Quinta 28 de Março de 2024

Teoria

TEORIA

Zizek, Lenin, a “hipótese comunista” e a questão das estratégias

08 Feb 2013   |   comentários

Escritor fértil, sumamente inquieto, efervescente, com mais de sessenta obras publicadas, Slavoj Zizek não é um pensador que possa facilmente ser definido à primeira vista. Membro conturbado do Partido Comunista da Eslovenia até 1988, ocupante de vários cargos acadêmicos mundo afora (Inglaterra, Estados Unidos, Europa Ocidental), publicou seu primeiro livro em inglês em 1989 (Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia, saiu pela Zahar (...)

Escritor fértil, sumamente inquieto, efervescente, com mais de sessenta obras publicadas, Slavoj Zizek não é um pensador que possa facilmente ser definido à primeira vista.

Membro conturbado do Partido Comunista da Eslovenia até 1988, ocupante de vários cargos acadêmicos mundo afora (Inglaterra, Estados Unidos, Europa Ocidental), publicou seu primeiro livro em inglês em 1989 (Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia, saiu pela Zahar no Brasil, estando atualmente esgotado) e conquistou uma influência para além dos meios acadêmicos de esquerda, onde é amplamente lido.

Circula com facilidade entre autores clássicos e contemporâneos que vão desde Marx a Lacan e também com enorme frequência e facilidade tende a fazer amálgamas em princípio imaginativos mas que, a uma segunda vista, podem se revelar problemáticos (como a particular mescla que faz de Marx e Lacan) e também faz declarações que, neste caso, são bizarras à primeira e à segunda vista (como o elogio aos genocidas e auto-proclamados do Khmer Vermelho, no Cambodja, por terem “tentado romper totalmente com o passado”).

No entanto, Zizek vai além dessas posições e, como regra, nos anos de maior marasmo e reacionarismo acadêmico aportou reflexões e tentou resgatar autores (como Lenin) que certamente sacodem o conservadorismo pós-moderno e os mitos do tipo “Lenin está morto”, o que tem sua importância e muito valor. Ainda mais quando o pensamento chamado “pós-moderno” tratou de ocupar um amplo espaço deixado pela esquerda nas décadas recentes – nas quais justamente Zizek desponta –, período marcado por um refluxo político (sem revoluções), e um momento histórico de relação de forças negativa para a classe trabalhadora e oprimidos em geral.

Este elemento qualitativo dos textos de Zizek foi bem destacado por autores do marxismo contemporâneo como Feijoo e Gutierrez (2004) :

“ O fato de que possa voltar a ser discutido o aporte de Lenin, que está identificado com um marxismo diretamente imbricado com a ação revolucionária, é um elemento claro de mudança ideológica produzida pelo desprestigio do discurso capitalista, um aumento na luta de classes e a convulsão mundial provocada pela invasão imperialista do Iraque. (...)

O predomínio do stalinismo degradou o marxismo aos olhos do mundo e permitiu dar passagem a outra grande operação ideológica: depois da queda do muro de Berlim já não havia lugar para o marxismo de Lenin. Foi o momento onde predominaram as coordenadas ideológicas e políticas ´pós-leninistas´. Hoje o debate preanuncia uma volta aos tópicos mais clássicos da política, produto da reconfiguração que provocou a convulsão mundial pós-11 de setembro. A intelectualidade se vê obrigada a debater sobre os limites de sua aceitação anterior ´pós-moderna e globalizada´ para pensar e teorizar uma nova prática emancipatória”.

É justamente nestes marcos que nos chega Zizek.

Com argumentos cortantes ele nos ajuda a refletir, por exemplo, sobre os insuperáveis limites da democracia realmente existente. Corretamente “ e com muito sarcasmo, desmonta as operações ´ideológicas´ correntes que, nos últimos anos, depois do triunfo ´definitivo´ do capitalismo, reforçam mediante um discurso democrático, a legitimação institucional dos Estados imperialistas. Ele enxerga no ´multiculturalismo´ da produção acadêmica nas ciências humanas, um cínico reconhecimento do dominador em relação àqueles que ele domina, subjuga e oprime” (FEIJOO, GUTIERREZ, 2004).

