Terça 16 de Abril de 2024

Internacional

Alemanha e Grécia, "coautores" do livro do ano

23 Feb 2015   |   comentários

Esta semana houve um evento importante: sexta-feira, o ministro Varoufakis finalmente cedeu à pressão dos credores e chegou a um pré-acordo, para assim firmar um novo plano com os ministros das Finanças da Eurozona, que aprofunda as medidas regressivas, privatizações e o compromisso com o pagamento de toda a dívida grega, em contrapartida ao plano de "resgate" a economia do país. Lembrando que, precisamente, o Syriza ganhou as eleições com a (...)

Hoje começaremos com o Frankfurter Allgemeine Zeitung, um jornal conservador que é porta-voz da capital financeira da Alemanha, Frankfurt, em nome dos interesses daqueles que estão jogando contra a Grécia nas negociações sobre o plano de seguimento da dívida deste país. Esta semana houve um evento importante: sexta-feira, o ministro Varoufakis finalmente cedeu à pressão dos credores e chegou a um pré-acordo, para assim firmar um novo plano com os ministros das Finanças da Eurozona, que aprofunda as medidas regressivas, privatizações e o compromisso com o pagamento de toda a dívida grega, em contrapartida ao plano de "resgate" a economia do país. Lembrando que, precisamente, o Syriza ganhou as eleições com a promessa de não assinar acordos deste tipo.

Segunda-feira, 23 de fevereiro, é o prazo final para a Grécia apresentar uma nova lista com propostas de "reformas" aceitáveis para o Eurogrupo, já que a Alemanha – voz dominante por lá – rejeitou a proposta grega anterior. Apesar de conter significativas concessões, como o reconhecimento de toda a dívida do país e o acompanhamento das despesas do orçamento pela Troika, que o governo Tsipras passou a chamar de "as instituições" – como para torná-la mais fácil de "digerir", porque o primeiro termo tinha uma conotação absolutamente negativa –, a Alemanha quer a capitulação total do governo do Syriza, e pressiona-o por mais e mais subvenções. De acordo com o FAZ, fontes da imprensa econômica grega vazaram informações de que o governo da Grécia se compromete a continuar o programa de privatização. O ministro das finanças da Bavaria, estado do sul da Alemanha disse: "Deve ficar claro que o dinheiro é para fazer reformas, e não beneficência socialista."

Um dos colunistas da seção econômica do FAZ afirma diretamente que se os gregos não estão interessados em se ajustar, então eles não têm função na UE e deveriam romper com ela:

"Há quase cinco anos, os países da zona do euro têm financiado uma sobre-endividada Grécia. Por isso, ao invés de ir de uma crise para outra, seria melhor cortar suas perdas. Atualmente, a história oferece uma segunda chance (...) A dívida grega equivale a 170% do desempenho econômico do país. Um novo governo quer aumentar os gastos – e relutantemente faz promessas vagas de reformas estruturais que, de acordo com a experiência, não podem ser confiáveis (...) A Grécia não pertence à União Monetária Europeia. A segunda oportunidade envolveria a "Grexit" (...) seria a melhor opção para todos os envolvidos. Nenhuma lei histórica afirma que a política consiste em assinar permanentemente compromissos sujos. A Europa pode finalmente ser crível, e solidariedade já não significaria a traição de todos os princípios. Dito sem cinismo: os gregos se beneficiariam da saída do euro. Certamente, é uma humilhação e uma quebra da soberania de um Estado que seu governo tenha que pedir permissão a seus credores para cada ato de autoridade pública."

O FAZ também dedica um artigo para o discurso do primeiro-ministro Tsipras no sábado e resume as reações da imprensa grega. Surpreendentemente, ou nem tanto, Tsipras apresentou as conversações em Bruxelas... como um triunfo. "Vencemos uma batalha, mas ainda não a guerra”. O sucesso de acordo com Tsipras seria que a UE queria empurrar a Grécia para o calote e pelas concessões de seu governo não conseguiram, e que o país iria apresentar "o seu próprio plano de desenvolvimento". A imprensa ligada ao Syriza apresenta as negociações como "uma nova era, nenhum memorando sem Troika"... Mas nada disso é condizente com a realidade. Vários simpatizantes do Syriza na Grécia e no exterior têm notado na última semana as notícias que vêm da frente não são agradáveis. Stathis Kouvelakis colocou:

“Certamente é muito difícil ter uma visão clara da situação atual das negociações – “negociações” é um oxímoro, dada a grande assimetria na relação de forças e o fato de que uma das partes (o Banco Central Europeu) aponta com uma arma para a cabeça da outra. O que está claro, sem dúvidas, é que o governo grego retrocedeu em aspectos cruciais, especialmente em seus compromissos com os eleitores que o levaram ao poder. Antes de examinar o fundo da solicitação de prorrogação do Acordo Mestre de Serviço de Assistência Financeira apresentado na quarta-feira pelo governo grego a Bruxelas, olhemos mais de perto o “documento Moscovici” que o governo grego vazou durante a reunião do Eurogrupo na segunda-feira passada, e que declarou estar disposto a firmar.

