Quinta 2 de Maio de 2024

Parte III Movimento operário, subjetividade e direção

A luta de classes e as vias de recomposição do movimento operário e de massas

28 Jun 2005   |   comentários

Ainda que a luta de classes e os confrontos entre revolução e contra-revolução não sejam os elementos predominantes na atual situação internacional, é evidente que, depois de mais de duas décadas de retrocesso, estamos atravessando um período de lenta e tortuosa recomposição do movimento de massas, e em particular, um avanço na subjetividade do movimento operário, com desigualdades segundo países e regiões.

Nesse marco é que devemos ver o desenvolvimento de novos fenómenos políticos e de luta, que ainda que com diferente dinâmica e profundidade, expressam esta lenta recomposição. Entre os exemplos mais recentes podemos assinalar:

1) o surgimento em 2003 do movimento antiguerra - com epicentro nos países centrais - que protagonizou as mobilizações mais massivas da história moderna contra a guerra imperialista no Iraque.

2) o surgimento no Iraque de uma resistência armada à ocupação norte-americana quase imediatamente depois do triunfo imperialista sobre o regime de Hussein, que, apesar de não ter se transformado em um movimento de libertação nacional de massas similar ao que enfrentou os Estados Unidos no Vietnã ou a França na Argélia, expós os limites do uso do poderio militar norte-americano.

3) a tendência à ação direta e à intervenção operária na América Latina, em particular no Cone Sul, que vem se desenvolvendo nos últimos cinco anos, onde em países como o Equador, a Argentina e a Bolívia, a mobilização de massas derrubou os governos neoliberais abrindo uma crise orgânica nos regimes burgueses. Como demonstram os levantamentos revolucionários na Bolívia de outubro de 2003 e junho de 2005, a América Latina constitui sem dúvida a linha de frente da luta de classes internacional.

Estes processos mostram que se abriu um novo período transitório, marcado pela queda do stalinismo e, mais em geral, pela perda da hegemonia dos velhos aparelhos contra-revolucionários que dirigiram o movimento operário e popular durante décadas. Mas este despertar à vida política de milhões não implica em si mesmo radicalização e, menos ainda, ações independentes que tendam abertamente à revolução, com a exceção parcial da Bolívia. Produto das derrotas prévias, da brutalidade da ofensiva capitalista e das direções reformistas e burocráticas, prima em geral uma série de ideologias do “mal menor” . No caso do movimento antiguerra, isto se manifestou em que majoritariamente confiou nas Nações Unidas ou na ação de potências imperialistas opostas à guerra para frear a ofensiva norte-americana. Eleitoralmente se expressou, por exemplom, nos Estados Unidos na campanha "anybody but Bush" (qualquer um menos Bush), materializada no voto pelo candidato democrata Kerry, que tinha apoiado a guerra. No entanto, isto não nega a enorme importância que teve este movimento no despertar político de milhares de jovens que hoje seguem expressando um setor mais radicalizado e sensível a políticas de esquerda.

Na América Latina, este grau de imaturidade do movimento operário e de massas, por ora deu um respiro à burguesia, permitindo em países como a Argentina, uma "renovação" do pessoal político.

Na perspectiva da revolução operária e socialista, o mais importante a destacar destes processos é o surgimento de um novo movimento operário que nos últimos anos vem dando mostras sustentadas de uma mudança embrionária, mas de valor sintomático fundamental, em sua subjetividade.

Um novo movimento operário

O crescimento da quantidade de assalariados nas últimas duas décadas desmentiu categoricamente as teses do “fim do trabalho” que tiveram seu auge no início da década de 1990 A classe operária se estendeu a regiões que anteriormente eram majoritariamente camponesas como, por exemplo, os países do sudeste asiático. Milhões de mulheres se incorporaram à força de trabalho. Com o crescente peso dos grandes serviços, como o transporte, a energia e as comunicações, os operários expulsos das fábricas e indústrias nas décadas de 1980 e 90, foram reconcentrados nestes setores que se tornaram chave para o funcionamento da economia capitalista.

Como conseqüência das contra-reformas neoliberais, a força de trabalho sofreu uma importante reconfiguração, caracterizada por uma enorme fragmentação, uma diminuição da classe operária industrial, um aumento dos trabalhadores desempregados e o crescimento de um novo proletariado dos serviços, mais jovem, precarizado e com baixa sindicalização.

A fragmentação combina trabalhos complexos altamente intelectualizados, como os de informática e comunicações, com a criação no outro extremo, de trabalho “desqualificado ou de baixa qualificação” , mau pago, precarizado, muitas vezes sem carteira assinada e sem nenhum direito trabalhista. O capitalismo em sua fase atual tende a criar ambos tipos de trabalho e a reforçar seu domínio em base à divisão das fileiras operárias.