De uma maneira geral, Zizek, como polemista, primeiro nos estimula a pensar, primeiro traz para a pauta temas e conceitos fundamentais para uma reflexão crítica sobre a crise contemporânea; no entanto, no mesmo movimento, se observamos mais apuradamente seus textos, não é difícil constatar o quanto eles confundem, dispersam e desviam das questões críticas e decisivas do ponto de vista daqueles que queremos uma mudança revolucionária da sociedade capitalista e queremos pensar a estratégia eficaz para essa mudança histórica (partindo do legado clássico).

Há, ao mesmo tempo, críticos de Zizek que vão além e procuram destacar o elemento midiático e, em certa medida, para eles, sem propósito, da frenética produção literária de Zizek. Vale a pena conhecer a opinião de um deles, Grey (2012):

“O fato é que a visão de Žižek – que, além de rejeitar concepções anteriores, carece de qualquer conteúdo definido – é bem adaptada a uma economia baseada na produção contínua de novas experiências e novos produtos, cada um supostamente diferente de qualquer outro que já tenha existido antes. Com a ordem capitalista vigente consciente de que está em apuros, mas incapaz de conceber alternativas viáveis, o radicalismo sem forma de Žižek se adapta muito bem a uma cultura paralisada pelo espetáculo da sua própria fragilidade. Não surpreende que haja esse isomorfismo entre o pensamento de Žižek e o capitalismo contemporâneo. Afinal, apenas uma economia do tipo que existe hoje poderia produzir um pensador como Žižek. O papel de intelectual público mundial que Žižek desempenha surgiu juntamente com um aparato de mídia e uma cultura da celebridade que são parte integrante do atual modelo de expansão capitalista.

Em uma façanha estupenda de superprodução intelectual, Žižek criou uma crítica fantasmática da ordem atual, uma crítica que afirma repudiar praticamente tudo o que existe atualmente, e em certo sentido realmente o faz; mas que, ao mesmo tempo, reproduz o dinamismo compulsivo, sem propósito, que ele vê nas atividades do capitalismo. Ao alcançar um conteúdo enganoso com a reiteração interminável de uma visão essencialmente vazia, a obra de Žižek – que ilustra muito bem os princípios da lógica paraconsistente – consiste, no final, em menos que nada”.

Grey, nos parece, aporta uma reflexão importante. Ao mesmo tempo, pensamos que deve ser levado também em conta que o posicionamento de Zizek, em um sem fim de entrevistas, vídeos e livros é, em regra fiel a um determinado fio condutor. Em entrevista de dois anos atrás, para o jornal italiano Il Manifesto (quando do lançamento do seu livro na Itália, Primeiro como tragédia depois como farsa) ele seguiu, por exemplo, o mesmo roteiro de outras vezes e que continua sendo sua marca: reafirmou sua crítica ao capitalismo como um sistema sem solução, destrutivo em toda linha, tratou de colocar-se do ponto de vista dos oprimidos, “da força de trabalho”, valorizou Lenine (o que em absoluto não é qualquer coisa nos dias atuais) e, o que é igualmente relevante, se posicionou na perspectiva da “hipótese comunista”.

Esse vem sendo sua localização: crítico radical do pós-modernismo, dos tempos conservadores, antileninistas e anticomunistas das últimas décadas, os chamados tempos neoliberais.

