Sexta 19 de Abril de 2024

Luta de classes

O que a esquerda brasileira tem a aprender da vitória da luta de LEAR na Argentina?

22 Dec 2014   |   comentários

Uma grande vitória da classe trabalhadora na Argentina marcou o final de 2014. Trata-se da conquista dos operários e operárias da Lear, empresa multinacional norte-americana.

Uma grande vitória da classe trabalhadora na Argentina marcou o final de 2014. Trata-se da conquista dos operários e operárias da Lear, empresa multinacional norte-americana. Há quase 7 meses atrás, Lear havia demitido 240 trabalhadores, abrindo um precedente gravíssimo que facilitaria diversas outras demissões em massa. Desde então, 61 trabalhadores foram reincorporados no calor da luta, enquanto 161 decidiram fazer acordos para pagamento de salários atrasados (em parte influenciados pelo ceticismo da esquerda que dizia que a luta já estava derrotada). Mas 28 trabalhadores continuavam demitidos. Uma revista empresarial do país definiu a luta de Lear como “o conflito do ano”. Vencido pelos trabalhadores. O enfrentamento chocou-se com inimigos poderosos. Ninguém menos que os governo de Macri, Scioli e Cristina Kirchner, a burocracia sindical do SMATA (Sindicato dos Metalúrgicos da Argentina), que é uma das mais mafiosas do país, e a patronal estadunidense. Mas, como resultado da luta dos trabalhadores, o dia 16 de dezembro a justiça ordenou a reincorporação desses 28 trabalhadores demitidos.

Essa foi uma conquista muito importante pelas lições que deixa, não apenas para a classe trabalhadora argentina, mas também para a de nosso país. A razão dessa vitória foi a determinação dos trabalhadores da Lear em levar essa luta até o final. Mas o fator da intervenção dos trotskistas também teve peso. O PTS, organização irmã da LER-QI na Argentina, se lançou desde o primeiro dia e com todas as suas forças, a apoiar esse combate dos trabalhadores e trabalhadoras de Lear. E o resultado é que além da reincorporação dos trabalhadores demitidos, sob o lema “Famílias na rua, nunca mais”, se deu um importante passo rumo à fusão entre os trotskistas e a classe trabalhadora. É mais um avanço na construção de um trotskismo que realmente faça a diferença, e não apenas ocupe postos sindicais ou eleitorais de maneira absolutamente desconectada da luta de classes, como posições defensivas que jamais passam à ofensiva. Que como Lênin indicava pudesse promover a fusão entre o partido revolucionário, com a vanguarda de trabalhadores em luta.

Temos orgulho de fazer parte da corrente internacional do PTS, que recentemente fez um ato com 6000 na Argentina, mostrando um grande fortalecimento da sua força militante, mas que se destaca principalmente por ser um organizador da vanguarda operária, com a presença de mais de 80 categorias e de lutas emblemáticas como Lear, ex-Donnelley, Zanon, Kraft, centenas de operários da Zona Norte industrial de Buenos Aires, etc. Por isso, tais lições são fundamentais de serem contrastadas com a prática da esquerda de nosso país, de modo a lançar luzes sobre a necessidade de uma atuação revolucionária nas greves e lutas contra demissões.

É possível enfrentar e vencer a patronal imperialista

O conflito de Lear se constituiu como uma dura e longa luta. No seu decorrer foram realizadas 15 jornadas nacionais contra as demissões. Algumas delas foram alvos de duríssimas repressões. Os militantes do PTS paralisaram junto aos trabalhadores a Av Panamericana, uma das principais da cidade, por 14 vezes, enfrentando-se com a polícia, tendo inclusive seus dirigentes e parlamentares, como o deputado nacional Nicolás del Caño, feridos por balas de borracha. Atuaram conscientemente para nacionalizar o conflito, realizando marchas e ações de apoio em várias regiões do país. Como se assinala em diversos artigos sobre o combate de Lear, essa não foi uma mera luta sindical, mas uma verdadeira batalha política da classe trabalhadora. Organizando os trabalhadores em assembleias democráticas, constituindo comissões, como a de mulheres da Lear, contando com o apoio ativo de estudantes, advogados, e dos parlamentares do PTS na Frente de Izquierda, que puseram seus corpos em defesa dos trabalhadores, se pôde conquistar vitórias políticas sobre a patronal imperialista que já são patrimônio de toda a classe trabalhadora argentina.

