Sábado 20 de Abril de 2024

Movimento Operário

Zanon: um passo adiante

30 Nov 2005   |   comentários

A crónica deveria começar descrevendo a expressão contida nos rostos experientes dos operários e operárias de Zanon. Há um clima reflexivo. No fundo, a emoção que pulsava para sair se reflete nos olhares. A assembléia indaga cada ponto da resolução judicial. Como é comum no saguão da fábrica, escutavam-se as vozes e as opiniões de uns e outros.

Vinte e quatro horas antes, o juiz havia posto condições inaceitáveis: queria reservar-se o poder de revogar a cooperativa em qualquer momento e sem fundamento algum. Os operários e operárias de Zanon, em meio a um plano de luta com panfletagens e cortes do fluxo das pontes das estradas, fizeram um intervalo e em assembléia e por unanimidade se rechaçou a sentença. Se decidiu exigir do juiz revogar esse ponto e insistir nas condições dos operários. Se aproximava o bloqueio total das pontes.

A delegação que estava em Buenos Aires se manteve firme. O mandato da assembléia estava claro. A relação de forças, baseada na unidade interna e no apoio da comunidade, também. Até o juiz tomou nota disto. Diz em sua resolução: “uma situação social no lugar onde se encontra localizada a fábrica que se sustenta sobre um precário equilíbrio. No expediente reservado nº 50.718 do registro da Secretaria de atuação, qualificado “Cerámica Zanon S.A.C.I. y M. S/ concurso preventivo s/ inc. de atuações cumpridas no estado de Neuquén” , foi informado pelo Chefe de Polícia desse estado que não existe certeza de que uma intervenção daquele tipo (se refere à reintegração de posse) não afete a integridade das pessoas envolvidas e das coisas existentes no lugar ”¦ dadas as atuais circunstâncias não resulta factível apelar à provisão de força pública no marco em que o ofício prevê tal intervenção, já que seria impossível evitar confrontos e desenvolvimento de atos de violência ou garantir a integridade de todas as pessoas envolvidas. Tal situação, como surge da contestação do ofício de ditas atuações, se mantêm no momento (11.07.05)” .

A audiência, carregada de tensão, terminou. O juiz dava um passo atrás com o ponto rechaçado pelos operários. A delegação operária cumpriu com um dos princípios do Sindicato Ceramista: nada se aprova, nada se rechaça se não for com consulta prévia e mandato de assembléia. Diz a ata: “Os trabalhadores manifestam que as atuações concernentes à continuidade da atividade e do modelo de contrato serão submetidos à consideração da assembléia de trabalhadores que é a autoridade máxima” .

Voltemos à assembléia. A emoção vai se apoderando dos rostos. Começam os primeiros aplausos. Apresenta-se uma moção que na parte central diz: “o reconhecimento da autonomia da gestión operária (descartada qualquer forma de co-gestão com a patronal ou o poder do Estado); a concessão da planta para fabricar e comercializar cerâmicas (incluindo a marca Zanon) por um ano e com possibilidade de renovação, ficando a nosso cargo o pagamento de um valor mensal de $30.000 + IVA e a prestação de contas periódicas à procuradoria. Sob estas condições, consideramos este fato como um passo adiante em nossa luta pelo controle operário já que por no mínimo um ano se afasta a possibilidade de uma reintegração de posse (além disso a concessão é prorrogável). Mas ao mesmo tempo somos conscientes de que não é a solução de fundo. Nosso compromisso é redobrar os esforços e nossa luta para obter a aprovação da lei de expropriação e não aceitaremos que nos imponham o pagamento da dívida milionária que deixaram os empresários espoliadores fazendo-nos comprar a fábrica ou pagar os credores” . Se apresenta esta moção concreta. “A favor” : todas as mãos se levantam. “Contra” : nada se move. “Abstenções” : nenhuma mão levantada. A moção foi aprovada por unanimidade.

No momento seguinte os abraços, os cantos e as lagrimas de alguns operários mais velhos roubaram a cena. O festejo coletivo durou um bom tempo. Mas não é uma alegria ingênua. A resolução de Zanon também diz: “Como sempre dissemos, Zanon não é uma ilha e não podemos nos salvar sozinhos num país em que as políticas do governo seguem gerando lucros milionários para as grandes empresas, enquanto milhões de trabalhadores continuam desempregados, os salários estão abaixo da cesta básica familiar e a fome e a miséria se estendem. Somente confiando em nossas próprias forças, com a unidade com os trabalhadores empregados e desempregados, os estudantes combativos e o apoio da comunidade podemos seguir defendendo a fábrica e conseguir que triunfe a gestão operária. Por isso seguiremos adiante com nosso método de trabalho que são a assembléia, os mandatos, a revogabilidade, nossos estatutos e com a coordenação com outros setores em nível regional e nacional, a continuidade de atividades culturais e sociais, o jornal e os programas de rádio Nuestra Lucha, a destinação de uma parte da produção a necessidades sociais, fundos de greve solidários, a fábrica aberta ao povo etc. Em síntese, nosso destino esta ligado à luta do conjunto dos trabalhadores e do povo pobre. E nele apostamos.”

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