No entanto, examinado mais de perto ou a partir de alguns argumentos seus, eis que surge claro o quanto ele continua refém do mundo intelectual por ele criticado. Em outras palavras: ele não rompe definitivamente com os marcos argumentativos e pressupostos fundamentais da intelectualidade pós-moderna e acadêmica que ele, como poucos, sabe fustigar. Pode-se dizer mais, se pretendemos ser objetivos ou até provocadores no próprio sentido zizekiano: é justamente por conta dos pontos fracos, digamos assim, do seu pensamento - pensamento invariavelmente instigante e provocador – que Zizek se revela um pensador ao mesmo tempo incandescente e ao mesmo tempo impotente.

Um exemplo disso vem a ser a questão do partido revolucionário dos trabalhadores e dos oprimidos. Também outro exemplo é a sua pobreza de proposta quando ele procura, dentro dos marcos do seu pensamento, se colocar no debate de qual seria a estratégia, para uma ruptura com o impasse político e civilizatório do mundo atual.

Nesse terreno, o mais comum é que Zizek claudique e /ou fique à deriva.

Tomando um exemplo: do nosso ponto de vista (e mesmo do ângulo de uma leitura detida e de conjunto da obra de Lenin), não há como separar Lenin o revolucionário de Lenin o organizador do partido revolucionário.

Ou seja, quem recupera Lenine estaria resgatando inevitavelmente o partido revolucionário, operário, e ao mesmo tempo a estratégia da ruptura, pela via da revolução de massas, proletária, contra o capitalismo.

Ora, com Zizek não é assim: ele resgata de Lenine seu senso de oportunidade, digamos assim, sua genial habilidade ou capacidade subjetiva em aproveitar o momento em que a situação amadurece para tomar a iniciativa, de massa e revolucionar o sistema. Isso por um lado. Por outro, no entanto, é evidente, no argumento e Zizek, seu abandono ou total subestimação da ferramenta política, do partido revolucionário, o que remete, na prática, toda sua reflexão, por mais aguda e inquieta que seja, para os marcos do pensamento impotente, estritamente acadêmico ou, no máximo apenas formalmente iconoclasta. (O que talvez tenha a ver com sua amarga experiência de vida com os partidos – na verdade aparatos – stalinistas em seu país natal).

De toda forma, o fato é que Zizek deixa de fora do pensamento de Lenin precisamente um dos elementos mais leninistas e que é verdadeiramente crucial no resgate do leninismo: o de que Lenin apenas pôde aproveitar a ocasião ou a crise revolucionária, porque tinha preparado o partido antes. E mais que isso, não apenas tinha organizado o partido organicamente vinculado à classe trabalhadora, mas o fizera em torno da estratégia correta de tomada do poder.

Ora, o que se observa nos seus textos é que quando Zizek aborda a questão da estratégia para ruptura com a crise da sociedade capitalista contemporânea, não há qualquer ponto de contato com aquele Lenin ou com a estratégia leninista.

Embora Zizek fale em vários momentos de sua obra - e também naquela entrevista acima citada - em nome da perspectiva ou da idéia comunista (“idéia comunista de transformar a realidade”), embora defenda expressamente o “governo de comuna”, e também que “devemos organizar as forças sociais oprimidas para uma ação praticável no presente e no futuro imediato” e igualmente chegue à importantíssima conclusão da necessidade de “recompor e unir os diferentes setores da força de trabalho”, ele absolutamente não põe centro – sequer menciona – a idéia-força da construção do partido de classe (justamente o condutor da estratégia revolucionária).

É pior: ele ainda acena com uma estratégia velha, obsoleta e construtora de derrotas ao longo do século já que, para citar um exemplo do seu argumento, a certa altura daquela entrevista, ele faz a proposta explícita de uma “aliança tática” – é seu termo – com certo movimento ambientalista, com os setores que nas reuniões de cúpula sobre meio ambiente aparecem organicamente vinculados ao ambientalismo de elite.