Como resultado disso, primeiramente, se pôde impor a reincorporação dos delegados sindicais, que a burocracia da SMATA queria deixar fora da fábrica. A resistência à repressão, aliada a denúncia feita por Nicolás del Caño, também obrigou a que a juíza Arroyo Salgado determinou a retirada das tropas da Polícia Federal (Gendarmería) durante protestos na Av Panamericana. E, por fim, a determinação judicial obtida no último dia 16 de dezembro, é muito importante já que impede que a Lear Corporation, ou qualquer outra empresa, demita massivamente sem que demonstre se estaria “em crise”. Algo que qualquer exame das contas da Lear negaria. A Lear Corporation queria demitir massivamente apenas para reajustar sua produção, de modo a lucrar ainda mais, enquanto lançava centenas de famílias dos trabalhadores na miséria.

Desde o começo, sabíamos que era possível que essa luta fosse derrotada, mas dar a batalha até o final, como demos, como mínimo, deixaria a patronal alerta de que passar demissões na Zona Norte de Buenos Aires, onde há um importante fenômeno de organização de trabalhadores do qual o PTS é protagonista, não seria fácil. Mas sabíamos também que era também possível vencer.

Atuação parlamentar a serviço da luta de classes

Uma segunda questão a ser retomada é a necessidade de que os postos parlamentares da esquerda sejam colocados a serviço da luta de classes. Não apenas os membros do PTS na Frente de Esquerda na Argentina apresentaram inúmeras propostas de leis para favorecer os trabalhadores, como a inspirada na Comuna de Paris de que os políticos, juízes e funcionários de ato escalão ganhem o mesmo que um professor (e é este o salário que recebem, bem como seus assessores, doando o restante para as lutas, com prestação de contas públicas), como também estiveram na linha de frente dos principais embates da luta de classes em Lear. O deputado Nicolás Del Caño foi um dos feridos na repressão policial à 14a jornada nacional por Lear, e autor da denúncia que possibilitou a garantia do direito de protesto aos trabalhadores. Mas não teve de se enfrentar apenas com a polícia. Por diversas vezes foi ameaçado publicamente nas próprias sessões da Câmara dos Deputados, pelos bate-paus da burocracia sindical do SMATA, quando apresentava uma denúncia da repressão sofrida pelos trabalhadores da Lear.

Esse é um grande exemplo a serviço de que deve estar um cargo parlamentar de esquerda. Exemplo que não encontra sequer uma pálida sombra dentre os diversos representantes do que se pretendem “socialistas” em nosso país. Se a presença do PSTU é praticamente insignificante nesse terreno, há que retomar o que é a prática dos parlamentares do PSOL.

Na contramão de uma atuação que mereça o nome “esquerda” Jean Wyllys afirmou que ganhar quinze mil reais não é muito, e outros como Cabo Daciolo daquele mesmo partido, saiu a defender que um militar de alta patente presida o Ministério da Defesa, e não mais um civil e tirando fotos com ninguém menos que o Bolsonaro. Ou ainda, Luciana Genro que como candidata à presidente por essa sigla recebeu financiamento de campanha de grandes empresas, como a rede de supermercados Zaffari. Todos esses utilizam seus mandatos para fazer verborragia em nome da “esquerda”, e de um “socialismo” vago, que na prática se traduz em dar as costas à classe trabalhadora. Enquanto essas linhas são escritas há trabalhadores terceirizados sem receber salários, ameaçados a passar fome no final do ano no mesmo Rio de Janeiro de Jean Wyllys e Cabo Daciolo. Tal como suas campanhas expressaram não é de se admirar que jamais lhe ocorresse pela cabeça utilizar seus mandatos em prol de tais trabalhadores.

Não vence quem não ousa lutar até o final

Essa foi outra lição de inegável importância de Lear. Durante os mais de seis meses em que essa luta durou, houve vários momentos de adversidades para os trabalhadores. Alguns episódios foram dantescos. Em setembro, frente à determinação de que os delegados sindicais deveriam voltar aos seus postos de trabalho, a burocracia sindical do SMATA e a patronal os colocaram em jaulas, para evitar que tivessem contato com os demais trabalhadores. Uma violação absoluta de direitos humanos elementares. As ameaças e tentativas de agressão por parte da burocracia foram recorrentes, e mesmo agora seguirão.