Este documento descarta a “ação unilateral”, afirma que os objetivos do orçamento grego devem ser obter um superávit primário de um volume indefinido e o reconhecimento da totalidade da dívida. Todos os futuros ajustes realizados sobre a reestruturação da dívida terão que estar em consonância com as decisões do Eurogrupo de novembro de 2012. Em essência, a aplicação de medidas fundamentais do programa eleitoral do Syriza está sujeita à aprovação prévia de credores; algo que na prática equivale à anulação do programa. Além disso, reconhece os termos odiosos dos acordos de empréstimo, com o que debilita ainda mais a posição dos negociadores gregos. É óbvio que ao aceitar estes termos como um suposto “compromisso de honra”, o governo Syriza tem as mãos atadas. (...) Ao dar uma lição no governo de Syriza, ao mesmo tempo enviam uma advertência a Podemos e a qualquer outra força na Europa que pode pretender desafiar a austeridade, os memorandos e a chantagem do endividamento."

O Frankfurter Allgemeine Zeitung continua:

Os partidos da oposição grega deram as boas-vindas ao acordo alcançado a princípio com os credores: “Se evitou o pior. E isso é bom”, disse em um comunicado o partido conservador Nova Democracia (ND), na manhã do sábado. Com as ações do governo nos últimos dias, o país tem ficado submetido a um controle mais estrito dos credores. O partido socialista PASOK disse: “O fim das ilusões (para o governo Tsipras) chegou”. O partido pro-europeu “To Potami” (“o rio”), disse “Alexis Tsipras, provavelmente, escolheu ao final o caminho da lógica.” O cenário de pesadelo de uma retirada da zona do euro se evitou inicialmente.

No Guardian de Londres de ontem, em um artigo sobre o pré-acordo, citam ao ministro Varoufakis reivindicando o compromisso de sexta: Hoje estamos começando a ser co-autores de nosso próprio destino, co-autores das reformas que queremos implementar”. O que não diz o ministro é que os outros “co-autores” são os ministros da economia da UE e que essas “reformas” seguem sendo uma continuidade das do governo anterior da Nova Democracia. Sem dizer as coisas como são na realidade, e sem sequer apelar pelo menos à mobilização popular contra a UE, o governo Syriza quer camuflar sua capitulação como um “triunfo”. Frente a tantas concessões por parte da Grécia, “em troca o governo grego ganhou ao menos uma concessão significativa: um relaxamento de seus objetivos fiscais. Os termos do resgate grego exigem um superávit primário de 4,5% do PIB, o que significa que após o pagamento dos juros, as receitas fiscais devem ser 4,5% maior do que o custo do produto nacional. O novo acordo não define uma meta para este ano e a troika prometeu “levar em conta a situação econômica de 2015”. Varoufakis tem falado sobre um excedente de 1,5% do PIB. Grécia conseguiu passar para um superávit primário de 3% de um déficit de 10% a partir do primeiro resgate de 2010, mas a um custo enorme em termos de postos de trabalho perdidos no setor público. Em 2011, o Instituto de Kiel para a Economia Mundial, um centro de estudos alemão, chegou à conclusão de que poucos países tiveram um superávit de 3% entre 1980 e 2010, segundo Bloomberg.

O New York Times, em seu editorial de hoje, afirma que os mercados financeiros europeus devem se unir: “Na semana passada, funcionários europeus propuseram unir seus mercados de capitais para que seja mais fácil que as empresas e os indivíduos invistam e solicitem empréstimos nos 28 países da União, algo que tem sido difícil pelas diferenças entre as leis e regulações nacionais. Uma unificação bem regulada dos mercados de capitais demoraria anos para ser criada, mas poderia impulsionar a economia europeia para reduzir o custo dos empréstimos de dinheiro, especialmente para as pequenas e médias empresas, e oferecer-lhes mais possibilidades para investimento. A combinação de ações e títulos europeus também reduziria a dependência dos bancos, muitos dos quais ainda não se recuperaram dos maus investimentos e os empréstimos realizados antes da crise financeira (...) Nos últimos anos, os líderes europeus fizeram muito pouco para fortalecer a União. As exigências equivocadas por parte dos funcionários da Alemanha e da Comissão Europeia para aprofundar a austeridade na Grécia, Espanha, Irlanda e outros países da eurozona com dificuldades econômicas têm contribuído para o alto nível de desemprego nessas nações. Não é de estranhar que muitos europeus estejam perdendo a fé na UE."

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