Como é esse o único momento daquela sua fala em que menciona a tática e como não esclarece mais sobre o tema desde outro ângulo, nem ali e nem em outros lados, a primeira conclusão é a de que ele propõe uma aliança com setores ambientalistas burgueses , aliança sem qualquer diferenciação programática e sem delimitação, por exemplo, como partido de classe. Ou seja: propõe, na prática, um amálgama entre o movimento dos trabalhadores e ambientalistas burgueses sem delimitação de classe; na verdade uma tática populista (na acepção classista do que é populismo). Uma tática que não se ocupa de por em primeiro plano a classe trabalhadora. E seus aliados pobres. Alias, em nenhum dos seus livros ele adota essa hierarquia estratégica

Embora Zizek critique aqui e ali a noção de “povo” (como fantasiosa) e também a de “multidão” de Negri e Hardt como uma noção impotente – no que tem total razão -, o que se observa em sua obra é que o próprio Zizek , imperceptivelmente, resvala para uma noção de sujeito revolucionário igualmente fantasiosa e igualmente genérica. Além de certamente impotente por ser reformista na prática (para além da incandescência do seu discurso).

Em outro ponto daquela entrevista ele reforça esse seu tipo de tática. Especialmente quando argumenta que com a crise econômica atual, o tabu sobre os riscos da “intervenção reguladora do Estado foi quebrado” e que isso pode reforçar os socialistas (os que apenas querem redistribuição de renda e poder, diz ele) o que abriria, por isso mesmo, continua argumentando, espaço para propostas mais radicais. Mas não faz a crítica aos socialistas (partidos burgueses) como justamente aqueles que, com seus intentos “keynesianos”, não podem mais do que tratar de descarregar sobre as massas a crise atual (e portanto os custos da “intervenção reguladora”, dos resgates bilionários da banca).

Outro elemento do resgate leninista de Zizek que não se pode deixar de levar em conta – e bastante enfatizado por Kellog – é o de que muitos argumentos pró-Lenin por parte de Zizek terminam se prestando para uma confusão muito comum na esquerda, a de imaginar que Stalin, em vez de ser uma negação de Lenin, do leninismo, seria sua afirmação (esquecendo que, para se impor, Stalin precisou exterminar todos os companheiros de armas de Lenin etc). Nos marcos dessa questão é importante que levemos em conta a argumentação de Kellog (2008 ) que destaca que “Zizek conhece muito bem os horrores do stalinismo: ´O socialismo realmente existente foi barbarismo´(Zizek argumentou agudamente em texto de 2002); ele também afirmou que “Eu sou do Leste, sei o que foi aquela merda, não tenho nostalgia do stalinismo”. Mas ao mesmo tempo, Kellog trata de nos mostrar, desde vários ângulos, como Zizek termina confundindo o horror stalinista com Lenin, e ainda por cima realiza a operação, frequente na direita e esquerda, de imaginar que escolher Lenin é escolher Stalin. No argumento de Kellog (2008):

“A posição básica de Zizek em seu Às portas da revolução é muito pró-Stalin. ´Nós devemos - ele argumenta – parar com esse jogo ridículo de opor o terror stalinista ao leninismo ´autêntico´, como se este fosse um legado traído pelo stalinismo: ´leninismo´ é uma noção inteiramente stalinista´. Ora, este é o mais velho exercício intelectual do século XX, praticado pela esquerda e pela direita; Stalin é enraizado em Lenin. Dessa forma, se você escolhe Lenin você obtém Stalin. A única diferença seria de atitude. A direita diz ´Stalin era horrível – o que significa que Lenin também era horrível´. A esquerda diz, ´OK, Stalin era horrível, mas tinha que sê-lo, estava enfrentado com o imperialismo – ele é apenas um extremo de Lenin. Mas a verdade é que se para ter Lenin a esquerda tem que também fazer a apologia do barbarismo stalinista, neste caso é melhor esquecer Lenin...”

