da UFSC, 2006. Luiz A. Moniz
Bandeira, A Renúncia de Jânio Quadros / O Caminho da revolução brasileira, Editora Brasiliense, 1976.

[3Desde o início da crise, os Estados Unidos tinham manifestado uma posição ambígua na qual,
enquanto a CIA e o Pentágono apoiavam o movimento golpista, a Casa Branca e o Departamento de
Estado posicionaram-se contra, chegando a ameaçar a interrupção de qualquer ajuda financeira ao
Brasil caso fosse quebrada a ordem constitucional no país.

[4Amir Labaki, 1961: A crise da renúncia e a solução parlamentarista, Editora Brasiliense, 1986.

[5A BrigadaMilitar do Rio Grande do Sul, uma força policial que tinha de 10 a 12 mil homens, entrou
em estado de alerta. A partir do dia 26, ao redor do Palácio Piratini foram levantadas barricadas com
sacos de areia e metralhadoras foram postadas nas janelas e nos telhados. Muniz também afirma que
Brizola deu ordem à fábrica de revólveres Tauros para trabalhar ininterruptamente na produção de
armas, inclusive metralhadoras. Luiz A. Moniz Bandeira, A Renúncia de Jânio Quadros / O Caminho
da revolução brasileira, Editora Brasiliense, 1979. Amir Labaki, 1961: A crise da renúncia e a solução
parlamentarista, Editora Brasiliense, 1986.

[6Buscando “pintar” Brizola de mais “vermelho” do que de fato foi, Muniz Bandeira relata que foram
distribuídos cerca de 2 mil revólveres calibre 38, cada um com uma caixa de balas, mediante assinatura
de um recibo, ressaltando que desde a Revolução Mexicana de 1911 um líder burguês não distribuía
armas à população como fazia Brizola naquele momento. Labaki. Por sua vez, explica que estes
revólveres foram distribuídos apenas para assessores políticos e jornalistas de estrita confiança do
governo, o que parece mais coerente dado seu reduzido número em relação às massas que estavam
dispostas a resistir. Luiz A. Moniz Bandeira, Opt. cit.. Amir Labaki, Opt. cit.

[7Labaki tambémrelata que, frente à possibilidade de falta de armamentos em caso de um enfrentamento
militar, no prédio da secretaria do Trabalho e da Habitação, com a autorização do governo e com a
participação de líderes sindicais, foram fabricadas milhares de bombas caseiras (coquetéis Molotov).
Amir Labaki, Opt. cit..

[8O Conselho das Classes Produtoras (CONCLAP), um dos principais organismos das elites mais
conservadoras do país, reuniu-se e, por 31 votos contra 1, manifestou-se pela posse de Goulart.
Durante a crise, com o passar dos dias, a maioria dos governadores se pronunciaram pela posse de
Jango.

[9Luiz A. Moniz Bandeira, Opt. cit..

[10No próprio dia da greve, 15 de setembro, o Congresso marcou o plebiscito para janeiro do ano
seguinte, recuando da linha anterior de fazê-lo apenas depois do governo de João Goulart, em 1965.

[11Foi assim que, no início do mesmo ano (1963), os ministros Santiago Dantas e Roberto Campos vão
a Washington e recuam da possibilidade de nova moratória sobre o FMI. Seu raciocínio, segundo
revela uma troca de cartas entre ambos, é que na situação política então existente tal medida só poderia
ser tomada baseando-se em forte mobilização das massas, mas que estas não aceitariam o restante do
programa de austeridade governamental, o qual incluía o congelamento salarial e contingenciamento
de trigo e combustível.

[12Jornal O Estado de São Paulo, de 24/8/63.

[13A Avelino Capitani, Opt. cit., Editora Expressão Popular, p. 82-84.









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