Esta reconfiguração da classe operária, junto com o retrocesso das últimas duas décadas, o colapso do stalinsimo e a perda de conquistas conquistadas como subproduto da revolução russa de outubro de 1917 e da luta de classes ao longo do século XX, permitiu o auge de teorias pequeno-burguesas que, fazendo eco ao triunfalismo capitalista, anunciaram que a luta de classes era algo do passado e que a classe operária tinha deixado de ser o sujeito social da revolução, diluída em "multidões" amorfas ou em movimentos sociais identitários.

Mas os vaticínios destes ideólogos sobre uma nova época sem combates de classe não durariam muito tempo. Em 1995, a greve dos trabalhadores do setor público na França pós em evidência não só que a luta de classes seguia existindo, como também a enorme força social desta nova classe operária que, ao paralisar os transportes ferroviários e os metrós, praticamente deteve a atividade nas grandes cidades por mais de um mês.

Esta tendência de lutas nos grandes serviços voltou a se manifestar recorrentemente nos últimos 15 anos, sobretudo nos países avançados.

Nos Estados Unidos, a greve dos trabalhadores de UPS em 1997, a do gigante da comunicação Verizon em 2000, a luta dos trabalhadores portuários de São Francisco em 2002 que ameaçou desabastecer a Costa Oeste e, em 2004, os seis meses de greve dos trabalhadores dos armazéns de supermercados, são alguns exemplos deste fenómeno.

Na Europa, além dos conflitos em companhias aéreas em diferentes países, como os da Air France e da Alitalia, o exemplo mais marcante foram os setores combativos de trabalhadores das empresas de gás e eletricidade (GDF e EDF) da França, que enfrentaram a privatização parcial desses serviços em 2004, apesar da traição da burocracia sindical. Esta luta incluiu medidas radicais, como a de cortar a luz em edifícios públicos e bairros aristocráticos e religar o serviço elétrico interrompido por falta de pagamento em bairros pobres, mostrando simbolicamente o enorme poder social deste proletariado. Estas lutas de trabalhadores de serviços estratégicos tendem a superar as burocracias sindicais como mostram as greves chamadas "selvagens" (desenvolvidas à revelia das direções burocráticas) dos transportadores de Milão em 2003 e a dos trabalhadores postais na Inglaterra em 2004.

Ainda que a intervenção do proletariado dos serviços venha se dando fundamentalmente nos países centrais, também se desenvolveram importantes combates deste setor da classe operária em países semicoloniais. Por exemplo na Argentina, apesar de terem sofrido uma derrota esmagadora no início dos anos 1990 com as privatizações, hoje os trabalhadores dos grandes serviços públicos privatizados -ferroviários, telefónicos, aeronáuticos e trabalhadores do metró- são a vanguarda do movimento operário, tanto em seus métodos de luta como nas tendências ao surgimento de delegados e dirigentes antiburocráticos e a uma maior democracia sindical.

Este processo de recomposição nas grandes concentrações dos serviços parece estar antecipando processos similares nos trabalhadores da indústria, setor que mais sofreu os golpes das reestruturações neoliberais. Em alguns países se já combina com experiências avançadas de setores da vanguarda da classe operária industrial, tanto desde o ponto de vista da luta reivindicativa como de elementos de reorganização sindical antiburocrática.

Em 2003 na Itália, os trabalhadores da FIAT protagonizaram uma grande luta contra os fechamentos de fábricas. Em março de 2005 na França, os trabalhadores de Citroën conseguiram uma importante vitória numa luta de um proletariado jovem que extravasou a direção burocrática.

Na Bolívia, onde a luta de classes é mais aguda, destacamentos avançados do proletariado mineiro cumpriram um papel central no ensaio revolucionário de outubro de 2003 e no levantamento de junho de 2005.

Na Argentina, a recuperação de fábricas por parte de seus trabalhadores frente aos fechamentos e a demissões que se desenvolveu entre 2001 e 2002 mostra este avanço na subjetividade. Em particular, a experiência do controle operário da produção em Zanon, um fato inédito no movimento operário mundial dos últimos anos, constitui o mais avançado deste processo e já se transformou num marco em nível internacional.

Ainda que mais atrasado com respeito às lutas e à ação direta, esta recomposição começa a se ver na experiência política do proletariado brasileiro com o PT e com o governo de Lula, que está gerando fenómenos antiburocráticos como a CONLUTAS.

Com estes elementos queremos assinalar que, partindo de que os trabalhadores não ocupam ainda o centro da cena, há entretanto tendências incipientes mas significativas para a recomposição de sua subjetividade, que têm uma importância fundamental para a perspectiva de refundar um movimento operário classista, combativo e, em perspectiva, revolucionário.