Se por um lado, a vitória jamais esteve assegurada de antemão, por outro é claro que a disposição em levar a luta até o final foi fundamental. Os que recuam mediante as primeiras adversidades não servem à luta de classes. Trotsky, retomando definições de Clausewitz, em Lições de Outubro já apontava como aqueles que nos primeiros obstáculos exageram as forças do inimigo, e em base a isso desertam das batalhas antes mesmo de levá-las adiante, não podem jamais vencer. Absolutizar as vantagens dos inimigos e avaliar a correlação de forças sempre em seu favor, mesmo quando há possibilidade de seguir a luta, gera a mais desmoralizante derrota, a daquela por batalhas não dadas. Ou não levadas até o final.

Não se trata de dizer que recuos episódicos ou acordos impostos pela dinâmica da luta, são inaceitáveis, defendendo uma espécie de “ofensiva permanente”. Muitas vezes esses acordos são inevitáveis, e preservam as forças restantes. Mas mesmo as derrotas de batalhas dadas, sempre dão lições importantes para a classe trabalhadora. Derrotas sem combate não podem originar nada, privam os trabalhadores da confiança em si mesmos e habituam sua consciência à impossibilidade não só de vencer, mas de resistir.

Em Lear, vimos que a única luta impossível de ser vencer é aquela que se abandona. Mesmo que os trabalhadores não revertessem as demissões, as inúmeras lições legadas por essa luta já seriam parte de uma nova tradição, que demonstra que é possível lutar contra a burocracia, a patronal imperialista e o governo. As comissões de mulheres formadas a partir da luta, os cortes das principais avenidas do país, enfrentando-se à repressão, a solidariedade ativa com trabalhadores de outras fábricas, como a Madygraf (ex-Donnelley), a imposição da reintegração dos delegados sindicais antiburocráticos, as assembleias democráticas, a unidade com os estudantes, já seriam grandes patrimônios conquistados da luta da Lear.

Um contraste com a atuação da esquerda no Brasil, a negação da luta de classes e de um partido de combate

Da própria explicação de como se deu a luta de LEAR já se pode tirar a conclusão de que não há nada parecido no Brasil. Nem PSOL nem PSTU tem sequer um exemplo a dar na luta de classes, muito menos de uma atuação que parta disso no parlamento. No movimento operário industrial o PSOL praticamente não existe, o que ocorre por que isso não faz parte da sua estratégia. Já o PSTU está em várias fábricas e até alguns sindicatos, mas sua estratégia se restringe a organizar alguns Encontros e construir aparatos como a CSP-Conlutas, enquanto na luta de classes dá exemplos somente de derrotas.

O caso mais emblemático é o PSTU que dirige o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos há três décadas. Sempre alegando que não existe disposição de luta entre os trabalhadores, a orientação fundamental do PSTU foi exigir de Dilma que proibisse as demissões e que a GM garantisse os investimentos na fábrica. Mas o fez sem realizar nenhum plano de luta combativo entre os trabalhadores. Menos ainda qualquer unidade entre os trabalhadores da GM e os demais setores que influencia, nenhuma jornada de luta nacional que envolvesse o PSTU nacionalmente, nenhuma ação coordenada dos sindicatos da Conlutas em solidariedade, nenhuma manifestação de rua que o PSTU chamasse ofensivamente toda a esquerda a fazer parte, bem como os trabalhadores das bases dos sindicatos em que estão, educando no classismo, bem como os estudantes dos diversos centros acadêmicos e DCEs que o PSTU dirige. Evidentemente que dessa forma foram incapazes de reverter 687 demissões ocorridas no final de 2013, que já estavam anunciadas pela patronal há cerca de um ano. Na ocasião, “Mancha” do PSTU e diretor do sindicato, chegou a anunciar que ajudaria os trabalhadores a distribuir currículos em outras fábricas da região. E isso tudo ocorria em um período em que a GM anunciava lucros altíssimos.