Seguindo em sua argumentação, Kellog nos explica que Zizek – no tema do stalinismo e da Revolução Russa – não apenas é obscuro mas absolutamente não chega a compreender a localização de Trotski. Em uma linha de pensamento semelhante àquela que confunde Lenin com Stalin, o que Zizek termina fazendo é obscurecer ou minimizar a oposição trotskista a Stalin assim como também chega a imaginar que aceitar a revolução de Outubro é aceitar os crimes de Stalin; o que é equivocado já que, corretamente, para Kellog (2008, grifo nosso):

“Essa perspectiva teórica não pode explicar porque a figura mais proeminente do anti-stalinismo veio a ser Trotski – inclusive ao lado do último Lenin, o líder máximo da revolução de Outubro. Quem abraçou o ato revolucionário mais integralmente que Leon Trotski – presidente do soviete de Petrogrado em 1905 e novamente em 1917, organizador da insurreição de Outubro de 1917, do Exército Vermelho na situação desesperadora da Guerra Civil? Este compromisso com o ato revolucionário não significou um subsequente envolvimento com o stalinismo; na verdade o compromisso com o ato revolucionário implicou no engajamento com a resistência ao stalinismo, que Antonov-Ovseyenko chamou precisamente de ´contrarrevolução”.

Portanto, retomando nosso argumento: ao fazer o resgate parcial de Lenine (Lenine sem o partido e sem a estratégia do proletariado como sujeito da revolução que lidera os demais aliados, que inclui intelectuais, ambientalistas mais radicais, o conjunto dos pobres ), Zizek não apenas claudica em relação ao realismo da luta pela “hipótese comunista” em Lenin, como também se mostra incapaz de entender o stalinismo como contrarrevolução e de dialogar positivamente com o mais conseqüente autor do nosso tempo no tema da “hipótese comunista”, Trotski.

Na nossa ótica, não é possível , objetivamente, declinar da conclusão de que precisamente Trotski vem a ser o revolucionário e escritor que melhor previu e analisou a bancarrota do chamado “socialismo real”, da contra-revolução stalinista. E desde antes demonstrava – quando todo o movimento comunista, e não somente comunista, falava em comunismo ou ´socialismo real´ na URSS - que a natureza da burocracia usurpadora é contrarrevolucionária, irreformável. No argumento de Trotski ou a burocracia seria derrubada por uma revolução política ou marcharia para a restauração burguesa. Zizek, que tem sua particular explicação trágica para essa restauração, para a queda do Muro, não dialoga seriamente sobre a “hipótese comunista” com autores como Trotski que a levaram em conta como luta concreta e como estratégia.

O resgate de Lenin por Zizek também é problemático em outro elemento: o Lenin de Zizek termina por tornar-se o de um líder revolucionário com forte carga subjetiva – de vontade revolucionária – e de débil conteúdo como sujeito revolucionário coletivo. Nas palavras de Feijoo e Gutierrez (2004):

“Seu ´leninismo´ [de Zizek] põe no centro o ato “decisório” do sujeito, irredutível, que muda o terreno ao aceitar as consequências de seu ato, e onde o apelo subjetivo só adquire sentido porque nega o ´marco simbólico´ estabelecido. Esta concepção meramente individualista da ação política, nega a constituição de um sujeito coletivo capaz de mudar realmente a realidade capitalista mediante a revolução social. Se bem que não existe uma relação linear entre o sujeito social que é a classe operária e sua constituição como sujeito histórico, seu lugar na produção social lhe concede a potencialidade de emergir como uma força social capaz de transformar e subverter a sociedade, como de fato o fez em diferentes momentos da história. Esta realidade de seu poder social e de sua história é o que permite lutar por sua constituição como sujeito revolucionário. O Lenin de Zizek adquire atualidade apenas como um ´significante´ vazio, eliminado o conteúdo histórico concreto do projeto leninista, que se desvanece para dar lugar a um ´ato subjetivo´ mas sem sujeito histórico”.