Estratégia soviética, independência de classe e partidos operários revolucionários

Desmentir as teses do “fim do trabalho” nada mais é do que um primeiro passo no reconhecimento da realidade empírica da existência da classe operária como “classe em si” . No entanto, quem sustenta estas teorias as contrapõem a uma certa visão marxista vulgar, segundo a qual a classe operária seria um todo homogêneo e indiferenciado, cuja unidade política seria expressão mecânica de sua situação comum no processo produtivo. Daí se deduz que a atual fragmentação da classe operária refutaria a estratégia marxista que se baseia no proletariado como a força social com o poder suficiente para derrotar o capital. Nada mais distante da realidade. Na contramão das teorias em voga que dividem o proletariado segundo dicotomias rígidas: os que fazem trabalho material e os que fazem trabalho “imaterial” , intelectual/manual, rendimentos baixos/rendimentos mais altos, setor de serviços/setor industrial e dezenas de outras divisões, reafirmamos a definição clássica segundo a qual um operário é quem vive de um salário que lhe impede acumular capital e que por esta condição de exploração sob o domínio do capital, a classe operária é a classe mais homogênea da sociedade. Mas isto não quer dizer que neguemos suas diferenças internas. Trotsky por exemplo defendia, em meados dos anos 1920, que “o proletariado encarna uma unidade social poderosa que em período de luta revolucionária aguda se lança plenamente para conseguir os objetivos da classe em sua totalidade. Mas no interior desta unidade há uma diversidade extraordinária, diria inclusive que uma disparidade nada desprezível. Entre o pastor ignorante e analfabeto e o mecânico especializado há um grande número de níveis de culturas e de qualificações e de adaptação à vida cotidiana. Cada camada, cada categoria, cada grupo está composto em última instância de seres vivos de idade e temperamento diferentes, cada um dos quais possui um passado diferente. Se tal diversidade não existisse, o trabalho do Partido Comunista para a unificação e educação do proletariado seria muito simples. No entanto, que difícil é essa tarefa, como vemos na Europa ocidental! Poderia dizer-se que quanto mais rica é a história de um país, e portanto a história de sua classe operária; quanto mais educação, tradição e capacidade adquire, mais antigos grupos contém e mais difícil é constituí-la em unidade revolucionária" ("Não só de política vive o homem").

Diferente de outras correntes, a FT vem precisando as respostas programáticas e práticas para tentar superar a enorme fragmentação do proletariado entre trabalhadores empregados e desempregados, contratados e permanentes, sindicalizados e não sindicalizados, brigando por sua unidade com demandas transitórias como a partilha das horas de trabalho e a escala móvel de salários. Esta luta pela unidade das fileiras operárias, começa no nível dos lugares de trabalho, com a organização de comitês de fábrica, comissões internas e corpos de delegados que tendem a unificar democraticamente todos os setores e que enfrentem os sindicatos burocráticos. É central a luta para expulsar as burocracias sindicais e pela recuperação dos sindicatos como verdadeiros órgãos de combate dos trabalhadores, baseados na democracia operária.

Contra o corporativismo do sindicalismo, lutamos pela maior coordenação nas lutas operárias e que o proletariado vá conquistando a hegemonia no conjunto dos explorados, ganhando primeiro o apoio de outros setores, por exemplo no caso de greves nos serviços públicos, tendo uma política ativa para os usuários, e, mais em geral, tomando como próprias as reivindicações das classes exploradas e oprimidas pelo capital, e dessa forma ir preparando-se como classe dirigente do conjunto da sociedade contra a exploração capitalista.

Nisto reside a chave da estratégia soviética, que embrionariamente antecipa o poder do proletariado, expressando não só a coordenação de setores e o papel dirigente da classe operária, como o exercício efetivo da democracia operária, com a liberdade de tendências e o debate de estratégias no seio do movimento operário. Unido a isto, impulsionamos o pleno desenvolvimento das tendências mais de esquerda de nossa classe como por exemplo o controle e a gestão operária em Zanon, que, como “escola de planificação” , prepara a classe operária para as tarefas de direção.

Estas medidas programáticas e organizativas visam a superar tanto a divisão interna como a profunda crise subjetiva, que se expressa em que a classe operária careça de independência política e permaneça amarrada ao Estado burguês pela via das burocracias sindicais e dos partidos patronais. Seu objetivo é dar passos na ruptura com os partidos burgueses e reformistas, e pór de pé partidos operários revolucionários, que mediante um sistema de demandas transitórias, seja capaz de unir as diferentes camadas da classe operária e dos setores explorados e oprimidos, com a estratégia da tomada do poder político.









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