Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

Diante da onda nacional-republicana, o terrível silêncio das organizações do movimento operário francês

13 Jan 2015   |   comentários

Desde o massacre de 7 de janeiro, a onda político-midiática da “união nacional republicana contra a barbárie” cresceu ainda mais. Reforçada pelo apoio de chefes de Estado do mundo inteiro, de Obama a Putin, passando por líderes europeus, esta onda permitiu canalizar metodicamente, muito rapidamente, a grande comoção popular provocada por este terremoto.

A tomada de reféns da quinta-feira, 9, em Dammartin e num supermercado kosher [comida judaica] em Porte de Vincennes (Paris), terminou com a morte de sete pessoas, entre as quais os três principais suspeitos, contribuem para o republicanismo.

Hollande pode saudar, na quinta-feira à noite em “primeira mão”, o profissionalismo e a coragem de seus policiais e insistir que a unidade é a única via a seguir. Permitiu-se, inclusive, o domingo – depois de tê-la recebido no gabinete presidencial do Palácio.

Hollande desfilara em boa companhia, rodeado por Cameron, Merkel, Rajoy, Renzi e o novo presidente da Europa, o polonês Donald Tusk. É o momento de espiar a dor, mas essa “união sagrada” em escala internacional é um mal presságio para aqueles que pensávamos coisa reservada ao mundo de George Bush: um plano antiterrorista reforçado no nível do país, a “civilização contra a barbárie” ... Viria um “patriot act” [“lei patriótica”, decreto do presidente George W. Bush logo após o atentado de 11 de Setembro de 2001] europeu?

Houve poucas notas dissonantes na grande sinfonia da república antiterrorista que iniciou há três dias. Do lado das direções das organizações políticas e sindicais do movimento operário, desde a esquerda reformista à esquerda radical, fica difícil encontrar um mínimo de outra política que não seja a oficial.

Predomina entre elas o silêncio. Entretanto, num primeiro momento, ao tomar conhecimento do atentado contra Charlie Hebdo, o sindicato CGT SNJ, dos jornalistas, convocou uma manifestação. Desde então, nada. Ou talvez, sim. Todos a reboque do regime. Será com Hollande e Sarkozy que o movimento operário, suas organizações sindicais e políticas, poderão defender as liberdades democráticas e dar uma expressão à comoção gerada pelos atentados?

Que “todo o mundo encontre seu lugar e possa manifestar seu fervor republicano”, declarou Jean-Luc Mélenchon, eurodeputado e copresidente do “Partido de Esquerda”, que se prepara para uma manifestação em que marchará atrás do partido a que pertenceu por anos, o Partido Socialista de Hollande. No dia seguinte, segunda-feira, 12, estará no Teatro Dejazet, em Paris, para discursar sobre a “laicidade e a paz civil”.

E o PCF [Partido Comunista francês]? “Que em todo o país se expresse a unidade nacional de todas as forças republicanas diante da barbárie”. Eis aqui a aberração que pode ser lida no site de seu secretário-geral Pierre Laurent.

Da parte da CGT, a homenagem feita por Leapaon (seu secretário-geral) sobre uma corda bamba, é emblemática do mesmo vazio sideral, ou talvez da mesma cumplicidade. Do diálogo social à concórdia republicana. Como se a indignação e a dor, perfeitamente legítimas, proibissem a discordância.

Pretendem manter a ilusão de que a defesa das liberdades democráticas, a luta contra o racismo, a xenofobia e o obscurantismo reacionário pode ser feita junto com os mesmos que as orquestram metodicamente atacando os trabalhadores, perseguindo os ciganos, estigmatizando os jovens e os imigrantes cotidianamente.

A ausência da xenófoba Frente Nacional [FN] na marcha de domingo é adequada a todas essas burocracias para dar um banho de boa consciência com muito pouco. Porém, não faz falta para Marine Le Pen estar na marcha para recolher os frutos dessa epopeia securitária.

A ausência de toda resposta unitária no plano nacional sobre o assassinato de Rémi Fraisse em Sivens, cometido pela polícia nacional [gendarmaria], e a criminalização repressiva dos movimentos sociais desde o verão passado, havia sido um sintoma inquietante da descomposição e da perda de reflexos elementares de sobrevivência dos reformistas. Seu seguidismo republicanófilo hoje em dia não é mais que a confirmação disso.

Escuta-se por aí algumas queixas, marginais, sobre a “recuperação” nacional-republicana da emoção popular, democrática e antirracista pelo governo. Mas para evitar essa instrumentalização não há mil soluções: basta que os partidos e os sindicatos que continuam representando parte considerável dos trabalhadores organizados e da juventude chamem em todo o país manifestações alternativas sobre a base da independência política e de classe para defender as liberdades democráticas.

Mas esse não é o caminho adotado. É notório o comunicado de 8 de março da Intersindical formada pela CGT, CFDT e as principais centrais sindicais junto com os sindicatos agrupados no Solidaires intitulado “O mundo do trabalho, junto, pelas liberdades e a democracia”. Porém, será cansativo buscar nesse comunicado este “mundo do trabalho”, assim como “as liberdades”, que estão ausentes.

As direções do movimento operário tomaram outra decisão, a de aliar-se a um governo que ataca a democracia, as liberdades religiosas individuais de milhões de muçulmanos nas escolas, lugares públicos, na imprensa. Fala de “valores” contra os “bárbaros” para exigir a “união”. Mas a única maneira de lutar contra o obscurantismo e as ideias reacionárias é combater pelo fortalecimento das liberdades democráticas e sociais, pelo fim da perseguição aos imigrantes, aos ciganos e aos muçulmanos. São os efeitos das políticas de Sarkozy, continuadas por Hollande, que estão na origem do clima nauseabundo dos últimos dias. É o que permitiu a Marine Le Pen dizer que “a palavra tinha que ser liberada”, uma maneira de propor os progroms antimuçulmanos enquanto seu pai chama o voto na FN.

A esquerda ainda tem tempo de propor uma plataforma para o movimento operário e a juventude. Começando pelas alas sindicais combativas, quem, aliás, são o alvo da repressão do governo e dos patrões. Deve dizer, alto e forte, que defender as liberdades democráticas é, em primeiro lugar, dizer não o “Vigipirate” (o plano antiterrorista que é utilizado de maneira racista), ao conjunto dos textos liberticidas [contra as liberdades] e das leis anti-imigrantes.

Devemos nos preparar para a onda de choque reacionária que seguramente será orquestrada a partir do Estado e da qual tirarão proveito os cães raivosos da extrema-direita, multiplicando os atos racistas e islamofóbicos se não os impedimos. Devemos defender nosso direito a manifestação, em todo o país, com total independência política do governo e da direita, com uma política de independência de classe. Ainda temos tempo. É urgente.

Tradução do espanhol: Val Lisboa. Entre colchetes, notas do tradutor.

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