Não se trata de problemas ou de contradições menores, manifestadas aqui e ali, por parte do pensamento de Zizek, mas antes de mais nada o que transparece nesses resgates e atualizações é uma dificuldade profunda em localizar-se em uma perspectiva estratégica. Revolucionária e estratégica. E que tome como perspectiva histórica e concreta o sujeito coletivo proletariado e sua (s) ferramenta (s) política (s).

Por isso também é que Zizek termina trocando os pés pelas mãos em vários conceitos já bem estabelecidos pelo marxismo clássico, por exemplo, conceitos importantes e atuais como o do que seja populismo, bonapartismo e tantos outros. Zizek consegue contra-argumentar razoavelmente bem contra Laclau no tema, por exemplo, do populismo, mas ele mesmo afunda depois ao não defini-lo adequadamente, desde um ponto de vista de classe. E assim em outros temas. O que tem a ver com sua posição refratária ao que argumentamos acima, ao tema partido revolucionário, do sujeito revolucionário coletivo, da centralidade do proletariado no processo revolucionário e assim por diante.

À guisa de conclusão

Em poucas palavras tentamos sinalizar aqui com alguns elementos problemáticos do nosso sempre instigante Zizek. Naturalmente, não se trata de elementos cuja abordagem aqui tenha condição de encerrar qualquer discussão sobre Zizek. Nosso propósito neste breve texto, foi o de não se perder de vista em qualquer autor que se posicione pela esquerda, em qualquer crítica, por mais iconoclasta ou correta que seja, a questão do debate de estratégias. Sem o que a crítica ou se perde ou pode até ser alegremente absorvida pelo capitalismo e pelo seu mundo editorial de esquerda.

No entanto, nada disso pode nos conduzir - se levamos em conta o marasmo acadêmico dominante - a subestimar a utilidade de leituras como Zizek. Muito menos de subestimarmos a perspectiva que ele reinstala, à sua maneira, ou seja, a de subverter pela raiz a sociedade capitalista, e justamente em meio a tanto ultra-relativismo “pós-moderno”, em meio a tanta resignação de parte da intelectualidade mesmo de esquerda.

Também é muito aguda a sensibilidade de Zizek quando detecta “uma guerra civil rastejante na sociedade capitalista” atual. E em particular quando ele reitera que não se pode apagar o legado de Lenin. E por fim, é difícil discordar de Zizek quando defende o “impossível” (para nós perfeitamente possível e necessário, a revolução), ou em suas palavras: “A verdadeira utopia é a crença de que o sistema global vigente pode se reproduzir indefinidamente; a única forma de ser realista em absoluto é projetar o que, dentro das coordenadas desse sistema, só pode aparecer como impossível” (ZIZEK, 2008, 61).

Referências bibliográficas:

FEIJOO, Cecilia, GUTIERREZ, Gastón, 2004. Zizek y su Lenin postmoderno, In Lucha de clases n.4, Buenos Aires, 2004.

ZIZEK, Slavoj, 2008. A utopia liberal. Margem Esquerda, n.12, 2008, p. 43 a 61.

ZIZEK, Slavoj, 2005. Às portas da revolução: escritos de Lenin de 1917. São Paulo: Boitempo.

ZIZEK, Slavoj, 2003. Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Boitempo.

GREY, John, 2012. As visões violentas de Zizek. Revista Piauí, n. 71, agosto 2012. Também disponível no site: www.revistapiaui.estadao.com.br.

KELLOG, Paul, 2008. Slavoj Zizek’s failed encounter with Leninism. In International Journal of socialist renewal, 2008. Disponivel no site: www.links.org.au

ZIZEK, Slavoj, 1989. Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro: Zahar.

PEZZINI, Anete Amorim, 2010. Há uma guerra civil rastejante na sociedade capitalista. (Entrevista de Zizek ao jornal Il Manifesto de 13/4/2010). In www.rosa-blindada.info/?p=357

Artigos relacionados: Teoria , Debates









  • Não há comentários para este artigo