Outro antiexemplo é a greve do metrô, e que o sindicato dirigido majoritariamente pelo PSTU, PSOL e independentes, poderia ter sido um exemplo, mas apesar de toda a força de luta expressa pela categoria, não esteve à altura dessa batalha. O problema aqui também não é a definição de que foi uma derrota, pois esse pode ser o resultado de qualquer luta. A questão é que a campanha salarial do metrô tinha tudo para ser um componente que fizesse a correlação de forças da situação aberta pela vitória dos garis do Rio de Janeiro fosse mais favorável. Mas teve o efeito contrário. Quando vieram as 42 demissões, apesar de toda a debilidade do trabalho anterior do sindicato, que não estimula a militância dos trabalhadores, a organização pela base, a aliança com a população, etc, ainda havia força para seguir. Mas a direção atuou para acabar com a greve, o que marcou a categoria e a classe trabalhadora com uma derrota importante. E depois do fim da greve, adotaram uma estratégia meramente jurídica e não impulsionaram praticamente nenhuma ação de campanha. A base dos trabalhadores nunca esteve presente em nada, e o PSTU e o PSOL novamente não serviram para organizar nenhuma campanha séria nacionalmente.

Com uma atuação assim ignoram que a subjetividade de resistência dos trabalhadores é algo que se constrói. Forjar uma subjetividade que esteja disposta a encarar a luta até o final, é uma das principais tarefas das direções. Se não for para se orientar por isso, de que adianta estar em sindicatos? Isso se prepara com política. Mas não qualquer uma. E sim aquela em que a classe trabalhadora combate com seus métodos e forma de organização pela defesa de seus postos de trabalho. Exigir de Dilma uma lei que impeça a demissão dos trabalhadores da GM, como fez o PSTU sem colocar a luta de classes no centro, fazendo exigências absolutamente por fora de criar condições para que os trabalhadores estejam lutando nas ruas, é a receita certa da derrota. Um combate defensivo resoluto com métodos da luta de classe, como são sempre aqueles que buscam barrar as demissões massivas, é o primeiro passo para que se possa avançar para uma ofensiva dos trabalhadores. Lear é exemplo também nisso. Dias após o anúncio da reincorporação, os trabalhadores já cortaram a Av Panamericana em 19/12, exigindo voltar ao trabalho imediatamente. Porque, ao contrário de acreditarem na justiça burguesa, mesmo após essa ter de se dobrar a sua mobilização, sabem que só terão seu direito ao trabalho assegurado, se não abrirem mão de sua mobilização.

Para os revolucionários não deve haver separação entre defensiva e ofensiva. Todos os postos obtidos, como as direções sindicais, devem estar a serviço de preparar as condições para passar à ofensiva. Caso contrário, terminam se transformando em instrumentos de pressão à adaptação ao regime, através do regime sindical, e não em ferramentas para a luta de classes. E isso é o que vem caracterizando a maioria das conduções que a esquerda em nosso país vem dando frente aos ataques da patronal e dos governos, e que tanto é preciso superar.

Mas o legado de Lear não é apenas de luta. É uma herança viva de que os trabalhadores podem e devem ser os sujeitos políticos, de um novo tipo de partido, e de um novo tipo de política. Um partido que dê uma perspectiva revolucionária de conjunto, ligando cada greve, cada embate, à luta pelo capitalismo de conjunto. Que unifique os trotskistas com essa nova geração de dirigentes operários, que estão nascendo em cada canto do mundo. E para os quais enquanto parte da esquerda segue cega em reconhecê-los e ouvir suas vozes, há felizmente exemplos como os de Lear, que são a prova viva de que esse encontro não apenas é possível, como urgente.

Nós da LER-QI ainda somos uma pequena organização, mas foi somente o Sintusp, onde somos co-direção, que teve uma vitória na luta de classes depois dos garis, e onde houve diversos exemplos que já tratamos em outros artigos. Foi somente lá também onde houve uma campanha séria em defesa dos metroviários. A tradição que tentamos forjar ali é a mesma que batalhamos na Argentina e nos outros países onde atuamos. Essa é uma tradição que queremos estender para outros sindicatos e queremos construir um novo partido revolucionário para generalizar essa experiência em todo o país.

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